Renata Rusky
postado em 17/11/2013 08:00
Em um misto de oficina e sala de aula, cerca de 15 mulheres, de 18 a 60 anos, e apenas um homem, o professor. Em um dos cantos da sala, um carro com a parte de cima cortada, no outro, uma motocicleta. No meio, uma mesa, com peças de carro nunca antes vistas pela maioria das presentes. Em volta disso tudo, carteiras escolares, um computador, um telão e um projetor.O professor faz uma analogia: "Nosso relacionamento com um carro é igual a um namoro. Temos que conhecer para confiar". Algumas das alunas já têm um certo nível de intimidade com as máquinas ; as irmãs Cláucia, 38 anos, e Kátia Oliveira, 33, por exemplo, têm habilitação tipo C, a exigida para conduzir caminhão ou outro veículo "bruto" de transporte de carga. E há quem dirija muitos quilômetros por dia, caso da empresária Cristiana Paulo da Silva, 39, que sempre faz o trajeto entre Águas Lindas de Goiás e o Plano Piloto.
Cristiana conta que se cansou de ser enganada em oficinas mecânicas. "Já trocaram muita peça sem necessidade e eu e meu marido só descobrimos depois", confessa. O esposo acabou ficando para trás nesse quesito depois que a empresária se matriculou no curso de mecânica para mulheres oferecido pelo Detran-DF. "Eu fico em cima vendo tudo e acabo aprendendo algumas coisas", orgulha-se. As cinco aulas de cerca de três horas e meia são intensas. "A mulherada tem muita dúvida", brinca Cristiana.
O professor, Wellington Rolim, reconhece que o tempo é curto, mas acredita ser o suficiente para mudar a forma de elas agirem em relação ao veículo e perante um profissional. "É diferente para o mecânico quando você chegar dizendo que o carro está com um barulho que parece um bicho no motor e dizer: ;O carro já está com 50 mil quilômetros rodados, quero que cheque a correia dentada;."
A preocupação em não ser enganada na hora de usar os serviços de uma oficina é uma unanimidade na turma. Elas sentem que há uma espécie de machismo nessa área. "Os homens sabem que não sabemos de nada e se aproveitam disso", reclama Rose Ribeiro, 36 anos. Ela conta que, certa vez, pediu para trocar o óleo e o filtro de óleo do veículo. Levou consigo o produto e a peça, mas o mecânico quis cobrar R$ 150 só pela mão de obra. Desconfiada, procurou uma segunda opinião. "Pedi outro orçamento e me disseram R$ 15", relata, indignada.
O prejuízo de Gilka dos Santos Almeida, 35 anos, estudante, foi ainda maior. Precisava trocar o óleo do carro e o mecânico disse que seria necessário que ela deixasse o veículo e só pegasse no dia seguinte. Era inviável para ela, além de que ficou desconfiada. Levou em outro, na esperança de sucesso, mas foi ainda pior. "O mecânico disse que, antes de trocar o óleo, seria bom colocar um pouco de um outro óleo, andar um dia com o carro e só trocar no dia seguinte. Isso limparia o motor." O que ocorreu foi que esse primeiro óleo, em vez de promover a limpeza, obstruiu as bombas do motor. O conserto saiu por R$ 3 mil.
Primeiras lições
A aula começa com o questionamento do professor sobre o que sabemos sobre mecânica de automóveis. Elas ironizam a si mesmas, sem vergonha. "Sei onde ficam as rodas e o volante", brinca Márcia Maria da Silveira, 48 anos, técnica em secretariado, que, depois das cinco aulas, revela saber bem mais. Quando Wellington Rolim passa rapidamente pelo tema direção defensiva, todas têm palpites e observações. Rose Ribeiro ficou satisfeita com essa parte da aula: "Ele ensinou até a arrumar o banco, coisa que eu nunca tinha visto". Quando o assunto passou para os diversos sistemas do carro (alimentação, ignição e lubrificação), o silêncio começa a prevalecer. Surgem as dúvidas.
Para participar do curso, é imprescindível ter carteira de motorista. Márcia Maria tirou a sua há 23 anos e nunca deixa de renová-la, mas até hoje não dirige. O estresse do trânsito não a atrai e, enquanto ela tiver a comadre para lhe dar carona, está tudo certo. A maioria das alunas quer independência na hora de realizar tarefas triviais, como calibrar e trocar os pneus. Márcia tem um sonho completamente distinto: aprender a pilotar uma retroescavadeira e trabalhar no estado de Goiás. Segundo ela, a função pode render até R$ 4 mil por mês.
Rose Ribeiro e Gilka Almeida durante as aulas: elas não querem mais ser enganadas
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Comportamento
Para se virar sozinha
Manutenção do veículo era mesmo um mistério para a aluna Nathália Beatris Silva Santos, 18. A estudante tirou a CNH para carro e também para moto (influência do pai) há pouco tempo. Ela quer prestar o vestibular para medicina e acredita que nenhum conhecimento é desperdiçado. Vai que as informações sobre força, torque e atrito ajudam na prova de física.
Antes do curso, Nathália não calibrava os pneus ; deixava por conta do frentista do posto. Fazer a troca do pneu, então, era algo do outro mundo. A situação não lhe agradava. "Eu não quero ser dependente dos outros. Não que eu vá consertar as coisas, mas preciso, pelo menos, saber reconhecer o problema", desabafa. Porém não é fácil, ela sabe. "São muitos detalhes, muitas peças, o problema pode estar em qualquer lugar", lamenta.
Qual é o melhor carro?
Essa foi uma das perguntas recorrentes no curso do Detran. O professor Wellington Rolim tem uma boa resposta: é aquele zero quilômetro e que atenda o orçamento de cada pessoa. Isso porque, para ele, não existem carros ruins, mas donos desleixados, que não dão a manutenção devida. Se não for possível ter um veículo novo, escolha o usado a dedo (veja quadro).
Para avaliar um veículo usado
Cheque os pneus e a quilometragem do veículo.
O motor não precisa estar limpo. Tudo que se pode fazer nele é uma higienização, e não uma lavagem. "Se o motor estiver muito limpinho, desconfie. O proprietário pode estar querendo te ganhar pelos olhos", afirma o professor Wellington Rolim.
Pergunte sobre os hábitos do proprietário anterior.
Peça para mostrar a um mecânico. "Se tiver algo errado com o carro, o proprietário vai desconversar", Wellington indica.
Manutenção preventiva
Calibre os pneus periodicamente.
Quando trocar o óleo, substitua também o filtro de óleo. "Muita gente fica naquela de trocar o filtro vez sim, vez não. Quando você toma banho, troca a roupa íntima vez sim, vez não?", brinca Wellington Rolim.
Não use chaveiro pesado com a chave do carro.
A melhor coisa para um carro é rodar. Isso evita que líquidos oxidem dentro dele e permite que o ar ambiente circule pelo motor.
Cheque o óleo pela manhã, quando o carro ainda não foi acionado.
Use somente o óleo especificado pelo manual do carro.
Verifique sempre o nível de água do radiador. Se o nível baixar rapidamente, pode ser falta de aditivos.
Se seu carro é flex, reveze entre os combustíveis para que a central eletrônica não perca a configuração necessária para cada um deles. O álcool deixa o carro mais potente e polui menos.