postado em 23/06/2013 08:00
A aliança de casamento movimenta-se de acordo com as fichas acumuladas. No alto da pilha de peças coloridas, ela traz sorte ao jogador que, corajosamente, grita: "All in" O amuleto, desta vez, está sobre apenas uma carta. É a esperança de recuperar todos os cacifes perdidos. Tudo ou nada! A aliança samba na mão ansiosa do apostador e, na última cartada, ele vence a rodada. O pequenino objeto dourado volta para onde não deveria ter saído: o alto de um grande monte de fichas.
O nome da esposa, grafado no interior da joia, é o mais próximo que uma mulher pode chegar desta mesa. Fui advertida ; com tom de lisonjeio ; que eu era a primeira autorizada a integrar a noite de pôquer. Isso não quer dizer que as esposas e namoradas não participem, muito pelo contrário! A maior parte dos prêmios vai direto para as mãos delas. Jantares, estadas em hotéis e até o pagamento da diarista são arcados com os louros da noite. E, nesse grupo, ninguém é perdedor. Milagrosamente, todos chegam em casa com as carteiras cheias.
O encontro ocorre toda terça-feira. Na última, o local do encontro foi a CDS (Casa da Sogra). Dez homens, com idades entre 27 e 55 anos, e as mais variadas profissões: cabeleireiro, publicitário, engenheiro, fotógrafo, analista de sistemas, músico... Aliás, variados também são os apelidos. Ninguém na mesa é chamado pelo nome. Janete, Sabugo, Bicudo, Pajé, Tacape e Mitocôndria são apenas alguns dos tratamentos carinhosos dispensados entre os amigos. E quem acha que tudo é apenas uma disputa por dinheiro está muito enganado. A relação, há muito tempo, extrapolou o tampo de mesa forrado de feltro verde. Os compromissos ocorrem também fora do ambiente do jogo (onde as esposas são bem-vindas), porém não torna o programa semanal menos sagrado.
Às 21h, começam os trabalhos. O que parecia ser um jogo sério transforma-se numa grande sessão de piadas. As cartas e apostas estão na mesa e alguns tentam se concentrar, porém fica muito difícil diante de tanto falatório. Em poucos minutos, o papo vai de Cross Fit ao bug no programa Bolsa Família. Só não passa pelos assuntos que eu considerava mais óbvios: futebol e mulher. A justificativa para a ausência da bola nos debates foi boa: quase todos são flamenguistas, o que torna a discussão menos acalorada. Já a ausência do assunto mulher foi explicada com elegância: amor às esposas. E, se alguém pensa que novela não é coisa para homens, aqui até tema de abertura entrou na trilha sonora da noite.
O violão acompanha toda a jogatina e pedidos são bem-vindos. Música não falta, assim como comida. O dia do pôquer foi alterado para aproveitar a promoção de duas pizzas pelo preço de uma. Ai de quem se esquecer de pedir a borda de doce de leite na pizza de banana! É motivo de briga séria. Para acompanhar, café e refrigerante. Desde o começo da lei seca, o grupo cortou quase 100% do consumo de bebida alcoólica no jogo, o que não parece ter diminuído o pique dos rapazes. As partidas costumam ir até duas da manhã.
Os que começam ganhando muito podem terminar devendo mais ainda. Antes de meia-noite, todos são proibidos de deixar a mesa, salvo quem estiver perdendo mais de três cacifes. É nesta mesma hora que começa a rodada de fogo. As apostas passam a valores dobrados e a dança das fichas aumenta. É o momento de ousar, blefar e filosofar. Frases como "quem tem amor à vida não pode jogar pôquer" e "grandes fortunas são feitas na rodada de fogo" estimulam os jogadores a apostarem. É o único instante da noite em que apenas o assunto pôquer é pronunciado. Uma sequência de all in transforma a mesa ; tão tranquila ; em uma disputa acirrada pela recuperação.
Quem sai ganhando, quem sai perdendo, pouco importa. O pôquer é apenas uma grande desculpa para rever os amigos, jogar conversa fora e cantar temas de novela. Assim, terminada a noite, todos voltam para casa como vencedores, mesmo que para isso seja necessária aquela parada estratégica no caixa do banco.