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Sacrificada vaidade

Até hoje algumas marcas de cosméticos usam animais como cobaias para testar produtos ou para extrair componentes. A prática é cada vez mais condenada, inclusive pelos consumidores

Juliana Contaifer
postado em 02/12/2012 08:00

Até hoje algumas marcas de cosméticos usam animais como cobaias para testar produtos ou para extrair componentes. A prática é cada vez mais condenada, inclusive pelos consumidores

Há alguns anos, para desenvolver qualquer cosmético, era preciso contar com a participação dos animais. Seja nos ingredientes ou durante a fase de análise de resultados, eles sofriam muito para que as vaidosas ficassem ainda mais bonitas e livres de alergias. Para que o produto fosse usado de forma segura em humanos, era obrigatório testar as fórmulas em organismos semelhantes ao nosso. Por isso, coelhos, cães da raça beagle, hamsters e camundongos eram praticamente torturados, ao serem submetidos a dolorosos testes, para garantir que a fórmula pudesse ser comercializada.

Não só as cobaias sofriam. Os que podiam oferecer nobre matéria-prima também padeciam da mesma sorte. Por exemplo, do intestino das baleias obtém-se uma substância que ajuda na fixação de perfumes; os casulos de bicho-da-seda são fervidos com os insetos dentro para extrair proteínas e aminoácidos; o almíscar, também conhecido como musk oil ou óleo de Civet, é obtido a partir das glândulas genitais do cervo almiscareiro, do castor, do rato silvestre, entre outros. O problema é que para liberar a substância, os animais precisam passar por uma situação de estresse.

As organizações de proteção dos animais também defendem o fim do uso de ingredientes, cuja extração parece indolor. Para fazer escovas e pincéis com cerdas de pelo natural; ou usar mel, leite e ureia para formular cremes, por exemplo, animais precisam ser confinados ou criados em massa, o que compromete a qualidade de vida dos bichos, que passam a ser vistos como fornecedores de matéria-prima e não como seres vivos.

Esse métodos de avaliação de produtos e a obtenção de ingredientes de origem animal são usados até hoje, apesar de existirem opções sintéticas ou vegetais para substituí-los. Nem todas as empresas de cosméticos escolhem os animais como cobaias, mas elas existem e são suficientes para suscitar a polêmica. Por outro lado, a formulação da maioria dos cosméticos vendidos tem na lista de componentes algum item extraído dos bichos.

Novas tecnologias, que evitariam tais testes, são criadas e certificadas todos os dias, no entanto, no Brasil, algumas delas ainda precisam de validação científica. "Ainda assim, boa parte das empresas de cosméticos continuam realizando os testes em bichos", lamenta a ativista Patrícia El-moor, da Libertação Animal Brasília. Uma das razões para que a prática não tenha fim é o preço. Fica mais barato optar pelas opções mais tradicionais do que pesquisar novas alternativas. "O PETA estima que, somente nos EUA, cerca de 100 milhões de animais são usados, a cada ano, em pesquisas científicas (não só nas de cosméticos)", acrescenta Patrícia.

Para mudar essa realidade, a luta dos ativistas é política. A União Europeia, por exemplo, ; depois de 20 anos de protestos de ONGs e com o apoio público de celebridades como o ex-beatle Paul McCartney e Chrissie Hynde, do The Pretenders ;, conseguiu aprovar um plano gradativo, em 2009, para a erradicação de produtos testados em animais dentro do bloco. O último passo será dado em 2013, quando empresas que usam animais não poderão mais comercializar suas mercadorias nos países que compõem a UE. "O problema é que não há restrição desse tipo de teste em outras partes do mundo. Em um mercado global, é importante que todos os países estabeleçam as mesmas proibições, para que as empresas não façam seus testes em outros lugares que não tenham leis efetivas", pondera Michelle Thew, a chefe executiva da ONG Cruelty Free International. A ONG é uma das pioneiras na luta contra os estudos dessa natureza e tem um diálogo ativo com vários países, em busca de uma solução mundial.

Ao contrário da Europa, A China obriga as provas em animais. Se as empresas de fora não mantêm a prática, os produtos são testados por terceiros para garantir a entrada no gigantesco mercado chinês. Algumas indústrias famosas e certificadas com selos anticrueldade acabam permitindo as análises para conseguir a aprovação das chinesas, conhecidas internacionalmente pela fama de grandes consumidoras de cosméticos, ainda que isso lhes custe perder o reconhecimento de protetoras dos bichos.

Já a marca americana Urban Decay, que estabeleceu um compromisso com a causa animal, desistiu de entrar na China quando foi informada sobre a necessidade dos testes. "Nós não testamos nossos produtos em animais e não autorizamos terceiros a fazerem para nós", informou a empresa em comunicado. Procurada pela Revista, preferiram não dar mais declarações sobre assunto. As ONGs de defesa dos animais vêm tentando transformar esse panorama, e o país asiático dá sinais de mudança. Segundo o PETA, o governo chinês está perto de aprovar o primeiro método alternativo de analisar os produtos, que não em animais.

No Brasil, ainda não há uma legislação específica sobre o tema. "Há uma previsão genérica, contida no artigo 225, ;1;, VII, da Constituição Federal, que veta os atos abusivos ou cruéis para com os animais", explica o advogado e professor de direito ambiental Daniel Lourenço. "Temos ainda o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n; 9.605/98), que estabelece o princípio de que a experimentação com animais é uma prática de exceção, isso porque, se houver métodos alternativos que prescindam da utilização deles, devem ser preferidos", acrescenta. Há ainda um projeto de lei parado sobre bem-estar animal, que prevê, entre outras coisas, a obrigatoriedade de informar a existência desse tipo de teste nas embalagens de cosméticos.

Para o professor, ainda falta muito para se criar uma regulamentação definitiva no Brasil. "O problema central é que o estatuto moral e jurídico dos animais ainda é o de coisa, o de objeto. Eles são recursos dos quais o homem pode se valer para atender às suas necessidades. Essa é a visão predominante", afirma. Sem o entendimento que os animais são titulares de direitos fundamentais, fica difícil erradicar os abusos. "Ainda tem a questão econômica. Faltam incentivos para que as empresas busquem alternativas e, infelizmente, a questão do custo pesa na hora de se buscar métodos substitutivos. Mas, em todo caso, a sociedade tem um papel fundamental", completa a ativista Patrícia El-moor.



Beleza

Acima de qualquer suspeita

As maquiagens ou os cosméticos que não possuem qualquer ingrediente derivado de animais ou que não foram testados em seres vivos são chamados de vegan, em referência ao tipo de vegetarianismo que não consome carne ou qualquer produto de origem animal. Alguns selos internacionais atestam que o produto é vegan. Apesar de seu uso não ser obrigatório, e não haver algo semelhante no Brasil, algumas empresas estampam o mérito em seus produtos. A Urban Decay, por exemplo, desenha uma patinha roxa nos rótulos dos produtos veganos para diferenciá-los dos demais.

A técnica em próteses odontológicas Kátia Araújo, 42 anos, só faz uso de maquiagens veganas. "Passei a escolher esse tipo de cosmético há dois anos, quando tomei consciência de tudo que os animais passam. Comecei a pesquisar e resolvi mudar todos os meus hábitos, tanto na alimentação quanto no consumo de cosméticos", conta. Antes da mudança de vida, Kátia era alérgica a qualquer maquiagem que passava no rosto e tinha bastante dificuldade em encontrar produtos seguros. Com os cosméticos veganos, nunca mais teve esse problema. "Não tenho nenhuma reclamação em relação à maquiagem vegana", afirma. Para encontrar esses produtos, Kátia procura e compra tudo pela internet.

Reconheça o produto ecologicamente correto
Até hoje algumas marcas de cosméticos usam animais como cobaias para testar produtos ou para extrair componentes. A prática é cada vez mais condenada, inclusive pelos consumidores
1. PETA ; Não faz testes em animais

2. Cruelty Free International ; Não faz testes em animais

3. Certified Vegan ; Não faz testes ou contém qualquer ingrediente de origem animal

Alguns ingredientes animais e suas alternativas:

Ácido esteárico ; Derivado de gordura de vacas, de ovelhas, de cães e de gatos sacrificados. Na maioria das vezes, trata-se de uma substância gordurosa retirada do estômago de porcos. Possui diversos derivados, como os estearatos.

Alternativa: o ácido esteárico pode ser encontrado em várias gorduras vegetais, como a do coco.

Álcool cetílico ; Cera encontrada no espermacete (cetina) do esperma de baleias e golfinhos.

Alternativa: álcool cetílico vegetal , espermacete sintético.

Carmim, cochonilha, ácido carmínico ; Pigmento vermelho obtido por meio da compressão da fêmea do inseto cochonilha. De acordo com estimativas, 70 mil insetos precisam ser mortos para produzir cerca de 450g desse corante. Usado em cosméticos, pós, blushes, xampus, pode causar reação alérgica.

Alternativa: suco de beterraba (não possui qualquer toxidade).

Elastina ; Proteína elástica, encontrada nos ligamentos do pescoço e nas paredes arteriais das vacas. É similar ao colágeno e não afeta a elasticidade da pele.

Alternativa: sintética, proteína de fontes vegetais.

Esqualeno ; Óleo de fígado de tubarão. Usado em hidratantes, tinta de cabelo etc.

Alternativa: vegetais emolientes como azeite de oliva, óleo de gérmen de trigo, óleo de farelo de arroz etc.

Esterol ; Pode ser obtido do óleo de esperma de baleia. Usado em cremes, xampus, possui diversos derivados.

Alternativa: fontes vegetais, ácido esteárico vegetal.

Gelatina, gel ; Proteína obtida da pele, tendões, ligamentos e/ou ossos, de vacas e porcos, fervidos com água. Utilizada em xampus, máscaras faciais e outros cosméticos.

Alternativa: carragena, algas, dextrina, goma de algodão, gel de sílica.

Placenta ; Órgão ou tecido que envolve o feto ou embrião. Pode ser derivada do útero de animais sacrificados.

Alternativa: algas.

Queratina ; Proteína insolúvel, principal constituinte da epiderme, unhas, pelos, tecidos córneos e esmalte dos dentes. Pode ser obtida a partir dos chifres, cascos, penas e pelo de vários animais. Usada em condicionadores de cabelo, xampus e soluções para permanente.

Alternativa: óleo de amêndoas, proteína de soja, óleo de amla (do fruto de uma árvore indiana), cabelo humano descartado em salões. Alecrim e urtiga, por exemplo, dão força aos cabelos.



Fonte: PEA ; Projeto Esperança Animal

Informe-se

Nos dias 29 e 30 de novembro acontecerá um workshop internacional, Perspectivas sobre os métodos alternativos à utilização de animais para a avaliação de segurança de produtos cosméticos, no Auditório da Polícia Federal de Brasília. Para mais informações e inscrições, que são gratuitas, é preciso entrar em contato com a organização do evento pelo telefone: (21) 8342-4163.

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