Gláucia Chaves
postado em 03/11/2013 08:00
Aos 37 anos, Vincenzo Visciglia já coleciona um leque de atividades invejável. Designer e arquiteto, o paulistano administra ainda uma fábrica de móveis e uma grife de roupas de alta costura, a Aavva. Cinco secretárias organizam sua rotina frenética de compromissos. Cada uma é responsável por um segmento profissional. "Meu dia é dividido em móveis, arquitetura, moda, projetos residenciais e projetos comerciais", enumera Visciglia. O arquiteto desenha e planeja cada detalhe dos trabalhos que recebe, da fachada aos objetos de decoração. Só que seus projetos são um pouco diferentes. Visciglia está acostumado a escalas ; e a cifras ; grandes, ou melhor, gigantescas: seus principais clientes são bilionários do Oriente Médio. "Os banheiros medem de 50m; a 80m;", exemplifica o designer.Há cerca de três anos, Visciglia mudou-se para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Lá, graças aos clientes endinheirados, ele consegue carta branca para realizar o projeto que bem entender. E a criatividade dos ricaços não tem limites: de uma plantação de três árvores frutíferas na sala a ambientes inteiros projetados com cristais swarovski, o arquiteto conta que o maior desafio é adaptar os devaneios dos clientes ao mundo real. Os famosos cristais, inclusive, estão na última moda para os cheios da grana. Em um de seus trabalhos mais impressionantes, Visciglia decorou a área exclusiva de um coffee shop (cerca de 60m;) com papéis de parede e cortinas feitos deles.
Como você direcionou a sua carreira para os Emirados Árabes?
Na verdade, sou de Tatuí, interior de São Paulo. Parte da minha família mora em Miami e me mudei para os Estados Unidos. De Miami tive a oportunidade de ir para Dubai. Recebi um convite para trabalhar em uma companhia alemã, que planejava hospitais, da qual um amigo era diretor. Fiquei trabalhando lá por três meses. Depois disso, o sócio se ofereceu para abrir um escritório de arquitetura comigo. Foi aí que tudo começou, todos os meus clientes daqui são pessoas locais. Fui conhecendo um a um e os clientes me recomendavam para outros. Estou aqui há três anos, fiz mais de 300 projetos e comecei a ser conhecido entre as famílias reais.
Em quais projetos a sua empresa trabalha?
Faço bastante trabalhos para restaurantes. Tem algumas marcas de franchising (franquias) de coffee shops que desenvolvi, foram mais de 120 em um ano e meio. Fiquei conhecido pelo projeto de uma delas (em que a área exclusiva do estabelecimento foi decorada com cristais swarovski) e o presidente de Dubai é louco por ele. Fui convidado para fazer um palácio em Abu Dhabi (capital dos Emirados Árabes Unidos). Comecei a ser querido. Trabalho na parte comercial, que seriam lojas, restaurantes, hotéis, e na residencial, que seriam palácios, mansões.
Qual foi o trabalho mais inusitado que você realizou?
Tem um projeto que eu fiz, de um palácio na Arábia Saudita, para um xeique. Dentro da casa, ele pediu uma bananeira, uma tamareira e um limoeiro. Imagine dentro de uma casa ter todas essas árvores no meio! Outro foi um palácio em Abu Dhabi. O cliente pediu papel de parede de swarovski na sala de jantar (o metro do produto custa entre US$ 10 mil e US$ 12 mil, cerca de R$ 20 mil a R$ 24 mil). Os panos da casa tinham cristais swarovski e, além disso, usei uma tinta que também tem os cristais. Chega a ser meio ridícula a combinação, é tanto brilho, mas, para eles, o material que você usa é mais importante que o design. Eles querem o luxuoso. Cabe ao profissional filtrar o que eles querem para dar harmonia. Para esse cliente que pediu tudo com swarovski, eu expliquei que a gente tem que dar vazão para outras coisas. Vou filtrando e demonstrando, mas, quanto mais dourado, ouro, mais eles ficam felizes. Mas eles são muito acostumados com o meu trabalho, sabem que não vai ter nada over.
Seus clientes têm muito dinheiro, mas qual o perfil psicológico deles? É difícil convencer que algo não vai dar certo, por exemplo?
Às vezes, as pessoas acham que, por eles terem muito dinheiro, não estão nem aí, mas eles são bem informados ; sabem o que está acontecendo no mundo. Alguns, da geração antiga, têm uma maneira de tratar as pessoas de escalão mais baixo de maneira superior, são mesmo mandões, exigentes. Mas eu sempre os tratei normalmente. Falo as coisas na lata. Teve até uma situação engraçada: quando fui ao palácio do vice-presidente de Abu Dhabi, ele perguntou o que eu achava (da decoração). Respondi que parecia um banheiro, pois era cheio de azulejos. Ele achou o máximo. Converso com os clientes normalmente. Até porque, nessa situação, eu nem sabia o que era um xeique.
Mas já houve alguma situação mais tensa com clientes importantes?
Nunca tive nenhum problema, porque trabalho de uma maneira formalizada. Tenho momentos tensos com os pedreiros, construtores, mas nunca com clientes.
Qual foi o seu maior projeto?
Foi a casa na Arábia Saudita em que o dono queria as três árvores na sala. Ela tinha 23 quartos e 38 banheiros. Tivemos desde a plantação no meio da casa, das árvores, que é uma coisa que todo mundo diria que não tem como, mas enfiamos tudo lá dentro. A piscina ocupava metade da casa: era no nível do chão, então, vinha até a varanda, passava dela e entrava até uma parte do hall de entrada. Lá eles têm duas cozinhas, uma "suja" e uma "limpa". A que eles chamam de suja não fica dentro da casa, fica conectada à limpa, que é de apoio. Tudo é em escala muito grande. Até a casa dos empregados é bem maior que a de muito granfino brasileiro (risos). Fora a casa dos empregados, essa casa tinha 4.500 metros construídos.
Quais as principais dificuldades de projetar um ambiente assim?
É até engraçado porque eles falam de maneira muito sutil que querem "só" 23 quartos. A cada três quartos, há uma sala. Eles sempre falam que não querem que fique parecendo um hotel, mas como fazer tanto quarto sem parecer? Para eles, é preciso um quarto para a criança, por exemplo, aí um ao lado para a babá, um para as visitas, e por aí vai, por isso, tantos cômodos. A escala de tamanho de um banheiro é de 60m; a 80m;. Imagine trabalhar em cima de um banheiro desse tamanho. Ele acaba virando uma espécie de sala também.
Geralmente, o que há nos cômodos?
Os clientes são muito atualizados e têm alto poder aquisitivo, então acabamos colocando uma sala para ler, uma para assistir televisão; Todos os ambientes acabam virando salas. Nos quartos, da porta de entrada até a cama, você passa por três, quatro ambientes. Teve dois casos em que os clientes pediram para colocar uma banheira jacuzzi na sala. Fora a iluminação. Eles adoram luz LED. Só que isso acaba ficando negativo no design, quem trabalha com isso sabe. Mas, para eles, quanto mais se parecer com uma árvore de Natal, melhor. Claro que isso não é generalizado, é um grupo de clientes que são mais antigos. Entre eles, há toda uma cultura de se mostrar para o outro, então, vão acrescentando coisas assim. A nova geração tem um gosto superpolido.
Quais as principais diferenças entre esses projetos e os que você faz para outros clientes?
É bom trabalhar com eles porque você pode usar o poder aquisitivo deles para executar o projeto. Se o cliente tem um projeto limitado, você vende uma ilusão e acaba mudando o design porque o cliente não tem dinheiro. Aí tem que mudar o acabamento, os móveis;
Você também desenha os móveis dos projetos?
De 80% a 90% de todo o projeto é desenhado por mim, inclusive os móveis. Eles me dão a oportunidade de projetar tudo. É muito bom ter essa liberdade. Aqui, posso executar totalmente meu projeto, pois sou conhecido por desenhar tudo, da parte de fora aos porta-retratos e objetos de decoração. Lógico que eles também gostam de acessórios de marca.
Em quanto tempo um projeto dessa magnitude fica pronto?
Dois meses, se for dessa escala grande, palácios etc. Se forem projetos comerciais, como escritórios, demora umas três semanas. Eu tenho um time grande, que já está associado ao meu estilo e visão. Mas faço questão de atender pessoalmente todos os clientes. Trabalho de 10 a 15 horas por dia.
Você tem outros projetos paralelos à arquitetura, certo? Quais são eles?
Além da arquitetura, tenho uma linha de roupas, a Aavva. São roupas de alta-costura para o dia a dia. Nossos clientes são famílias ricas e fashionistas, na maioria. É engraçado porque quando os clientes novos vêm me conhecer no escritório, sempre falam sobre roupa e ficam passados quando descobrem a grife. Acabo vendendo e dando estilo em tudo, na casa e no guarda-roupa. Também estou desenvolvendo uma linha de cores com uma companhia de tintas.
Seu local de trabalho também é palco de guerras e tensões. Você fica com medo?
Viajo toda semana e, agora, estou fazendo muitos trabalhos no Iraque. O primeiro shopping de Bagdá nasceu com um projeto meu. Fui lá várias vezes, mas fui morrendo de medo. Acho que é tudo uma questão de saber a cultura e a religião deles. Sou cheio de tatuagens, então, me cubro todo, não as exponho. Faço o possível para não chamar atenção. Por outro lado, eu tenho aparência de árabe. É uma questão de respeito, mas tem que ser seguro. Quando eu estava trabalhando no Iémen, onde é o laboratório da Al-Qaeda, senti um clima supertenso. Mas em Dubai, Beirute, eles são mais abertos, então você não se sente tão fora do padrão.