Há duas décadas, Maria Eneide Pereira Costa, 51 anos, trabalha com a coleta seletiva de lixo. Mãe de um adolescente, que sonha em ser médico, e de uma jovem que, aos 30 anos, faz faculdade de radiologia, Eneide tira da reciclagem todo o sustento da família. Hoje, ela se dedica apenas ao trabalho de triagem do lixo na cooperativa Recicle a Vida, em Ceilândia. Ao separar garrafas PET, Eneide tem noção de que está lidando com uma matéria-prima muito especial. Questionada se sabe que uma calça jeans ou mesmo uma camiseta podem ser feitas com as garrafas que recolhe, ela responde: "Claro! Dá até para fazer muito mais". Essa informação chegou até a Maria Eneide, mas ainda são muitos os que desconhecem o valor de uma embalagem vazia.
Apesar da falta de consciência de muitos cidadãos e, principalmente, de uma coleta seletiva eficiente, o Brasil se destaca entre os líderes de reciclagem de politereftalato de etileno, o PET. Só em 2011, o país deu um fim sustentável a 294 mil toneladas desse produto. Número que corresponde a aproximadamente 60% das embalagens descartadas pelos consumidores, segundo último censo realizado pela Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet). E quem mais aproveita o material é o setor têxtil. Mas como essas garrafas de plástico podem se transformar em uma peça de roupa?
Antes de ser uma garrafa, o PET é um poliéster, que pode ser originário do petróleo ou da reciclagem de outro PET. Desenvolvida por químicos ingleses no final da Segunda Guerra Mundial, essa resina foi usada como fibra de tecido para confecção de roupas nos anos 1960. Já a embalagem PET, da forma como a conhecemos, só foi criada na década de 1990. Se não forem reaproveitadas, essas garrafas levam cerca de 200 anos para se decompor na natureza. No entanto, elas têm o potencial de se transformarem novamente em poliéster, virarem tecido e, assim, ocupar as araras das lojas.
Hoje, cerca de 40% desse produto recolhido, vendido e transformado por usinas de moagem é usado pela indústria têxtil, segundo dados da Abipet. Nas passarelas, ações isoladas de aproveitamento do lixo reciclável só ganharam a mídia em 2001. Seis anos depois, as grifes brasileiras anunciaram, oficialmente, que o PET estava na moda. Marcas como Osklen e Hering, entre outras, investiram em coleções costuradas pela fibra têxtil, proveniente da reciclagem (veja quadro).
Recentemente, durante a semana de moda carioca, o Fashion Rio, a grife TNG repetiu a experiência da coleção apresentada em julho deste ano. Garrafas de PET recicladas entraram mais uma vez em cena. Transformadas em fios de poliéster, foram misturadas ao denim, fibra que dá origem ao jeans. O resultado foi uma resposta sustentável e uma nova identidade estética da marca. "Nossa iniciativa, em parceria com a empresa E-Tex, traz novidades em matéria-prima, caso do jeans reciclado. Nossa intenção é levar até o consumidor a consciência da preservação do meio ambiente", comunicou a marca.
A famosa grife Levi;s, conhecida mundialmente como pioneira na fabricação de jeans, também apresentou, em outubro passado, a coleção primavera/verão Waste-Less (Desperdice menos, em tradução livre), cujo lema é: "8 garrafas, um jeans". Na verdade, as peças resultam de uma mistura de poliéster, algodão e denim. Ao todo, a empresa norte-americana deve aproveitar 3,5 milhões de embalagens PET do lixo dos Estados Unidos. Segundo o presidente da marca, James Curleigh, não é necessário sacrificar a qualidade, o conforto ou o estilo para dar ao material reciclável um novo uso. "Damos valor ao que é jogado fora e acreditamos na mudança de mentalidade e de postura dos consumidores", afirmou Curleigh, à imprensa, há pouco mais de um mês.
Apesar de já ser considerado o futuro da indústria têxtil, o tecido ecologicamente correto ainda sofre uma série de entraves de produção. Desde falta de discernimento na hora de separar o lixo em casa até o destino final, em terrenos onde se dá a contaminação do material reciclável com o lixo orgânico. Fora isso, ainda é alto o custo da cadeia de fabricação do produto final. "Comparado a outros tecidos, é mais caro produzir roupas com tecido sustentável. O setor ainda precisa de apoio e investimento governamental para se desenvolver", destaca Sylvio Napoli, gerente de Capacitação e Infra estrutura da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Mesmo assim, Napoli e outros atores desse segmento apostam em um futuro otimista para o poliéster originário da reciclagem de embalagens PET. Para ele, é uma questão de tempo para que as barreiras do desconhecimento, da falta de incentivo à coleta seletiva e dos altos encargos tributários sobre a cadeia produtiva sejam derrubadas. "Aí sim, a tendência será reciclar, a cada ano e cada vez mais, o PET para que ele seja, de fato, o tecido do futuro", arremata Napoli.
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