Revista

O Burle Marx dos jardins de ouro

Poucos sabem, mas o artista manteve, por anos, uma linda produção de joias originais e exclusivas

postado em 07/04/2013 08:00

Poucos sabem, mas o artista manteve, por anos, uma linda produção de joias originais e exclusivas

O Burle Marx paisagista não precisa de apresentação. Mesmo quem não sabe da autoria das obras já se encantou alguma vez ao passar em frente ao Palácio do Itamaraty, às cascatas do Palácio da Justiça, à Praça das Fontes ou à dos Cristais, no Setor Militar Urbano. As obras falam por si. A ousadia do paisagista ao traçar ambientes que unissem a modernidade do concreto à vegetação brasileira, até então considerada mato, é velha conhecida, não só de brasilienses, mas de moradores de todos os cantos do país. O que talvez não seja assim tão popular é o lado multitalentos do arquiteto, que assinava também gravuras e telas, trabalhos em cerâmica, esculturas, peças em tapeçaria e, inclusive, joias ; vistas por ele como "mensagens de ternura a todos os povos".

O paisagista deu os primeiros passos na joalheria por volta de 1950. Até o fim da vida, desenhou entre 2 mil e 3 mil joias ; o número não é exato ;, todas únicas, jamais duplicadas. As "mensagens de ternura" do paisagista eram projetadas sempre com giz colorido sobre papel cartão preto, com riqueza de detalhes. Pulseiras, por exemplo, ganhavam a letra P seguida do número da criação e o ano. Colares, vinham com a letra C. A mesma ousadia de traços assimétricos e abstratos dos seus projetos paisagistas está nos croquis de joias. Formas altas em contraste com baixas, diferentes texturas e cores. O acabamento era um detalhe à parte: cada peça tinha entre cinco e seis trabalhos diferentes no ouro.

Se no paisagismo o artista preferia ignorar a vegetação exótica em voga e dar espaço às espécies brasileiras, no seu trabalho com joias, o Brasil se mostrava na escolha das pedras. Em vez de rubis e esmeraldas, a granada vermelha, uma de suas preferidas, dividia espaço com tipos como água-marinha, turmalina, ametista e amazonita ; pouco valorizadas na época, principalmente em sua forma mais bruta. Além disso, a proximidade com a natureza que fez do artista um dos maiores paisagistas do mundo também servia de inspiração para seu lado estilista. Linhas curvas, desenhos que lembravam folhas e pedras, e lapidações semelhantes a morros no horizonte eram constantes em suas criações. Além disso, as joias do paisagista tinham como assinatura a versatilidade. Brincos viravam enfeites de sapato, pingentes serviram como broches e broches podiam se tornar fivelas de cinto.

O paisagista teve um grande parceiro, responsável pela lapidação das pedras e confecção das peças: o gemólogo Haroldo Burle Marx, seu irmão caçula, considerado ainda hoje um vanguardista na joalheria mundial. Foi Haroldo, por exemplo, quem desenvolveu a lapidação conhecida como "forma livre", característica das peças da dupla, em que as pedras são cortadas como esculturas de formas orgânicas em vez do corte comum em facetas. As peças da dupla eram vendidas em uma loja em Copacabana, no Rio de Janeiro, na Rua Rodolfo Dantas, próxima ao Copacabana Palace, e chegaram a ser desfiladas em Paris, nas escadarias do Louvre, a convite do próprio museu.

As joias Burle Marx ganharam tanto status que, nos anos 1960, eram encomendadas pelo Itamaraty para presentear primeiras-damas e dirigentes em visita oficial ao Brasil. A rainha Elizabeth, da Inglaterra, o papa João Paulo II e a princesa japonesa Michiko Shoda, por exemplo, já desfilaram peaças do brasileiro.

Foi também nessa mesma época que a parceria entre o paisagista e o irmão acabou. Ninguém sabe o motivo ao certo, mas acredita-se que, com a ascensão da marca, os Burle Marx passaram a discordar sobre o conceito das peças. Enquanto Haroldo defendia que elas fossem feitas em série para o bem dos negócios, o paisagista insistia que cada joia devia ser encarada como uma obra de arte, portanto única.

As peças deixaram de ser produzidas e os croquis ficaram guardados até 2006, quando seus herdeiros decidiriam entregá-los aos Stern, também joalheiros e amigos desde a chegada do clã ao Brasil, em 1939, quando foram acolhidos pela família Burle Marx. A joalheria comprou os direitos sobre os desenhos e lançou, em 2011, uma coleção de joias inspirada no trabalho do artista, respeitando a sua ideia de que cada peça deveria ser única. A coleção chegou à filial brasiliense da H. Stern nesta última semana.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação