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Com a vida mais leve

Há um ano, a Revista acompanhou a cirurgia bariátrica de Mariana Medeiros. Com 112kg, a jovem sofria de obesidade mórbida. Hoje, 58kg a menos, ela é uma nova pessoa: autoestima elevada, alimentação controlada e muito alto astral

Flávia Duarte
postado em 01/09/2013 08:00

Há um ano, a Revista acompanhou a cirurgia bariátrica de Mariana Medeiros. Com 112kg, a jovem sofria de obesidade mórbida. Hoje, 58kg a menos, ela é uma nova pessoa: autoestima elevada, alimentação controlada e muito alto astral

"Ela é a mesma pessoa, mas mudou completamente", define Paula Quilme, 22 anos, amiga da estudante de química Mariana Medeiros, 25 anos. Ninguém permanece ileso a uma cirurgia radical, que transforma a anatomia dos órgãos e muda para sempre a imagem que a pessoa tem de si. Nunca mais ser o mesmo, física e emocionalmente, é o que acontece com quem se submete a uma cirurgia de redução de estômago. Mariana, de fato, é a mesma menina alegre, risonha, sem papas na língua e debochada de sempre. O corpo, porém, se transformou. A cabeça também. Muitos já não associam a nova silhueta, 58 quilos mais magra, à da jovem que convivia com um quadro de obesidade mórbida.

Há um ano, Mariana optou por vencer a obesidade da maneira mais radical disponível. Passou por uma cirurgia bariátrica, que reduz o tamanho do estômago do paciente, de 1 litro a 1,5 litro, em média, para 30ml ou 50ml, aproximadamente. Na época, a Revista do Correio acompanhou, durante sete meses, o processo de preparação da estudante para enfrentar o que seria uma das maiores mudanças de sua vida, assim como o pós-operatório e as dificuldades de adaptação à nova rotina.

Desde o início, Mariana lidou com facilidade com o cardápio reduzido, as opções restritas da dieta e as novas demandas do organismo. Um ano depois, fomos revê-la e encontramos uma menina renovada, como não poderia deixar de ser.

A jovem, que sempre foi vaidosa, saltou do manequim 44 para o 36. Ela orgulha-se das novas medidas e surpreende quem a conhecida em outras formas. "Muita gente não me reconhece na rua", conta satisfeita. Não a reconhecem porque ela deixou para trás o corpo gordo e a saúde em risco. Mariana aprendeu a controlar a alimentação. Não é fácil, não nega. Depois de passar pela dieta líquida, exigência nos primeiros dias após o procedimento, ela terá que conviver, para sempre, com o prazer da comida em pequenas quantidades. Nos cinco meses que sucederam a cirurgia, a vontade de comer doce era grande. "Aí, eu encontrava alguma coisa para fazer e esquecer", comenta.

O dumping, ela sentiu três vezes. O mal-estar, comum entre pacientes operados, ocorre quando se consome uma quantidade exagerada de gordura ou açúcar, por exemplo, e provoca náuseas, taquicardia e sudorese. A sensação ruim veio logo depois de consumir alimentos antes tão apreciados: uma beliscada em um açaí, uma prova de um risoto e dois goles em um achocolatado foram suficientes para reforçar que Mariana talvez não pudesse mais comer sem critérios daqui para frente. Para o paciente bariátrico, uma pequena colherada, uma metade ou uma dose a mais são excessos perigosos.

Quando insistiu em comer além dessa pequena conta, Mariana teve reações, passou mal, vomitou aquilo que o organismo agora recusa. Seu paladar também tornou-se intolerante às carnes. Também não aprecia mais a comida salgada. Para manter o peso, não sentir fome nem fraqueza, ela se conscientizou de que precisa comer a cada três horas, em pequenas quantidades. "Achei que ia sentir falta de comida, mas não", alegra-se.

A restrição alimentar, porém, traz consequências. Mariana em alguns momentos se sente enfraquecida, reclama que os longos cabelos avermelhados agora estão mais finos e ralos. Por isso, faz acompanhamento médico constante e exames de sangue para saber se está saudável. Ela está, mas quem faz uma cirurgia de redução de estômago absorve menos nutrientes, inclusive, porque ingere menor quantidade de alimentos. Para suprir as carências do organismo, Mariana toma polivitamínicos e ferro. Para o cabelo, também ingere alguns medicamentos na tentativa de vê-los fortes novamente.

A perda acelerada de peso do início estagna e o paciente começa a perder menos depois de um ano. O cirurgião Túlio Marcos da Cunha, fundador da clínica Gastro Obesi em Brasília e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), explica que esse é o tempo, em geral, que o paciente leva para perder cerca de 80% do excesso de peso. "Após dois anos de cirurgia, aproximadamente, o paciente pode apresentar o que chamamos de reganho de peso. Ele pode aumentar uns 2kg a 7kg (ou 10% do peso mínimo) na balança. Isso não significa que a cirurgia não tenha dado certo ou que a pessoa vá engordar gradativamente. É uma adaptação metabólica à perda de peso intensa", acrescenta Sílvia Leite Faria, nutricionista responsável pela Gastrocirurgia de Brasília.

Cada organismo, porém, tem um ponto de equilíbrio e o resultado depende de quão dedicado foi o paciente ao seguir as recomendações de praticar exercícios físicos e fazer dieta. Mariana se pesa todos os dias para manter o controle. A balança, que antes indicava 112kg, agora estabilizou nos 54kg, menos do que perdeu ao todo. Para não voltar a engordar, ela tenta manter a vigilância. Tem sempre uma fruta ou uma barra de cereal na bolsa. Nas redes sociais, Mariana atualiza sua rotina de festas, jantares e encontros com os amigos em lugares que servem delícias gastronômicas. Ela não sofre com as tentações. Alimenta-se antes de sair de casa e procura comer no evento só aquilo que é permitido ou não lhe faça mal.

A empresária Melissa Medeiros, 33 anos, pega no pé da irmã quando o assunto é exercício físico, porém. Diz que Mariana começa uma atividade e não prossegue na meta. A jovem se defende dizendo que não gosta de pegar peso, por isso se matricula em aulas coletivas, como boxe, mas não nega que anda meio ausente. A desculpa? A monografia da faculdade.

Gastar energia é importante para manter as novas medidas. "Quanto mais próximo o paciente chega do peso ideal, mais ele precisa praticar exercício físico para evitar a flacidez, manter uma boa massa muscular e os benefícios metabólicos da operação", alerta Túlio Marcos. "A cirurgia é uma ferramenta de mudança de hábitos, mas se isso não acontece, ela pode voltar a ganhar peso, três ou quatro anos depois", diz.

Sempre alerta
Quem reduz o estômago precisa ser vigilante com a comida. Para sempre. A preocupação dos médicos é que, passado um ano da cirurgia, os pacientes retomem antigos hábitos, voltem a fazer escolhas erradas, a beliscar guloseimas, relaxem na atividade física e ganhem peso novamente. "Em alguns poucos casos, os pacientes podem adotar hábitos pouco saudáveis, como beliscar ou ingerir líquidos calóricos, que podem levar a uma menor perda de peso ou ao reganho de peso. Bebidas alcoólicas também são outro fator de risco", esclarece Sílvia Faria.

É impossível se submeter a uma cirurgia dessas e não mudar a rotina. Reduzir o estômago transforma a imagem diante do espelho, a autoestima, a relação com o corpo e consigo próprio. A família de Mariana se surpreendeu com algumas mudanças de comportamento da moça. A irmã notou que ela começou a levar a faculdade mais a sério, que ela deseja se formar logo e arrumar um emprego. Deduz que tamanha euforia seja resultado da confiança maior que a caçula adquiriu com o peso certo. Já a mãe, Lúcia Medeiros, 52 anos, percebeu que a estudante anda mais tranquila, menos ansiosa. "Ela está até dirigindo menos acelerado", conclui.

Mariana não quis fazer acompanhamento psicológico depois da cirurgia, o que inclusive é recomendado para alguns pacientes, tamanha reviravolta na rotina que o procedimento provoca. Ela sempre foi descolada e nunca ficou em casa por causa do peso ou deixou de ter amigos por tal razão. Mas agora é diferente. Virou o centro das atenções. A mãe conta que, embora a filha nem demonstrasse chateação, não foi apenas uma vez que notou os olhares de preconceito velado, que analisavam a aparência da filha, dezenas de quilos acima do peso. Hoje, continuam olhando, mas agora com admiração e surpresa.

Mariana ri quando não a reconhecem na rua. Gosta do desconhecimento do outro. Sinal de que realmente não se parece mais com a jovem que convivia com um quadro de obesidade mórbida. Paula, a amiga, diz que, agora, ela desperta o interesse daqueles rapazes que antes eram só amigos. A gordinha simpática, até então, a boa amiga, agora é a linda ruiva que chama a atenção na balada.

A autoestima da estudante se transformou. Prova disso é a quantidade de fotos que ela publica volta e meia nas redes sociais. "Está até over", brinca a irmã, Melissa. As amigas percebem que a estudante tem mesmo gostado de exibir a nova silhueta. "Antes, se a gente chamava a Mari para fazer uma foto em grupo, ela aceitava, mas nunca fazia foto dela sozinha", comenta Paula. Hoje, a cada clique, usa uma maquiagem diferente, uma roupa nova. Paula conta que Mariana agora pinta mais o rosto. A mãe diz que ela não para de comprar roupa nova.

Mariana não nega que a vaidade mudou. Não é para menos. Agora, pode realizar o desejo de usar as roupas da moda, os vestidos justos, que antes nem ousava experimentar. Quando mostra as peças do novo armário, não faltam as que marcam as formas e as saias curtas. Mariana tem se dado ao direito de experimentar o visual que antes era limitado pelo excesso de peso. E ela quer mais. Agora, planeja se livrar do excesso de pele que ficou na região abdominal. Mais seis meses e ela estará liberada para o procedimento. Do passado de menina obesa, só ficaram as fotos. "Faria tudo de novo. Mais 20 vezes, se preciso."

Quando a cirurgia completa um ano;
O paciente precisa fazer uma bateria de exames laboratoriais. São avaliadas as taxas de colesterol, glicemia, hormônios, hemograma, vitaminas e minerais; além de analisar a função hepática e renal do paciente.

Também é solicitada uma ecografia abdominal do paciente. Há estudos que associam, em alguns casos, a rápida perda de peso ao aparecimento de pedras na vesícula biliar.

Após seis meses de peso estável (por volta de 1 ano e meio depois da operação), o paciente está liberado para fazer a plástica de remoção dos excessos de pele, quando houver indicação.

Sugere-se que o paciente faça acompanhamento psicológico para que, após essa primeira fase de perda de peso, ele consiga controlar os eventuais distúrbios de ansiedade que podem fazê-lo voltar a ter uma dieta inadequada e engordar outra vez. Uma recomendação dos médicos para os que têm mais dificuldade em controlar a mente é justamente frequentar os grupos de apoio.

Até o sexto mês após a cirurgia, o paciente deverá fazer uma avaliação mensal com o nutricionista. Depois, até completar um ano, as visitas passam a ser a cada dois ou três meses. No segundo ano, o acompanhamento recomendado é de seis em seis meses.

No cardápio, há uma estabilização da ingestão calórica, em torno de 1 mil a 1,2 mil calorias.

Após um ano, o paciente também consome uma quantidade mais adequada de proteínas, o que é muito importante para o ganho e a manutenção da massa muscular.

Suplementações são fundamentais para os pacientes da cirurgia bariátrica: polivitamínico e polimineral, cálcio e vitamina D devem ser usados diariamente. Também recomenda-se o uso da vitamina B12. O ferro é fundamental entre as mulheres bariátricas em idade fértil, em função das perdas menstruais.

Fontes: Túlio Marcos da Cunha, cirurgião e membro da SBCBM, e Sílvia Leite Faria, nutricionista.





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