A semana começou agitada no meio da moda. O motivo do alvoroço foi um anúncio de poucas linhas feito pelo estilista Walter Rodrigues na sua página no Facebook. ;Deixo o Fashion Rio e as coleções para me dedicar a novos projetos. Tudo o que construí será a base desta reformulação e esses anos todos de trabalho serão a base sólida do meu futuro;, escreveu.
Walter, um dos mais renomados estilistas do país, deixa como legado 20 anos de carreira e mais de 40 coleções apresentadas nas mais importantes semanas de moda brasileiras. A última, desfilada na temporada de inverno 2012 no Fashion Rio ; ele já havia ficado de fora da última edição, verão 2013 ;, foi sucesso de crítica. De vendas, nem tanto. Foi a partir daí que amadureceu a ideia de deixar as passarelas para trás. A decisão, ele diz, não tem a ver com decepções ou amargura, mas sim com o momento do mercado brasileiro.
Para a despedida, em vez de São Paulo, onde começou; ou do Rio, onde encerrou as participações em semanas de moda, Walter escolheu as curvas modernistas da capital. Na próxima terça-feira, dia 18, ele apresenta no ParkFashion Connection o último desfile da sua carreira. Uma retrospectiva, construída em parceria com o amigo e curador do evento, Jackson Araújo, que contará com looks garimpados de cinco coleções diferentes, desfiladas ao longo desses anos de trabalho. Um dia depois de anunciar o afastamento dos croquis, o estilista conversou com a Revista sobre a decisão, sua percepção do momento atual da moda do país e a relação com Brasília.
Por que abandonar a carreira de estilista agora?
Abandonar é uma palavra bem difícil. Abandonar, a gente não abandona. Na verdade, em um determinado momento da sua vida, você tem que se decidir por algumas estratégias. E hoje, fazer coleção, fazer desfile, não é uma estratégia que está dentro dos meus planos. Não vou deixar de ser estilista e virar agricultor, por exemplo, que é uma coisa que eu adoraria fazer, mas não dá ainda (risos).
E por que, depois de 20 anos de carreira, isso deixou de fazer parte dos seus planos?
Eu acho que há hoje uma mudança na maneira de fabricar e na maneira de vender. E nós, no Brasil, ainda não estamos preparados para esse movimento que está acontecendo no mundo. É a questão do fast fashion, das possibilidades de investimento, que antes eram feitos em países como Estados Unidos e na Europa e hoje estão voltados para o sudoeste da China, Coreia e Brasil. Os conglomerados de moda estão vindo para o nosso país e abrindo suas lojas como Prada, Gucci, Herm;s, Dolce & Gabbana, Burberry e tantas outras. Nosso mercado, principalmente o de roupas autorais, já é restrito. A chegada dessas grandes marcas, que têm um poder enorme de marketing e que ainda causam um deslumbramento muito grande no consumidor brasileiro, afeta a escolha de quem compra. Ele vai ter que escolher entre os estilistas brasileiros e os estilistas estrangeiros. Então, você vai vender menos, vai ter que investir muito mais em marketing e outras coisas. Não acho que esse é o momento exato para fazer isso.
Isso dificulta o trabalho dos estilistas brasileiros?
Dificulta não, está todo mundo desesperado já (risos). Mas é verdade, está todo mundo muito preocupado. Faça uma reflexão: uma cliente que compra uma roupa minha, do Reinaldo (Lourenço) ou da Glória (Coelho), por um pouquinho a mais só, vai ter a oportunidade de usar Lanvin, Balmain, Prada, Gucci, e tudo isso dividido no cartão em cinco vezes, como a gente naturalmente faz aqui. Acho que a concorrência é saudável e sou super a favor de que realmente tenha um produto de qualidade no Brasil, mas, a essa altura do campeonato, a minha reviravolta teria que ser tão grande que eu não tenho fôlego para isso. A moda no Brasil tem tantos caminhos, tantas possibilidades, que prefiro usar meu talento e meu conhecimento para outras coisas.
Deixou de ser rentável fazer roupa no Brasil?
Faz bastante tempo! Até porque o varejo passa por uma indefinição muito grande. As multimarcas estão muito confusas. Não existe mais fidelização de marca. Elas compram uma coleção, a outra não. Misturam o Bom Retiro (polo de confecções populares em São Paulo) com as outras coisas. Além disso, existem todas as possibilidades de e-commerce e de comprar pelos sites internacionais, que têm preços atrativos. A demanda, as possibilidades da escolha para o consumidor, de onde e como ele vai gastar o dinheiro dele, estão muito amplas. Vai sobreviver quem tem capital de giro para bancar todo esse movimento, esperar passar, e, aí sim, continuar. Eu realmente não quero fazer isso, não quero colocar meu capital de giro à disposição dessa esfera.
Quais são seus planos, então?
Na verdade eu tenho um trabalho muito grande que faço já há oito anos com a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), uma entidade sem fins lucrativos, uma associação de fabricantes de componentes para calçados. Dentro dessa associação existe um projeto de design chamado Fórum de Inspirações. O meu trabalho é coordenar toda a pesquisa que vai ser encaminhada para as empresas, para que elas produzam componentes de calçados, como pregos e fivelas que serão direcionados às fábricas de calçados. Nada mais é do que um bureau de estilo, que propõe, com um ano e meio de antecedência, o que as pessoas vão usar depois.
Falta mais orientação para o desenvolvimento da moda brasileira?
Falta o que a música conseguiu. A música brasileira usa trombone, piano, violão, violino, enfim, tudo o que é absolutamente estrangeiro. Mas quando você ouve a música brasileira, ela é uma declaração de amor feita pelo coração dos brasileiros. Já a moda brasileira ainda é de cópia. A essência da música brasileira é inegável. E a essência da moda também deveria ser. Falta originalidade. Quando as pessoas começam a querer falar do Brasil, vira folclore. Nós não estamos falando de folclore. Ninguém quer sair de Maria Bonita ou de Carmen Miranda. Você quer sair de brasileira bonita. Só isso.
Há quanto tempo você tem pensado em deixar as passarelas?
Há quase dois anos, mas a decisão de encerrar a construção de coleção e a loja, há um ano e meio.
Você não desfilou no último Fashion Rio. Já era o início de uma despedida?
Eu participei da edição de inverno 2012 e foi meu teste final. Pensei: ;Vou fazer uma coleção incrível, vou investir, fazer tudo direito e vou ver o retorno. A partir desse retorno, eu construo o próximo passo;. E fiz uma coleção que foi aclamada pela crítica, e, ainda hoje, tem peças em editoriais de moda. Mas, naturalmente, ela não teve retorno comercial o bastante para que me desse coragem de continuar. No entanto, o que eu queria deixar claro é que não há nada de amargo nessa minha decisão. Eu não sou uma pessoa amargurada e nunca fui. Sou muito lúcido. Sempre fiz aquilo que amo, mas algumas vezes é preciso ser racional. Não dá para queimar dinheiro. É maravilhoso fazer o que ama, mas você tem que ter lucro, pagar funcionário. Outros amigos passam pela mesma situação.
Não foi nenhuma decepção com o mercado?
Não. Não dá para falar de decepção. Eu acho que o mercado está bem confuso mesmo. Essa questão do fast fashion mudou muita coisa. A Zara, por exemplo, coloca produtos novos nas araras toda semana e nós não temos condição de fazer isso. O poder deles de tiro, de construção de coleção e o tempo que eles têm de produção são muito maiores que o nosso. Por mais que às vezes seja mais fácil manejar o barco quando você é pequeno, em uma briga dessas de mercado o tamanho influencia muito.
Esse momento confuso pode se desenrolar em algo positivo para a moda lá na frente?
Quem ficar, vai ficar porque realmente acredita que tem uma missão de moda. Eu tenho a minha missão, mas hoje ela está muito mais voltada a compartilhar o meu conhecimento, o meu entendimento e o que eu aprendi sobre a moda ajudando outras pessoas. Procuro me fortalecer e não ter esse volume de impostos que o governo brasileiro exige. A gente sempre vê exoneração de juros para o setor de geladeiras e carros, mas a moda sempre foi tratada como supérflua, nunca como geradora de empregos, de divisas, mesmo sendo a segunda fonte de empregos do Brasil.
Por que Brasília para fechar a carreira nas passarelas?
Bom, eu tenho muitos amigos e, coincidentemente, um deles é Jackson Araújo, curador do ParkFashion. Conversando sobre minha decisão, ele sugeriu que fizéssemos um desfile de retrospectiva do meu trabalho. Para mim é muito importante, porque a primeira loja que comprou a minha roupa foi uma multimarcas de Brasília. Tenho respeito e uma relação muito forte com a cidade.
Ao longo desses 20 anos de experiência, como você avalia a moda brasileira? O que mudou no cenário da moda?
Me lembro de que nos meus primeiros desfiles eu pagava modelo com roupa. Hoje você não consegue fazer isso, nem que você tenha a roupa mais linda do mundo. Antigamente havia um amadorismo em tudo. Você chamava o seu amigo porque ele fazia a luz do teatro, e daí ele fazia a luz do desfile. Chamava o DJ que você gostava e ele fazia a sua trilha. O cabeleireiro também era seu amigo. Tudo era meio arranjado. Hoje, para fazer qualquer trabalho dentro do camarim você tem que ser sindicalizado. A partir de 1994, a moda brasileira tomou um rumo com o trabalho do Paulo Borges (diretor criativo do Fashion Rio e do São Paulo Fashion Week). Hoje somos um dos mais organizados do mundo. Já desfilei em Paris, na Colômbia e nós somos impecáveis. A organização, a montagem e a forma de mostrar o produto é excelente. O que precisa melhorar é a alma, a originalidade. O que eu vejo nas semanas de moda atuais, tirando alguns poucos criadores mais autorais, é simplesmente uma moda banal, comercial, que não diz nada.
Você entregou seu acervo de moldes para o Senac São Paulo. Por que fez isso?
O Brasil não tem memória. Todo mundo acha que tudo é descartável. Eu nunca pensei dessa forma. Entreguei para eles 42 caixas de moldes que ficarão guardadas, com a qual eu considero ser a escola dos melhores profissionais de modelagem. Vai ser uma espécie de uma moldeteca, como uma biblioteca de moldes. Eu gostaria de inspirar, com esse gesto, outros designers e estilistas a fazerem o mesmo. Os moldes de noiva e roupas de festa estarão guardados na Universidade Caxias do Sul. Junto com eles estão, todos os desenhos, pastas e figurinos que fiz para uma companhia de balé em São Paulo, além das apresentações em DVDs, convites.
Como foi a primeira vez em que desfilou?
Foi em fevereiro de 1992, em São Paulo. Eu e Fause Haten nos unimos e fizemos um desfile dentro da agência de modelos Ford Models, apenas para alguns compradores. Não existia semana de moda. Fórum, Zoomp e outras marcas faziam aqueles desfiles com jantares. Eles tinham dinheiro para trazer jornalistas de fora e tudo mais. A gente não. Só convidávamos as pessoas e apresentávamos a roupa. Quem quisesse comer, que comesse em casa (risos). A gente não tinha isso de que desfile tinha que ser evento. Era só para mostrar as roupas. O primeiro desfile um pouco mais organizado foi em 1994, na primeira edição do Phytoervas Fashion Awards, que depois evoluiu para o Morumbi Fashion e só depois virou São Paulo Fashion Week. Eram três desfiles. Foi a primeira semana de moda do Brasil e eu abri o evento. No dia seguinte foi Cia. do Linho e, no terceiro dia, Alexandre Herchcovitch.