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No embalo da ousadia

Integrante do elenco do musical Cabaret, em cartaz em Brasília, Mateus aprendeu na capital federal a dar os primeiros passos da dança que conquistou Cláudia Raia


Mateus Ribeiro é um rapaz comum. Aos 18 anos, ele se diverte com os amigos, vai a festas e se prepara para a profissão que escolheu. Enquanto seus colegas devoram apostilas e livros em busca de uma vaga no concorrido vestibular de universidades federais, Mateus se dedica a aulas de canto, de dança e de atuação para passar nas audições (teste de elenco para teatro) das quais participa. Outra possível característica que o difere da maioria dos adolescentes, geralmente perdidos ou em dúvida sobre o melhor caminho a seguir, é a certeza que ele tem sobre seu próprio futuro.

Desde os 10 anos de idade, Mateus quer ser ator. Na verdade, querer não é bem o verbo: Mateus é ator. E cantor. E bailarino. Atualmente, o artista está no elenco do musical Cabaret, espetáculo produzido, dirigido e estrelado pela atriz Cláudia Raia. O show, que estreou em outubro de 2011 e agora está em cartaz em Brasília, é o primeiro da carreira desse jovem cearense, que aprendeu seus primeiros passos de dança na capital federal, para onde se mudou aos 13 anos de idade.

Não foi apenas a dança que Brasília apresentou ao rapaz. Foi aqui que o jovem descobriu como unir atuação, canto e dança; três paixões que o levaram aos palcos paulistas e cariocas, onde atua hoje. Quando foi selecionado para atuar ao lado de Cláudia e participar do espetáculo que considera o mais importante da sua vida, no ano passado, Mateus ainda cursava o terceiro ano do ensino médio. A dúvida entre abandonar ou não os estudos para se dedicar ao sonho de se tornar um ator musical, porém, não foi assim, tão difícil de ser resolvida. ;Conversei com a minha mãe e ela me apoiou;, conta. ;Ela disse que eu não poderia perder a chance de aproveitar uma oportunidade que eu tanto esperei.;

Apesar do intenso desejo de ser aprovado, no momento da audição para o Cabaret, Mateus estava desesperançoso. Com estatura mediana e biotipo magro, ele conta que se deparou com bailarinos enormes, fortes e altos. ;Pensei ;ok, erraram meu perfil de novo;;, relembra. A expectativa de ser lembrado para oportunidades futuras o animou um pouco, porém. Não custava nada dar o melhor de si. Quando a atriz Cláudia Raia entrou para recepcionar os candidatos, a vontade de ser notado virou uma obrigação. ;Percebi, durante toda a audição, que ela estava gostando do que eu estava mostrando;, conta. ;Comecei a reparar no que as pessoas não faziam, porque precisava me destacar de alguma forma.;

De roupa preta como todo mundo, Mateus era o candidato número 128. A estratégia era ser visto, de qualquer maneira. Na primeira fase da triagem, os candidatos tiveram que aprender uma coreografia na hora. A maioria se concentrou em decorar os passos. Ele quis inovar. ;Vi que as pessoas eram muito clássicas, então, resolvi dançar com passos mais marcados;, exemplifica. Na hora de escolher o salto alto de 8cm que iria usar (todos os bailarinos precisavam saber dançar nas alturas), ele preferiu o dourado. Durante a apresentação, caras e bocas para os jurados. A estratégia deu certo: após as quatro fases da seletiva, Cláudia Raia queria conhecê-lo. ;Ela disse que tinha gostado muito de mim e da minha energia;, derrete-se Mateus. ;Fui embora pasmo. Esqueci até minha mochila e as partituras no palco.;

Na coletiva de imprensa de divulgação do espetáculo, em São Paulo, Mateus foi citado pela atriz. Sentado ao fundo da sala, o rapaz viu todas as câmeras e microfones voltarem-se para ele. ;Acho que ela se identificou comigo porque também começou a carreira cedo;, arrisca. Do lado dele, a recíproca veio em forma de admiração. ;Ela é uma pessoa muito batalhadora e estuda muito;, elogia.

Tanta atenção voltada a uma só pessoa pode despertar sentimentos não tão nobres no resto do grupo de dançarinos. Questionado sobre isso, Mateus prefere manter a diplomacia. ;Se alguém tem ciúme, guarda para si. Até porque, todos lá têm uma carreira consolidada;. Mateus diz que os planos para o futuro são tão animados quanto sua agenda: recentemente, começou um curso de dublagem. Só para não ficar ;acomodado;. ;Quero ser protagonista de um musical, fazer TV e continuar na dublagem. Tudo com calma. Só não quero ficar parado;, diz. ;Eu não quero estar em outro lugar. Quero estar onde eu estou, trabalhando em uma festa em vez de estar em outra, só curtindo.;

Os primeiros passos
Nem mesmo Mateus sabe como começou a vontade de ser artista, mas arrisca: talvez tenha sido ainda na infância, durante os shows de mágica particulares que apresentava em reuniões familiares. Pode ser também que o dom seja genético, uma vez que a arte sempre esteve presente em sua árvore genealógica. ;Meu pai tocava violão na noite;, conta. A mãe fazia parte do coral e do grupo de teatro da escola em que estudava em Fortaleza. Os dois irmãos também trilharam caminhos artísticos: o mais velho, de 22 anos, toca vários instrumentos e o mais novo, de 15 anos, também é ator.

Mateus repetiu os passos dos pais: coral, teatro, dança ou o que quer que envolvesse arte, lá estava ele. Até que chamou a atenção de um dos professores. ;Ele me convidou para fazer aula de teatro de verdade, com um grupo bem mais velho;, relembra. ;Eu tinha uns 11, 12 anos e estudava com gente de 20.; A convivência com pessoas mais velhas ajudou, o então menino, a ganhar maturidade. Surgiu assim o adolescente meio adulto de hoje. As gírias do vocabulário brigam com as ideias quase incompatíveis para a pouca idade. ;Se eu quero ser ator, os outros podem falar o que quiser. Não é porque um ou outro não fez sucesso e não conseguiu ganhar dinheiro com isso que eu não vou conseguir;, dispara. ;Eu confio no meu taco.;

Tanta confiança pode até parecer pretensão, mas, na verdade, ela foi conquistada com muito suor. Literalmente, no caso de Mateus. Depois das aulas na escola, ele passava o dia inteiro na academia de dança. A primeira coisa que fez quando chegou em Brasília foi procurar uma aula de sapateado. Novamente, um professor viu que ele levava jeito para a coisa e o convidou para fazer também aulas de teatro musical. Sem saber direito como seria atuar e cantar ao mesmo tempo, Mateus resolveu arriscar. E se apaixonou. ;Achei que seria uma coisa um pouco amadora, mas vi que era puro desconhecimento;, conta. ;Tem um mundo de coisas que se pode fazer com o teatro musical.;

A partir daí, a dança passou a ser sua nova obsessão: todos os vídeos que via, os artigos que lia e os exercícios que fazia eram com o intuito de se aprimorar. De aluno, Mateus logo passou a professor. Sua rotina na capital, então, tornou-se um vai e vem sem fim. ;Eu saía de casa às 6h da manhã, ia para a escola e saia correndo para ensaiar;, descreve. ;Muitas vezes tive que montar a coreografia das aulas durante os intervalos da escola.;

Quando ainda morava em Fortaleza, porém, ele admite que não era tão fácil assim bater o pé pelo que queria. ;Algumas pessoas do meu colégio achavam que ser ator era coisa de vagabundo;, relembra. Comentários maldosos, que iam da escolha da profissão até a própria sexualidade do garoto, pipocavam na maioria das rodas de conversa da época. ;Lá é um lugar que arte paga muito pouco. As pessoas não apoiam, não vão assistir e o povo é muito machista;, critica. ;As pessoas podem até ser artistas, mas precisam ter uma profissão paralela.;

Por aqui, a realidade mudou. Mateus conheceu outras pessoas que também se interessavam por teatro e fez amigos dançarinos que o incentivaram a começar a dançar. Ele relembra que, mesmo antes de começar a ter aulas profissionais, já ensaiava alguns passos despretensiosos. O problema foi dividir o tempo entre os estudos e os ensaios constantes quando resolveu se profissionalizar. Mateus, contudo, nunca foi um mau aluno, até porque, dependia das notas no boletim para continuar fazendo o que tanto gostava. ;Quando eu era criança, meu pai impôs essa condição. Eu só poderia continuar no teatro se tivesse notas boas;, conta. ;Nessa época, minhas notas aumentaram, de tanto medo que eu tinha de ter que parar.;

Já no começo da adolescência, em um único dia, Mateus tinha que ir para a escola, para a aula de dança, de canto, de jazz, de street jazz , além de ensaiar um musical no período noturno. No fim das contas, sobravam apenas três horas por noite para dormir. ;Eu não tinha vida pessoal;, resume. Ele só tinha tempo para um almoço rápido, no carro mesmo. A marmita feita pela mãe - que estava sempre de prontidão na porta da escola para levá-lo ao trabalho - era a salvação. Assim como muitos outros artistas que começaram a carreira ainda na infância, Mateus tem na mãe uma agente particular. É ela quem fica, até hoje, atenta para prazos, audições e oportunidades que podem virar trabalho. A vantagem é poder ter tudo isso com o aval materno, ou seja, com um carinho que dificilmente seria encontrado em uma relação profissional desprovida de vínculos familiares. ;Ela me apoia muito até hoje. Se não fosse por isso, nunca daria certo.;