O início do desfile está marcado para as 20h30. São 20h10 e as modelos já estão enfileiradas no backstage, aguardando o sinal para pisar na passarela. Pessoas com fones de ouvido circulam falando apressadamente em aparelhos de walkie talkie. A imprensa está reunida; os fotógrafos, posicionados no pit ; local reservado para os cliques no final da passarela. Blogueiros, jornalistas e socialites vestidas em sapatos de solas vermelhas e bolsas cujos valores alcançam facilmente os quatro dígitos se acomodam na primeira fila. No backstage, a principal responsável por reunir, em plena noite de terça-feira, toda essa horda sorri tranquilamente, alheia a todo o corre-corre.
Na última semana, a estilista grega Mary Katrantzou esteve em Brasília a convite de uma multimarcas para apresentar suas criações à exigente e selecionada clientela da butique. Talvez o nome de pronúncia truncada da estilista não lhe seja familiar ; ainda. Entre críticos, jornalistas, blogueiros e consumidores mais ávidos de moda, ele já soa natural. Aos 29 anos e com apenas cinco de carreira, Mary Katrantzou conquistou um dos mercados mais competitivos do mundo. O sucesso quase meteórico pode até não ser novidade na indústria da qual ela faz parte, mas seu trabalho certamente é. Se não foi Katrantzou a inventora da estampa digital ou trompe l;oeil (técnica que, com uso de truques de perspectiva, cria ilusões de ótica), certamente foi ela uma das grandes responsáveis por revolucionar o seu uso.
;As mulheres hoje sabem como usar estampas;, observa. ;E isso, agora, já está bem traduzido também no tapete vermelho, um lugar onde antes não se via estampa alguma.; Sarah Jessica Parker, Beyoncé, Alexa Chung e as atrizes Jessica Alba e Leighton Meester foram algumas recentes adeptas dos desenhos de Katrantzou em eventos antes reservados a produções bem menos coloridas. Mas o trabalho da estilista não circula só em eventos de gala. Fora do tapete vermelho, calças de brim, moletons e camisetas igualmente impactantes têm feito sucesso entre estilosos, principalmente em blogs de estilo de rua. ;Acredito que a estampa seja mais que uma tendência. Principalmente porque com ela você comunica algo ao mundo de maneira muito direta sobre sua essência, seu gosto pessoal. Muitos designers têm trabalhado estamparia e, por isso, acho que as mulheres continuarão querendo usá-las ainda por muito tempo;, reflete.
A história de Katrantzou não se parece com a da maioria de outros grandes talentos da moda. Ela não aprendeu costurando roupas de boneca ainda na infância, não estagiou em grandes ateliês, tampouco ingressou na faculdade de design sonhando com uma carreira em passarelas. Katrantzou tem formação de arquiteta e esboçou as primeiras estampas pensando não em vestidos, mas em interiores de ambientes (a mãe é designer de interiores, e o pai, engenheiro de tecidos). Foi só na faculdade, o berço de talentos Central Saint Martins College of Arts and Design, na capital britânica ; de onde saíram nomes como Alexander McQueen e Stella McCartney ;, que Mary passou de futura decoradora a estilista de sucesso. Em 2008, sua coleção abriu o desfile de formatura da Saint Martins e foi, de cara, indicada aos prêmios Harrods e L;Óreal Professional de moda. Com o apoio financeiro de um esquema de identificação de novos talentos do Conselho Britânico de Moda, estreou no mesmo ano na London Fashion Week, uma das principais semanas de moda do mundo e onde, ainda hoje, exibe suas coleções prêt-a-porter.
Na temporada outono-inverno 2013, ganhou da revista Elle britânica os títulos de ;mestre da estampa digital; e ;colorista por natureza;. Por contraditório que pareça, está sempre vestida de preto. Vez ou outra declara à imprensa sua vontade de desafiar o conceito de beleza vigente, missão na qual, segundo as críticas, tem sido bem-sucedida. Usar uma das criações de Katrantzou, no entanto, é para poucos. Um vestido trapézio de seda, por exemplo, chega a custar 9,2 mil libras, o equivalente a R$ 28,5 mil. Um curto, em jacquard, 4 mil libras, ou R$ 12,3 mil.
Em tempos de economia capenga, não é qualquer estilista que pode se permitir tanto luxo. Segundo a Vogue americana, é justamente o poder de convencimento da estilista em levar mulheres enlouquecidas a magazines luxuosas, em busca de suas peças, o que a coloca na linha de frente do que, diz a publicação, seria um ;movimento extremista antirrecessão; que corre entre alguns designers desde 2011. Suas coleções prêt-à-porter estão à venda em mais de 200 lojas pelo mundo e mesmo suas roupas conceituais de passarela encontram fim lucrativo: são vendidas para oito clientes especiais, colecionadoras de arte que encomendam as peças exatamente como estão.
Como boa representante da leva de designers formada na última década, Mary se entende muito bem com a tecnologia. Seu trabalho, puramente digital, não seria a mesma coisa sem o suporte high-tech da engenharia têxtil, que, ela reconhece, tem permitido grandes mudanças e novas e infinitas possibilidades nos ateliês. ;Tudo acontece muito rápido. Quando comecei a olhar para a estampa digital, há alguns anos, por exemplo, a estamparia 3D nem era possível. E em mais 10 anos, provavelmente, será tudo diferente, o que é ótimo. Acho apenas que os designers precisam estar sempre atentos ao que está acontecendo para que incorporem as novidades ao seu trabalho. E isso acaba acontecendo naturalmente. Porque, por natureza, jovens estilistas são atraídos por novidades, e casas mais antigas têm jovens em suas equipes de criação.;
Inevitável, porém não unânime. Mesmo sendo hoje praticamente a embaixatriz do trabalho digital entre os estilistas da atualidade, Katrantzou mostrou que valoriza também o artesanal e que os opostos podem se dar muito bem na passarela ; casamento que tem sido apontado por críticos como um dos pontos fortes da moda deste início de século. Em 2012, sua coleção de inverno contou com a colaboração do tradicional ateliê francês de bordados Lesage, o que representa, nas palavras dela, ;elevar um pouco o nível; do seu trabalho. ;É importante sempre se desafiar e poder oferecer para os clientes um vestido bordado em cristais Swarovski pela Lesage, por exemplo. Ao mesmo tempo, existem peças em que a estampa faz todo o trabalho.;
Tendo despencado quase que desavisadamente nessa indústria já como promessa de grande talento da década, a designer diz que aprendeu a usar a seu favor a pressão que a indústria impõe ao cobrar pelo menos duas coleções brilhantes por ano ; inverno e verão. Mesmo que a última, inverno 2014, não tenha chegado a ser unânime entre a crítica, provavelmente pela ousadia de abandonar a paleta multicolorida, que a fez conhecida, e apostar em tons e silhuetas mais sóbrios que os usuais.
;A pressão existe, mas, ao mesmo tempo, você precisa dela para se forçar a atender a toda essa expectativa, que pode vir da indústria ou do cliente;, analisa a estilista. ;Estou sempre insegura sobre o que vai acontecer, qual será minha próxima ideia e se é que eu vou ter alguma. Essa é uma indústria que te mantém impulsionada porque é muito competitiva. De um lado é cansativo. Mas, de outro, a natureza desse mercado te obriga a ter sempre cada vez mais ambição e não ficar estacionada.;
A julgar pela quantidade de mulheres vestidas com suas estampas e os aplausos que arrancou em sua apresentação em uma cidade que ainda engatinha para se tornar um polo de moda, como Brasília, Katrantzou parece estar à altura de atender qualquer expectativa.