Renata Rusky
postado em 03/11/2013 08:00
Pelo menos 51 milhões de brasileiros já fizeram uma compra on-line alguma vez na vida. Até o fim do ano, a web terá ganhado quase 9 milhões de novos consumidores no país, segundo o relatório Webshoppers, divulgado recentemente pela E-bit. O número parece grande, mas a maioria dos especialistas insiste: não chega perto do que está por vir. Lentamente, a mania do consumo on-line vem ganhando o coração dos desconfiados compradores brasileiros, que estão vencendo barreiras como o medo de fraudes no cartão de crédito ou a desconfiança de que o produto jamais será entregue. E, um pouco mais íntimos do mundo do e-commerce, começam a desbravar novas fronteiras do mundo da world wide web. A nova queridinha do comércio virtual é a China.
Comprar direto da China significa vencer uma série de medos: entregar dados do cartão de crédito a sites com os quais talvez você não consiga entrar em contato para exigir explicações, superar a ansiedade e aguardar até três meses para receber o produto, tentar se comunicar com vendedores que nem sempre dominam o inglês ; que dirá o português ; e, principalmente, estar disposto a receber algo de qualidade inferior à expectativa.
Pelas prateleiras de lojas virtuais chinesas, é possível encontrar réplicas ; embora idênticas, as peças costumam ser reproduções ; de camisas, calças, sapatos e vestidos recém-chegados às vitrines de fast fashion e lojas grifadas, mas com a diferença de custarem bem menos nas versões made in China. Acessórios para todo tipo de gadget, lembranças para formaturas, casamentos, vestidos de noiva, cílios postiços para faróis de carros mimados. Enfim, todo tipo de coisa normal ou peculiar, a maioria com frete grátis e custando não mais que poucos dólares.
Segundo Molly Morgan, gerente para assuntos internacionais do gigante chinês das compras virtuais Alibaba, atualmente o maior e-commerce do mundo, o Brasil já representa o terceiro mercado estrangeiro do site, atrás apenas da Rússia e dos EUA. O site tem inclusive uma versão em português para facilitar a navegação do público brasileiro e, em 2010, instalou um escritório em São Paulo para tentar converter compradores em vendedores ; o Ali, assim como o E-bay, funciona como um grande shopping virtual no qual grandes e pequenos vendedores abrem suas "lojas" e vendem seus produtos mundo afora.
Comprar na web em vez de passear por shoppings reais, embora pareça alarmante para os varejistas nacionais, pode significar o início de tempos ainda melhores para o comércio virtual brasileiro. Pelo menos essa é a avaliação de Gerson Rolim, diretor de comunicação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (www.camara-e.net). De olho no consumidor tupiniquim, o próprio E-bay, versão norte-americana do Ali, iniciou suas atividades por aqui no mês passado. A Amazon também chegou de mansinho, oferecendo suporte para sites e lojas virtuais, expandiu os negócios vendendo o seu leitor digital, o Kindle, e não deve demorar a abrir no Brasil os serviços de e-commerce.
"Hoje, a gente sabe que, embora o consumo em sites estrangeiros esteja crescendo, 90% das compras virtuais ainda é feita em sites brasileiros", avalia Rolim. Ainda segundo o especialista, não é porque o consumidor brasileiro compra da China que vai deixar de comprar aqui. "Não é que o Ali está tomando uma fatia de uma pizza que era de alguém. A janela para explorar esse mercado no Brasil é tão grande que esse fenômeno só faz aumentar o tamanho da pizza."
Produtos só baratinhos
A advogada Tirza Florêncio, 24 anos, já está habituada às compras em sites internacionais. Há mais de um ano, ela explora o mundo cibernético atrás de coisas boas, bonitas, baratas e diferentes.
Ela, que antes tinha medo de inserir os dados do cartão de crédito em alguns casos, descobriu que muitos sites aceitam pagamentos por meio de boletos bancários. E foi graças a isso que ela fez sua primeira compra em um site do qual ainda desconfiava, embora já tivesse recebido ótimas referências. Aventurou-se nele e agora espera indefinidamente por suas compras: uma cola de cílios postiços e um protetor para blazer que nunca havia visto no Brasil.
Até então, seu preferido é o E-bay (www.e-bay.com). Embora nele haja vendedores de todos os cantos do mundo, são dos produtos vendidos pelos chineses de que ela mais gosta: "Eles são mais baratos e nunca tive problema para fazer contato com eles". A primeira compra que quase fez foi há mais de um ano. Mas Tirza desistiu. Teve medo de ter o cartão clonado ou de o produto não chegar. Depois de algum tempo pesquisando em blogs , convenceu-se. Criou coragem para uma segunda tentativa. Desde então, já comprou camisa, legging, bolsa, cosmético, massageador e até um aplique de cabelo que nunca usou.
Tirza reconhece que um produto ou outro não tem a qualidade tão boa. Já comprou, por exemplo, uma bolsa cujas partes de metal começaram a descascar com três meses de uso. Como custou apenas US$ 15, a advogada acredita que os três meses foram suficientes para "cobrir" o valor. "Os preços são tão baixos que, se eu usar durante um mês, já está bom. Não tem problema se eu for surpreendida com uma peça não tão boa. Se eu perder até uns R$ 40, tudo bem." Por conta desse raciocínio, ela evita comprar peças muito caras.
Por que o preço é tão baixo?
É impossível navegar pelas quase infinitas páginas de sites de e-commerce chineses sem se perguntar como um produto pode ter preço tão baixo nas prateleiras virtuais. As respostas vêm sendo perseguidas por economistas, empresários, industriais e comerciantes aflitos com a competição do país asiático já há algum tempo. Invariavelmente, eles giram em torno de fatores como a carga tributária, os custos de logísticas e, principalmente, o valor baixíssimo da mão de obra. "Na China, os salários são mais baratos do que em outras economias industrializadas, e os custos associados a tributos sobre o salário, mais baixos", explica o economista e professor da UnB Roberto Ellery Jr.
Para se ter uma ideia, o salário médio do trabalhador chinês é de US$ 327 contra US$ 3.263 do norte-americano. Os produtos vindos em sites como Aliexpress e DealExtreme não chegam, portanto, a serem confeccionados em regime de trabalho escravo, como muitos chegam a cogitar, mas com leis trabalhistas bem mais frouxas e com as quais fica difícil competir. "As condições de trabalho e os direitos sociais da China são inaceitáveis na maioria dos países ocidentais, inclusive no Brasil. Isso faz com que a redução do custo de trabalho a níveis chineses seja politicamente inviável." Ainda segundo Ellery, a China usa a estratégia de manter o câmbio desvalorizado propositadamente, o que só é viável desde que se tenha um elevado nível de poupança interna, o que não existe no Brasil.
Somado a tudo isso, o governo chinês é um dos que mais concedem subsídios fiscais a seus empresários, sobretudo no setor têxtil, um dos que mais cativam consumidores via cliques virtuais. De acordo com um levantamento do Conselho Nacional da Indústria Têxtil dos Estados Unidos, só em descontos fiscais para exportação são US$ 30 bilhões por ano e, no mês passado, o Ministério do Comércio chinês anunciou um pacote de medidas para estimular o comércio on-line.
Se o Brasil não quiser assistir de camarote aos seus lojistas perderem mercado para concorrentes do outro lado do planeta, precisa agir como pode, sem que isso implique desvalorizar a mão de obra ou ainda mais a moeda. A solução, explicam economistas, passa pelo aumento da produtividade ou pela redução dos custos da produção por outras vias, como o barateamento das fontes de energia ; estratégia já adotada pelos EUA, por exemplo.
Vestido de noiva via postal
Há aqueles que renovam o guarda-roupa com as tendências da estação. Alguns preferem decorar a casa com as bugigangas de poucos dólares dos sites chineses. Outros alimentam o vício em tecnologia comprando cabos, tablets e acessórios para os gadgets. A analista de sistemas Nívia Queiroz, 29 anos, realizou parte de um sonho: comprou o vestido de noiva. "Experimentei dois modelos aqui em Brasília e vi qual deles me caía melhor. Quando fui procurar na internet, já sabia mais ou menos o que queria", conta. Pelos sites chineses existem tanto modelos prontos, que custam até menos de R$ 500, quanto opções feitas sob medida, com preço médio de US$ 500 (cerca de R$ 1.140). Nívia recorreu à segunda opção: um site especializado em confeccionar sob medida réplicas de ateliês grifados de noivas. O escolhido foi uma versão de um modelo da casa espanhola La Sposa.
O vestido demorou quase tanto tempo quanto se estivesse sendo confeccionado em terras brasileiras. A diferença é que a noiva acompanhou o processo não por meio de infinitas provas e visitas ao ateliês, mas via fotos enviadas para o seu e-mail de um modelo montado em um manequim. Foram nove semanas entre o envio das medidas e a foto da peça finalmente pronta. Depois, mais uma semana para que ele atravessasse o planeta e chegasse até a casa da noiva, embalado a vácuo, em um pacotinho não muito maior do que um palmo.
Para agilizar o envio, Nívia preferiu pagar um frete mais caro, porém mais seguro e rápido. A remessa custou R$ 400, mais R$ 170 de imposto para a Receita Federal. O véu também veio da China. Mas foi comprado pronto, no Aliexpress (www.aliexpress.com), e saiu por cerca de R$ 300. Ao todo, Nívia não gastou mais que R$ 1,8 mil com o vestido, valor que, segundo as pesquisas dela, equipara-se ao de um aluguel. Casamento feito, Nívia passou adiante a peça, com um desconto de R$ 300. "Mas já vi meninas vendendo vestidos usados que compraram na China por até R$ 4 mil. Acho sacanagem", entrega. A saga da escolha e da compra do vestido ; e de vários outros processos do casamento ; foi registrada num blog, criado pela noiva logo no início dos preparativos, o Eu quero me casar (www.euqueromecasar.com).
Apesar do sucesso com o vestido, Nívia reconhece que a experiência não é para todos. "Não é uma coisa para uma pessoa ansiosa nem para quem tem pouco tempo para organizar o casamento", avisa. "Ele pode demorar para chegar, pode chegar feio, enfim, pode dar certo ou não. Vi algumas meninas que gastaram todo o dinheiro do vestido em um modelo da China e, no fim, receberam um produto horrível." No caso de Nívia, além do vestido e do véu, as lembrancinhas do casório vieram da China. A mania de compras virtuais de Nívia se estende a roupas, cosméticos e até artigos de decoração. A última aquisição foram lâmpadas de LED para a casa nova. "Com roupa, tive poucas experiências legais. Os tamanhos são pequenos, então ou a roupa aperta ou a manga fica curta."
O tal do "Ali"
Desde o fim dos anos 1990, quando Jack Ma, um professor chinês de inglês, decidiu criar um site para ligar pequenos vendedores a potenciais consumidores via on-line ; a exemplo do que já fazia o E-bay, fundado nos EUA em 1995 ;, o Alibaba cresceu e representa um ponto importante da economia chinesa e um potencial inimigo das economias mundo afora. O portal aposta na venda de produtos a preços baixos e com o frete grátis. Apenas os segmentos de vendas de lojas para consumidores e de pessoa física para pessoa física juntos venderam, no ano passado, US$ 170 bilhões, mais do que os gigantes E-bay e Amazon somados.
Isso, segundo reportagem publicada em março na revista The Economist, já faz dele o maior portal de e-commerce do mundo. E o governo da China quer mais: no mês passado, o país liberou um pacote de investimentos para estimular as vendas de pequenos comerciantes via on-line. Há três anos, o portal abriu um escritório no Brasil visando conquistar também possíveis vendedores para exportar seus produtos, missão na qual encontram ainda alguma resistência. Já na China, os cálculos dão conta de que 60% de todas as encomendas entregues no país têm origem no Alibaba.
Hoje, mesmo com dimensões gigantescas e responsável por mais de 24 mil empregos na China, o Ali, apelido criado pelos fanáticos consumidores, pertence ao seu fundador ; embora o cargo de CEO tenha sido repassado, em maio, a Jonathan Lu, funcionário de confiança do ex-professor. A qualquer momento, no entanto, o status de empresa privada pode mudar. O mercado de ações aguarda o anúncio oficial da entrada do portal na bolsa de valores a um valor esperado de US$ 100 bilhões, o que faria a estreia da empresa chinesa o maior evento no mercado de ações desde a entrada do Facebook, no ano passado. O aval para o início da oferta pública foi concedido pela New York Stock Exchange e pela Nasdaq. Jonathan Lu declarou que o e-commerce pretende triplicar o volume de transações até 2016, passando para US$ 49 milhões, o que faria com que ultrapassasse o Walmart, maior rede varejista do mundo.