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Infância corretinha

Os pais controlam a alimentação, limitam o acesso à tevê, escolhem o tipo de música e de livros ideais, entre outras atitudes. Em parte, isso é muito bom, mas o exagero pode ser bastante prejudicial

Gláucia Chaves
postado em 13/10/2013 08:00

Os pais controlam a alimentação, limitam o acesso à tevê, escolhem o tipo de música e de livros ideais, entre outras atitudes. Em parte, isso é muito bom, mas o exagero pode ser bastante prejudicial
O politicamente correto já foi amplamente adotado, duramente criticado e, atualmente, há quem diga que ele está fora de moda. Será? Nos supermercados, os produtos sem agrotóxicos não estão mais no canto das gôndolas, espremidos. Ao contrário: ganham cada vez mais espaço, nas prateleiras e no prato dos consumidores. As antigas cantigas de roda foram reformuladas (veja quadro), há canais especificamene voltados para crianças e quitutes gordurosos, como refrigerantes e frituras, estão prestes a desaparecer de vez das cantinas escolares. Serão as crianças de hoje os adultos politicamente corretos de amanhã?

Quando estava com 20 anos, Verônica Dias Avelino, de 45 anos, começou a pesquisar mais sobre vegetarianismo. Criada em uma família mineira, ela conta que, em casa, o cardápio principal sempre contava com muita fritura, doces e queijos. À época, Verônica namorava o pai de seus filhos, Tomás e Francisco Dias de Queiroz, hoje com 17 e 14 anos, respectivamente. Os dois gostaram da filosofia sem carne e resolveram se tornar macrobióticos, uma vertente do vegetarianismo. "Os meninos cresceram nesse ambiente", explica a especialista em assistência social.

Na geladeira e na despensa da família, nada tem açúcar ou é industrializado. No prato dos garotos, arroz integral, legumes e tofu são tão triviais quanto o trio arroz-feijão-carne que vemos por aí. Quando os dois eram crianças, Verônica conta que a moda entre os colegas eram os salgadinhos que vinham com pequenos discos de brinquedo dentro da embalagem. Sem sofrimento nenhum, ela conta que eles compravam, tiravam o brinquedo e jogavam o salgadinho na lixeira. "E eu nem precisava ir à banca para verificar isso, a dona que me contava", diz a mãe. Para dar mais atenção aos filhos durante a primeira infância, fase que considera a mais importante no desenvolvimento dos pequenos, Verônica parou de trabalhar. "Acho até que essas coisas hoje naturais na vida deles, mas que são raras quando comparadas aos amigos, deve-se muito a esse fato", analisa. "Isso teve um custo para mim, claro, mas vi que foi um investimento valioso para a vida deles."

O acesso à televisão também não era fácil. Até hoje, a sala não conta com o aparelho. "Eles pouco viram televisão na primeira infância, tanto que até hoje eles não têm esse hábito", completa Verônica. Propagandas sedutoras de lanches nada saudáveis e dos últimos brinquedos da moda são os dois principais motivos que a fizeram evitar a televisão em casa. "Esse tipo de coisa deveria ser proibida, porque criança não tem filtro." Hoje, ela conta que as atenções deles se voltam mesmo é para o computador. Mesmo aceitando que não há como controlar o acesso, há limites: jogos de computador, só nos fins de semana. Ainda assim, o trato entre os três é sempre intercalar com atividades ao ar livre. "Sempre vamos pedalar ou caminhar. Vamos os três, se eu não for, o pai deles vai, porque ele também é muito comprometido com isso."

A dieta também mudou: não é mais macrobiótica, uma vez que, segundo essa filosofia, a mulher é a responsável por preparar todos os alimentos. Quando se separou, há oito anos, Verônica voltou a trabalhar e o tempo ficou apertado. O cardápio continua saudável, só que com a adição de carne e feijão, alimentos não adotados pelos macrobióticos. Mas isso não significa que os adolescentes só comam o que estão acostumados. Se estiverem em ambientes menos restritos, comem o que há. "Mas, como fisicamente não estão acostumados, o corpo reage muito, eles ficam com rinite, dor de barriga e de garganta", completa Verônica.

Para muitos, tantas preocupações e detalhes colocariam Verônica na categoria dos "politicamente corretos". Ela, no entanto, foge do rótulo. "Acho que politicamente correto é um conceito que varia muito", argumenta. "O que é politicamente correto para um brasileiro talvez não seja para um muçulmano."

A vontade de criar os filhos da maneira mais politicamente correta possível não é de hoje. Sylvio Renan Monteiro de Barros, pediatra membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), autor do Blog do Pediatra e do livro Seu bebê em perguntas e respostas ; Do nascimento aos 12 meses (Mg Editores), explica que o comportamento vem aumentando. Muito da preocupação, ele explica, deve-se às promessas da medicina de uma vida bem mais longa para as gerações futuras. "A estimativa é que as crianças de hoje vivam até os 120 anos", completa.

Para conseguir permanecer tanto tempo em pé, é natural que as pessoas precisem se cuidar desde cedo. O aumento da procura (consequentemente, da produção) de alimentos livres de agrotóxicos, por exemplo, seria o efeito colateral dessa preocupação com o futuro. Informações mais acessíveis acerca das causas e consequências de problemas como diabetes, obesidade e hipertensão arterial também seriam catalisadores do comportamento mais cuidadoso à mesa. "Antigamente, acreditava-se que o leite de vaca ou o de lata era necessário para complementar o materno, que seria muito fraco", exemplifica Sylvio de Barros. "Hoje, sabe-se que isso provoca várias doenças, especialmente as alérgicas."

As crianças são apresentadas cada vez mais cedo ao mundo dos alimentos naturais, livres de sódio em excesso, corantes e conservantes. A tecnologia, para o especialista, seria a grande responsável por isso. Ao mesmo tempo em que os pais têm mais informações por meio da internet, os laboratórios tornaram-se capazes de manipular melhor os alimentos, retirando nutrientes negativos e trocando substâncias maléficas para a saúde por versões mais saudáveis. A vasta gama de informações, contudo, tem também seu lado negativo. "Há um ;boom;, um exagero de conhecimento", diz o pediatra. "As informações chegam muito rápido à população, chegam junto com o médico. Isso pode ocasionar exageros."

Mudaram o Atirei o pau no gato

Como era:
Atirei o pau no gato
Mas o gato
Não morreu
Dona Chica
Admirou-se
Do berro, do berro
Que o gato deu


Como ficou:
Não atire o pau no gato
Porque isso
Não se faz
O gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar os animais


Leia a reportagem completa na edição n; 439 da Revista do Correio.

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