Típica de áreas rurais pobres e sem saneamento, a leishmaniose nunca foi tema de muitos estudos ou mereceu a devida importância. Sempre relacionada a cães, a doença pode contaminar outros animais, como ratos, gambás, morcegos e gatos. E não é só quem tem animal em casa que deve se preocupar. A pessoa que mora em uma área endêmica precisa tomar providências para se proteger. Com o crescimento das cidades e a aproximação dessas áreas dos grandes centros urbanos, a leishmaniose se espalhou. No Brasil, o surto da doença começou com casos no nordeste do país, principalmente em Teresina, no Piauí. Hoje, o vetor mosquito-palha se adaptou ao clima e já infesta todas as regiões, inclusive a fronteira com a Argentina e o Uruguai, uma área gelada onde, acreditava-se, que flebotomíneo jamais chegaria.
O grande problema da leishmaniose é se tratar de uma zoonose que pode contaminar humanos e, sem tratamento adequado, é capaz de levar seu portador à morte. Mesmo sendo considerada endêmica em grande parte do país ; o Brasil é um dos grandes centros de leishmaniose do mundo, sendo responsável, junto com Bangladesh, Etiópia, Índia, Nepal e Sudão, por 90% dos casos da doença em humanos no planeta ;, há poucos estudos para determinar, com certeza, como combater a leishmaniose. Pela falta de conhecimento científico, a principal medida usada pelo Ministério da Saúde é sacrificar os cães infectados, na esperança de que o flebotomíneo, sem ter animais portadores do parasita para picar, não leve a doença para o humano. "Ninguém gosta de matar cachorros. É uma medida drástica, mas damos preferência à vida humana", afirma o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovich.
A decisão de eliminar os animais infectados foi feita oficialmente em um decreto de março de 1963. No documento, além de determinar a eutanásia dos cães, ainda proibiu-se qualquer tipo de tratamento dos animais com remédios para uso humano. A leishmaniose em gente tem tratamento e cura, mas os cães não podem dispor do mesmo medicamento, uma vez que isso poderia estimular o parasita a desenvolver uma resistência ao remédio e fragilizar a cura das pessoas. De lá para cá, apenas uma nota técnica foi emitida em 2008, reafirmando o que diz a lei e definindo que, qualquer ação diferente, será configurada como infração sanitária. O Brasil é um dos únicos países do mundo a matar animais infectados.
As associações de defesa dos animais e alguns veterinários são contra a obrigatoriedade de tirar a vida de um bicho sem tentar nenhum tipo de tratamento prévio. E, pior, não há garantias de que a prática realmente funcione. Os cães hoje fazem parte das famílias, vivem dentro de casa, dormem no sofá e passam seus dias brincando com as crianças. A decisão da eutanásia é complicada, traumática e, para os especialistas, deve ser tomada pelo proprietário em conjunto com o veterinário, sem a intromissão de terceiros.
O estudante André Dias, 23 anos, perdeu dois cães para a leishmaniose. O primeiro, Argus, já era velhinho quando começou a apresentar alguns sintomas. "Ele estava se mexendo devagar, com os olhos vermelhos. Tinha lesões no peito e nas patas. Achamos que era velhice, mas decidimos fazer o teste da leishmaniose", conta. André procurou um veterinário para fazer o exame e o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) também foi até a sua casa e fez outro teste Ambos deram positivo. A família concordou em sacrificar o cão e o entregou ao CCZ. Antes, porém, adotou um novo pet, o boxer Madruguinha. Três meses depois de sua chegada, o filhote começou a apresentar os mesmos sintomas de Argus. Feitos os exames, descobriu-se que o boxer também estava contaminado pela doença. Depois de alguns cuidados, a família resolveu, mais uma vez, pela eutanásia, nesse caso executada por um médico veterinário particular.
É muito comum o que aconteceu com André. Sem orientação, os proprietários logo substituem os animais doentes por outros filhotes. Com o sistema imunológico ainda não desenvolvido, eles se tornam alvo fácil para os mosquitos-palha. Após três anos sem cachorros em casa, a família do estudante resolveu criar mais um cãozinho. Dessa vez, Jubinha ficou dentro de casa até completar cinco meses, idade em que é permitido o uso da coleira repelente. "Tomamos bastante cuidado agora. A casinha dele é sempre bem limpa e seguimos todas as recomendações de segurança do CCZ para evitar que a leishmaniose o atinja", afirma André.
Leia essa matéria na íntegra na edição impressa da Revista n;384