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Meio Leila Diniz

Quarenta anos depois da morte da atriz que virou símbolo do feminismo (mesmo sem querer), uma geração de mulheres se organiza para protestar por igualdade e liberdade. Vale tudo: do funk pornográfico de Valesca Popozuda à Marcha das Vadias. Quem são as jovens que hoje se declaram feministas

Gláucia Chaves
postado em 22/07/2012 08:00
Quarenta anos depois da morte da atriz que virou símbolo do feminismo (mesmo sem querer), uma geração de mulheres se organiza para protestar por igualdade e liberdade. Vale tudo: do funk pornográfico de Valesca Popozuda à Marcha das Vadias. Quem são as jovens que hoje se declaram feministasAos 13 anos, Anne foi agredida pela primeira vez. Era seu primeiro namorado, mas ele não teve pena de usar a força para conseguir o que tanto queria: consumar a relação. Três anos após o estupro, ela conheceu o segundo namorado. Novamente, o encanto do começo do relacionamento não durou muito. Apesar de não ter sido violentada sexualmente, Anne apanhou. Aos 19, o último e mais traumático dos relacionamentos rendeu a ela dias de tensão, com direito a mais pancadaria, perseguições e idas frustradas à polícia. Juliana não chegou a ser agredida fisicamente, mas ficou com o psicológico abalado após ver amigas próximas sofrendo violências parecidas, mas incapazes de desatar o nó emocional que as ligava aos agressores. Dona de um badalado bar da cidade, ela ainda precisa se desdobrar para ser levada a sério em um ambiente predominantemente ocupado por homens.

Quando ainda era uma estudante de direito, Lívia se interessou por movimentos estudantis. Não foi preciso muito tempo para ela perceber que, se quisesse ser ouvida, teria que falar mais alto ; e, às vezes, mais grosso ; que os homens. Dona de uma voz fina e delicada, ela resolveu, então, poupar as cordas vocais e começar a agir. Bianca não gosta de rótulos: alegre, sorridente e extremamente bem informada, ela faz da internet seu habitat natural. É telespectadora assídua de reality shows, novelas e o que mais estiver passando na TV aberta. É capaz de discorrer por horas sobre questões morais de subcelebridades reunidas em uma fazenda, mas sente-se completamente à vontade para discutir políticas públicas, caso seja necessário. Quando pequena, Camila era ;respondona;, como se costuma chamar crianças questionadoras demais. O porquê de os meninos não poderem bater em meninas foi o tema de seu primeiro discurso, ainda no jardim de infância.

Embora com histórias de vida diferentes, Anne, Juliana, Lívia, Bianca e Camila estão unidas por um denominador comum pouco palpável, mas poderoso: o pensamento. Para cada uma delas, o apelo ao feminismo chegou em um momento específico e por uma motivação individual. As cinco garotas são apenas uma pequena amostra do que pode ser chamado de ;nova geração; de um movimento antigo e conhecido por trazer polêmica às rodas de conversa do mundo inteiro. Mas onde essas mulheres estão atualmente? Para refrescar a memória da população, essas novas feministas criaram a Marcha das Vadias ; em 3 de abril de 2011, houve a primeira edição da marcha em Brasília, já repetida neste ano. Originalmente batizado como Slutwalk, o protesto surgiu a partir da declaração de um policial que investigava diversos casos de abusos sexuais ocorridos na Universidade de Toronto, no Canadá. Para prevenir novos ataques, o policial aconselhou que as estudantes ;evitassem se vestir como vadias; (slut, em inglês).

A iniciativa cresceu e rapidamente se espalhou. Hoje, mulheres de lugares como Toronto, Amsterdã, Buenos Aires, além das cidades brasileiras São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Teresina e Brasília, por exemplo, vão às ruas para brigar pelo direito de usar o que quiserem. Um grupo um pouco mais antigo, mas ainda contemporâneo, é o Femen. Criado em 2008 por Anna Hutsol, uma militante ucraniana, a organização é mais ;enérgica; que a Marcha das Vadias, digamos assim. O grupo usa da própria beleza das ativistas para chamar atenção: com os seios de fora e cartazes incisivos, as militantes ; quase sempre, louras, magras e belas ; fazem aparições públicas que, geralmente, acabam em prisões, ainda que temporárias.

Há quem defenda que exista ainda um tipo de ativismo ;não convencional;, que não segue a linha tradicional do embasamento acadêmico das feministas, mas tem nuances das teorias adotadas por elas. Em outras palavras, seria um feminismo feito por mulheres que nem sempre sabem ou têm a intenção de ser feministas. Nos anos 1960, brasileiros mais conservadores ficavam com os cabelos em pé com Leila Diniz. Alegre e irreverente, ela foi, mesmo sem querer, ícone da resistência à ditadura. Sem vergonha ; no melhor sentido da expressão ;, a atriz não tinha pudores em falar tudo o que se passava por sua cabeça. Em sua antológica entrevista ao jornal Pasquim, em 1969, ela deu declarações que poderiam muito bem ter saído da boca de feministas atuais, como ;você pode muito bem amar uma pessoa e ir para a cama com outra. Já aconteceu comigo;. A conversa rendeu um recorde de vendas da publicação e, de quebra, deu início à censura prévia à imprensa (Decreto Leila Diniz). Para marcar ainda mais sua posição de feminista por acidente, Leila empunhou a barriga de oito meses de gravidez na frente das câmeras ; ato impensável e que ia contra ;a moral e os bons costumes; da época.
Atualmente, a cantora Valesca Popozuda é um dos exemplos que causam esse tipo de dúvida.

Quarenta anos depois da morte da atriz que virou símbolo do feminismo (mesmo sem querer), uma geração de mulheres se organiza para protestar por igualdade e liberdade. Vale tudo: do funk pornográfico de Valesca Popozuda à Marcha das Vadias. Quem são as jovens que hoje se declaram feministasAtualmente, a cantora de funk, conhecida por deixar bem claro em suas letras a vontade de realizar atos sexuais, para usar um eufemismo, resolveu levar a causa a sério. Pelo menos, mais a sério do que vinha fazendo: para aproveitar o gancho da Cúpula dos Povos, na Rio %2b20, ela aceitou um convite para posar nua com cartazes que valorizavam a autonomia sexual feminina. Ainda que não esteja completamente por dentro das principais teorias sobre o feminismo e que, provavelmente, nunca tenha colocado as mãos em nenhum dos dois volumes de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, Valesca deu declarações em que afirma querer, basicamente, o que elas também querem: liberdade. ;Seu eu quiser dar, eu dou e ninguém tem nada a ver com isso. Na minha vida mando eu;, disse a cantora ao Ego, site que realizou o ensaio. Engolir Valesca como porta-voz, contudo, é um pensamento que divide as próprias feministas. Enquanto algumas ficam fora de si, outras encaram a ideia com bom humor e aceitam a nova companheira de braços abertos.

Mas por que tanta polêmica? Como todo grupo, há pessoas com pensamentos distintos, o que dificulta o próprio entendimento do que é feminismo. Em blogs e sites especializados na temática, há uma clara divisão entre feministas que consideram válida a postura de Valesca, que usa as batidas marcadas do funk para dizer para quem quiser ouvir que seu corpo pertence única e exclusivamente a ela. Do outro lado do debate, estão as que defendem que o próprio ato de subir ao palco com roupas provocantes e mensagens idem é apenas mais uma maneira de atender aos fetiches masculinos ; acusação que também foi direcionada a Leila Diniz, à época do ensaio fotográfico em que estava grávida.
Afinal de contas, a própria Valesca se considera ou não feminista? Alheia aos pormenores filosóficos da coisa, a cantora só se importa em fazer o que quer, do jeito que quer e com quem quer. ;O corpo é meu e faço o que quiser com ele e com a minha sensualidade. O problema é meu. Ninguém tem nada a ver com isso.;

Leia esta reportagem na íntegra na edição n; 375 da Revista do Correio

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