postado em 28/04/2013 08:00
Eis aqui um terreno fértil. Fora a São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio ; semanas de moda brasileiras e, portanto, com maior poder de influência sobre o que consumimos ; Paris, Milão, Londres e Nova York apresentam, duas vezes ao ano, coleções de cerca de 30 estilistas cada uma, para as quais o mundo todo volta os olhos em busca do que será tendência na próxima temporada. Fazendo uma conta rápida, a indústria da moda joga no mercado coleções de 180 marcas a cada seis meses, o que nos deixa com um total de 4,3 mil desfiles só nesses primeiros 12 anos do século 21. Tudo isso só para te dizer o que comprar. Parece muita informação? E não estão nessa conta os desfiles de Alta Costura, na capital francesa, os dedicados às noivas e as coleções de meia-estação.
Para além de discussões ambientais acerca da quantidade de material produzida pela indústria e descartada meses depois, é preciso distinguir o que, desse enorme celeiro de criatividade, será lembrado, dentro de algumas décadas, como a marca de uma geração, e o que é mero consumismo. E é sobre essa questão que a quarta reportagem da série ;Nosso Tempo; pretende jogar luz. Pedimos a editores, críticos, historiadores e professores de moda que dissessem o que de relevante a moda nos deu até aqui. Chegamos a alguns nomes que, se não esgotam a produção de moda desse início de século, pelo menos apontam direções de por onde ela parece caminhar.
Os nomes aqui presentes são empresários que de alguma forma revolucionaram o mercado; produtores e estilistas que jogaram o Brasil no mapa da moda; designers que arrancaram elogios mesmo dos críticos mais durões. Não é exatamente um ranking, mas nomes que fizeram a diferença. E que venham os próximos ; e promissores ; 88 anos do século 21.
Nos ateliês
É impossível definir a moda do século em cinco ou seis designers. Nomes vão e vêm. Apresentam coleções geniais, adormecem algumas temporadas, ressurgem renovados, arrancando suspiros da crítica anos depois. Em apenas 12 anos, a moda apresentou dezenas de novos talentos ao mundo. Alguns deixarão seus nomes para o próximo século. Outros morrerão na praia. É impossível prever o futuro, mas podemos fazer apostas. Para se ter uma ideia, cada um dos especialistas consultados escolheu uma média de cinco nomes. Ao todo, 25 foram citados. Alguns, quase unânimes, outros completamente divergentes. Eis alguns deles que, sozinhos, não fazem jus à produção de moda do século, mas representam aqui sua geração:
Alexander McQueen
;Deixa um legado de inspiração e ousadia para o estímulo criativo em uma indústria que, no século 21, luta para não sucumbir à
mesmice e à padronização excessiva.; ; Marco Antônio Vieira, professor de história da indumentária e da moda, consultor em negócios e design de moda
Não foi nesse século que McQueen começou a fazer moda, mas foi nele que deixou seu legado. Mesmo com a morte precoce ; o designer se suicidou em 2010 ; as apostas são de que a sua assinatura, seus desfiles teatrais e suas mensagens quase sempre escancaradas devem integrar os anais da moda do século mesmo quando ele se encerrar. O estilista britânico é cria da Central Saint Martins College of Arts and Design, formadora de muitos outros talentos da moda, como Hussein Chalayan e Stella McCartney, de quem foi colega de turma.
;Subindo à fama nos anos 1990, o Sr. McQueen era único em sua visão crua combinada a um intrincado trabalho artesanal;, definiu a jornalista do NY Times Suzy Menkes na época de seu suicídio. ;Sua morte, aos 40 anos, talvez force a indústria da moda a examinar a atmosfera vigente, em que uma geração de jovens designers está sob uma pressão sem precedentes para expandir suas marcas;, refletiu. Sua última coleção antes de morrer, Plato;s Atlantis, ainda hoje é tida como das mais emblemáticas do designer. Os sapatos de 30cm de salto, que lembravam patas de criaturas marinhas, já é considerado por alguns uma das peças icônicas do início deste século. Depois da sua morte, a maison seguiu sob o comando criativo de Sarah Burton, amiga de longa data do designer.
Hussein Chalayan
;Está dentro dos aspectos associados à tecnologia têxtil, que considero muito importantes para a moda desse princípio de século. O Chalayan associa moda à tecnologia, a um mundo high-tech.; ; João Braga, historiador de moda e professor da Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP/SP)
O estilista turco é o homem que, logo no início do século, vestiu modelos de móveis e as fez desfilar pela passarela da semana de moda britânica. A mesa da cenografia transformada em saia ainda hoje é um dos ícones da sua obra. A coleção era uma referência às sucessivas guerras de seu país, que obrigavam as pessoas a fugir deixando para trás tudo o que tinham. ;Pensei no quão triste deve ser ter que sair de casa e deixar para trás suas lembranças. Quis criar uma poltrona que se tornasse uma mala e uma mesa que pudesse ser vestida como uma saia para ser levada;, explicou em entrevista à época.
Chalayan se mudou para a Inglaterra ainda criança e estudou moda na maior lançadora de talentos do país, a Central Saint Martins College of Arts and Design. Mostrou a que veio logo na coleção de formatura, em 1993, quando apresentou roupas corroídas pelo tempo que foram direto para a vitrine de uma magazine luxuosa de Londres. Continuou surpreendendo. Em 2007, em parceria com uma equipe especializada em animatronic, trouxe vestidos que encolhiam, abriam e fechavam diante dos olhos da plateia. Não por acaso ganhou da Vogue norte-americana o título de ;mestre do peculiar e do conceitual;. Suas coleções já foram parar em vários museus de arte, como o Tate Modern de Londres, em 2001, o Institute of Contemporary Arts, em 2003, e no Contemporary Art Museum de Tóquio, em 2010.
Iris Van Herpen
;Uma louca, de uma moda superexperimental. Faz uma roupa totalmente tecnológica e, ao mesmo tempo, resgata técnicas
primitivas de trabalho artesanal. Ela é muito jovem e, mesmo assim, já fez muita coisa.; ; Mariana Rocha, professora de linguagem da moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo
Talvez o único motivo pelo qual Iris Van Herpen ainda não tenha chegado a ouvidos menos entendidos de moda seja porque ainda não deu tempo. A holandesa tem apenas 28 anos, não mais que cinco com sua marca própria. Mesmo assim tem criado burburinho no meio, principalmente depois de, em 2011, passar a integrar o line-up da mais tradicional semana de moda do mundo, a de Alta Costura, em Paris. Seu trabalho futurista e arquitetônico fez dela praticamente a papisa do trabalho em 3D na moda. Outra peculiaridade: inspirações comuns a designers mais apegados ao comercial não constam no seu cardápio de referências. A beleza tóxica da fumaça industrial, sensações como sinestesia e queda livre, cristalização da água, mumificação e radiação, no entanto, já foram ponto de partida para suas coleções. E olha que sua curta carreira contabiliza apenas 12 por enquanto. ;Em todo o meu trabalho eu tento mostrar que a moda é uma expressão artística e não apenas uma ferramenta comercial funcional e desprovida de conteúdo. Pretendo mostrar que a moda pode acrescentar valor ao mundo, que pode ser eterna e que o seu consumo pode ser menos importante do que o seu início;, define a jovem estilista.
Nicolas Ghesqui;re
;Responsável por grandes clássicos da Balenciaga.; ; Andréa Bisker, diretora na América do Sul do portal de tendências WGSN
Lá pelo fim dos anos 1990, a tradição e a obra do seu criador, Cristóbal Balenciaga, já não eram suficientes para segurar as pontas da casa espanhola que leva seu nome. Em 1997, depois de um desfile massacrado pela crítica, o jovem autodidata assumiu o posto de estilista da marca. Ele tinha 25 anos e vinha se destacando internamente desenhando coleções menores para marcas japonesas do grupo ; inclusive ternos fúnebres, posição que mais tarde em entrevistas ele descreveu como ;provavelmente a pior do mundo da moda;. O estilista surpreendeu público e crítica. Revolucionou o trabalho que a Balenciaga vinha fazendo e trouxe de volta o DNA criado por Cristóbal, de shapes e silhuetas diferenciadas, e que andava abandonado por seus antecessores. De fracasso, reergueu a Balenciaga ao posto de inovadora e lançadora de desejos de consumo. ;Nicolas Ghesqui;re é o mais intrigante e autêntico designer da sua geração. Suas coleções exploram formas, volumes e aplicações que parecem completamente novas ; e ainda assim insinuam, de forma abstrata, o estilo da casa icônica que o abriga;, descreveu a editora de moda do International Herald Tribune, Suzy Menkes, em 2001. O estilista deixou a casa no ano passado sem muita explicação. O substituto, Alexander Wang, fez sua estreia em fevereiro.
Alexandre Herchcovitch
;É a pessoa que se deu melhor na moda brasileira. Viabilizou um negócio com a cara dele, com a ideias dele, mesmo em um
mercado tão difícil. Se manteve vivo sem abrir mão da sua identidade.; ; Mariana Rocha, professora de Linguagem da Moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo
O estilista é tido hoje por muitos como o verdadeiro topo da pirâmide fashion brasileira. Motivos, por certo, não faltam. Aprendeu a costurar cedo com a mãe, dona de uma confecção, e se formou em moda pela Faculdade Santa Marcelina, em 1993. Sua coleção de formatura, de cara, chamou a atenção de Costanza Pascolato. As caveiras ; que colecionava naquele tempo ; acabaram virando o símbolo da sua marca, onipresentes em suas coleções ainda hoje. Em nome dos negócios, abandonou o lado alternativo e adotou uma postura um pouco mais comercial. Funcionou. O estilista levou sua alfaiataria de acabamento irretocável com sucesso para além das fronteiras do país. A bem dizer, para o outro lado do mundo. Abriu uma loja em Tóquio em 2007 e, além de São Paulo e Rio, desfila em Nova York. Mas não passou ileso pelas dificuldades que a moda nacional há algum tempo enfrenta. Em 2008, demitiu boa parte de seus funcionários ; a mãe e o irmão, inclusive ; e vendeu 70% da sua marca ao conglomerado InBrands. ;Tive que retroceder 10 anos para continuar avançando;, disse em entrevista na época. No ano passado, declarou a um jornal brasileiro que quem quiser sobreviver no Brasil vai ter que voltar os dois olhos para as classes C e D. A afirmação repercutiu. Mas, a julgar pela sua posição no mercado e pelas pedras no caminho dos nossos estilistas, quem se atreve a dizer que ele está errado?
Pedro Lourenço
;Apontado como futuro da moda brasileira. Ele tem como herança o trabalho dos pais, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço, e lançou sua marca própria com um ambicioso projeto internacional, sendo reconhecido por seu talento na escolha de materiais
e composições de formas contemporâneas.; ; Andre do Val, editor executivo do site Chic e crítico de moda
Em 2003, quando o século mal começava, Pedro era uma criança. Na verdade, um pré-adolescente. Aos 12 anos, deixou para escanteio preocupações com as primeiras espinhas e paqueras, e foi trabalhar no que seria sua primeira coleção de moda, em colaboração para a Carlota Joakina, segunda marca da mãe, a estilista Glória Coelho. Dois anos mais tarde, fazia sua estreia na principal semana de moda do país, a São Paulo Fashion Week, já com sua marca própria. Não demorou muito para que as passarelas nacionais parecessem pequenas para seu talento. Acabou desembarcando em Paris em 2010, aos 19 anos, e arrancando elogios da crítica. E não qualquer crítica. Mesmo fora do line-up oficial da semana de moda parisiense, a primeira fila do seu desfile de estreia teve nomes como Carine Roitfeld, na época editora-chefe da Vogue Paris, Anna Dello Russo, da Vogue Japão e o editor europeu da Vogue americana, Hamish Bowles. No ano passado, abriu em São Paulo sua primeira loja própria, requintada como a clientela que pretende atrair. ;O novato brasileiro é afeito a curvas, mas sabe quando colocar o pé no freio, com uma estética ao mesmo tempo clássica e sexy;, descreveu a Elle norte-americana em 2012.
Leia a reportagem completa na edição n; 415 da Revista do Correio.