postado em 17/02/2013 08:00
Neste exato momento, no banco de alguma praça, igreja ou museu, alguém está registrando com lápis e papel a recordação de uma viagem. Em vez de palavras ou fotos, traços e cores vão parar no diário de bordo. São desenhos de monumentos ou cenas do cotidiano que voltarão na bagagem para casa. A estudante de desenho industrial Luíza Melo, 22 anos, faz parte desse grupo. A jovem já percorreu a Europa, onde morou na cidade lusitana do Porto, e o Canadá. Lugares por onde se permitiu sentar por instantes e desenhar. ;Não tenho telefone que tira foto, e a única câmera que tenho é analógica. Ou seja, faço poucos cliques. Então, acho que desenhar é a minha maneira de valorizar o local que visitei. Uma cidade só é muito boa para mim quando conheço pessoas legais e consigo fazer um bom desenho. Aí sim parece que a viagem valeu a pena;, conta Luíza.
Nem sempre o registro do roteiro da viagem é algum cartão-postal batido. Pelo contrário. No caso da estudante, as ilustrações que faz no caderno ; indispensável na bolsa ; são detalhes que, normalmente, passam despercebidos pelos turistas. Uma parede descolorida pelo tempo, uma esquina, um prédio antigo e até mesmo uma senhora voltando do mercado, abarrotada de compras. Cenários e personagens que pedem exclusividade do olhar de Luíza. Tanto que, se a jovem viaja com amigos, logo lhes avisa: haverá momentos em que ela se dispersará do grupo para sentar-se em algum banquinho e contemplar a próxima cena a ser ;fotografada; em traços de nanquim.
O ilustrador paulista Nik Neves, 36 anos, é outro que também prefere desenhar as viagens. Quando quer recordar aquele lugar pelo qual se encantou, recorre aos moleskines. Na bagagem, desenhos de cidades como Nova York, Munique, Barcelona e Londres. ;O fato de ter viajado e morado em vários lugares me oferece mais oportunidades (de registrar em desenhos). Particularmente, sempre gostei de cadernos de viagem ilustrados;, confessa. Nik se lembra da vez em que passou por Brasília. ;Essa cidade é graficamente incrível, um desenho desde sua origem. Acho que minha maior dificuldade com Brasília foi entender ela fora do plano bidimensional. Experimentá-la na prática não é uma tarefa fácil;, desabafa.
Discreto em relação às ilustrações, Nik só teve vontade de compartilhá-las com o público quando descobriu o site norte-americano They draw and travel, criado pelos irmãos Nate Padavick e Salli Swindell. A página conta com mais de 650 mapas ilustrados por profissionais e amadores em todo o mundo. Do Brasil, há desenhos do Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte. ;Ainda não nos enviaram um de Brasília;, conta Nate, que contabiliza um grande número de acessos de brasileiros ao site, perdendo apenas para os internautas dos Estados Unidos.
Apesar de esse grupo de viajantes/desenhistas ainda ser pequeno, principalmente se comparado ao número de fotógrafos amadores que disparam suas câmeras em toda e qualquer direção nos lugares visitados, sempre haverá, segundo Nate, alguém que prefira parar e registrar, em detalhes, momentos marcantes de uma viagem. Para ele, o grande barato é se sentir totalmente absorvido por aquele momento em que toda a atenção está voltada para a paisagem ou o objeto fotografado pelo olhar... E pelas mãos.
Inspire-se
Criado em 2001, o projeto Cidades Ilustradas, da Editora Casa 21, renomada no cenário dos quadrinhos no Brasil, faz um registro de cidades brasileiras e suas nuances pelo olhar de desenhistas ;estrangeiros; no local. Já foram desenhadas Rio de Janeiro (por Jean le Guay), São Paulo (por David Lloyd), Belo Horizonte (por Miguelanxo Prado), Porto Alegre (por Carlos Nine), entre outras capitais. Brasília também esteve no roteiro do projeto e teve suas cores e curvas registradas pelos traços do cartunista gaúcho Edgar Vasques no 10; volume da coleção. O livro foi lançado no ano passado e, assim como as outras edições, faz parte de um importante acervo para quem quiser conhecer o país por outra ótica.
Leia esta matéria na íntegra na edição n; 404 da Revista do Correio.