Seja na mesa de bar, em uma conversa informal, seja para descobrir novos pontos de vista, saber mais sobre cultura geral não faz mal a ninguém ; além de ser uma boa maneira de começar uma conversa. Conhecer quais são os nomes que, atualmente, têm se destacado em diversos campos do conhecimento, como artes, gastronomia, meio ambiente e cinema, faz com que o entendimento da própria realidade em que vivemos se torne mais consistente e palpável. A partir deste domingo, a Revista publicará, uma vez por mês, uma reportagem sobre assuntos e pessoas importantes para entender um pouco melhor o momento atual.
Para tentar traçar um panorama do que se passa neste ainda incipiente século 21, nada como começar com pessoas especializadas em visualizar o todo. Quem são os filósofos, antropólogos, escritores e pensadores que estão voltando suas atenções para o período em que vivemos?
Elencar os ;principais; pensadores deste século é tarefa difícil e, para muitos, pretensiosa. Contudo, encontramos professores universitários dispostos a aceitar o desafio de sugerir alguns nomes interessantes para quem quer começar a se enveredar pelos caminhos da reflexão. Entre os mestres ouvidos pela reportagem, contudo, ainda não há um consenso sobre o século 21, no que diz respeito à presença de autores significativos. Segundo Piero Eyben, professor do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília (UnB), nossa época está bem servida de pensadores. ;Há, inclusive, um número que seria mais que exagerado em alguns casos, o que, sem dúvida, gera a enormidade de repetições e uma certa não criatividade das formas de pensar que pudemos testemunhar nos anos do século 20.;
Helton Machado Advese, professor de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda: a produção acadêmica é de excelente qualidade e quantidade. ;É claro que é difícil mensurar isso, uma vez que a produção é atual e é preciso uma distância no tempo para que esses trabalhos sejam avaliados na devida dimensão.; Para Roberto Romano, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, o fim do século 20 levou os grandes nomes. ;Não surgiu ainda alguém que pense o século 21 com amplitude, de modo que ajude a modificar a cultura. Esse é um problema gravíssimo.;
Romano acrescenta que, no século em que vivemos, uma possível explicação para a falta de autores é a mudança de perspectiva do conhecimento. ;Em vez de uma cultura concentrada em individualidade, temos uma cultura mais dispersa, usada em termos coletivos.; A internet seria um exemplo disso. Apesar de, segundo Romano, ainda haver ;muito joio;, a rede tem a vantagem de reunir conhecimentos em um só site. Mas essa pluralidade pode atrapalhar.
Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, diz que, apesar do acesso a muitas fontes de pesquisa, as pessoas perderam a visão do todo. ;Os grandes nomes do século 20 eram poliglotas, cosmopolitas, multiculturais. Eles viveram em uma realidade que valorizava esse tipo de visão humanística polivalente. Hoje, a valorização é técnica, não existe oportunidade para o generalista.;
Filosopop! Os nomes quentes do pensamento contemporâneo
O polonês Zygmunt Bauman é popular. A produção intelectual do sociólogo começou ainda nos anos 1960, mas, até hoje, suas obras conquistam adeptos. Muitas vezes, esses leitores são, literalmente, novos: por tratar de assuntos atualíssimos, como relacionamentos humanos e tecnologia, a gama de jovens interessados em ler os escritos de Bauman é notável. Atualmente, o contato do pensador com mentes ainda não tão amadurecidas se dá nas aulas que ministra na Universidade de Leeds, Inglaterra. E sua produção não para: são mais de 60 livros até agora.
A ;liquidez; da vida, termo cunhado por ele e usado em vários livros para designar a instabilidade dos sentimentos humanos, é analisada de um ponto de vista acessível e, até mesmo, romântico. ;O amor não é um objeto pré-confeccionado e pronto para o uso. É confiado aos nossos cuidados, precisa de um compromisso constante, ser regenerado, recriado e ressuscitado todo dia;, disse Bauman em uma entrevista ao jornal italiano La Repubblica, publicada em novembro de 2012. ;No Facebook, podemos ter centenas de amigos movendo um dedo. Fazer amigos off-line é mais complicado. O que se ganha em quantidade se perde em qualidade. O que se ganha em facilidade (confundida com liberdade) se perde em segurança.;
O consumismo e a avidez humana por novidades também são um mote constante. A partir da ideia de que vivemos em uma sociedade que se preocupa em demasia com o ter em detrimento do ser, Bauman traça alguns aspectos e características da sociedade em que vivemos. ;Tendemos a não tolerar a rotina, porque, desde a infância, fomos acostumados a correr atrás de objetos descartáveis, a serem substituídos velozmente. Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso;, defendeu ele na entrevista ao periódico italiano. ;O mercado farejou na nossa necessidade desesperada de amor a oportunidade de enormes lucros. E nos seduz com a promessa de poder ter tudo sem esforço: satisfação sem trabalho, ganho sem sacrifício, resultados sem esforço, conhecimento sem um processo de aprendizagem.;
;A tarefa da filosofia não é resolver problemas, mas ratificá-los;
Slavoj Zizek, 63 anos, filósofo e teórico crítico esloveno no documentário Zizek! (2005), de Astra Taylor.
Provocador, fanfarrão, revolucionário ; esses são alguns dos (muitos) adjetivos já associados ao nome do filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek. Ele surgiu quase modestamente, como um comentador do legado de Jacques Lacan, mas extrapolou ao usar o aparato teórico do mestre em análises de cultura pop. Seus trabalhos sobre os cineastas Alfred Hitchcock e David Lynch se tornaram célebres. O passo seguinte foi mais ousado, com uma proposta de revisão dos escritos de Lênin e, mais amplamente, da violência revolucionária. Rapidamente, entraram na roda temas como tolerância, pós-modernidade, 11 de setembro, movimentos ;Occupy; ; muitas vezes, em diálogo com o francês Alain Badiou, outro pensador contemporâneo de esquerda.
Ele estudou muito as obras de Louis Althusser, do conterrâneo Bozidar Debenjak e da chamada Escola de Frankfurt. O primeiro indício de fama, porém, veio em 1989, com a publicação The sublime object of ideology. A partir dessa obra, Zizek passou a ser conhecido como um dos mais importantes teóricos da contemporaneidade. Sem medo de causar constrangimentos em quem quer que seja, suas posições são fortes. Ele já denunciou, por exemplo, a ;farsa ecológica;. O termo foi criado por ele para explicar como a culpa da elite cria falsas providências ecológicas, como as ecobags. Dizer que se preocupa com o meio ambiente seria apenas uma maneira de se livrar dessa culpa por não estar fazendo nada de concreto. Da mesma forma, se pôs a redimir aspectos do idealismo alemão vistos anteriormente nas obras de Hegel e de Schelling. Para Zizek, não olhar para o passado é uma espécie de recalque. A soma dos ;pensamentos do passado;, diz ele, permite a autorreflexão no futuro.
O burburinho em torno de Zizek rendeu apelidos improváveis, como ;Elvis Presley da filosofia; e ;rock star intelectual.; De certa forma, os vocativos refletem a maneira como o filósofo se comunica com seu público, lançando mão de metáforas, de exemplos da vida cotidiana e de conceitos de absorção descomplicada. ;Ele tem propiciado novas articulações e metáforas entre o pensamento marxista e o lacaniano, cujo alcance interpretativo, irônico e eclético, vai desde a economia até a cultura erudita e de massa;, resume Antonio Alcir Bernárdez Pécora, professor do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.
Zizek não poupa nem si mesmo em seus comentários mordazes. Em certa ocasião, disse ao jornal britânico The Telegraph: ;Assisti a alguns filmes europeus muito bons e aceitei que não poderia fazer algo parecido. Então, aos 17 anos, decidi me tornar um filósofo;. Aliás, o flerte com o cinema nunca deixou de existir, de modo que hoje podemos ver o pensador ;atuar; em dois filmes: O guia pervertido do cinema (2006) e O guia pervertido da ideologia (2012), ambos dirigidos por Sophie Fiennes.
Leia esta matéria na íntegra na edição n;402 da Revista do Correio.