Renata Rusky
postado em 02/03/2014 08:00
; de palhaço
Em 2008, o técnico administrativo Igor Romão, hoje com 34 anos, vestiu uma fantasia de palhaço e saiu pelas ruas atrás do frevo do Suvaco da Asa, o mais tradicional dos "novos" blocos ; que têm surgido espontaneamente a partir de grupos de amigos e transformado a cena do carnaval de rua de Brasília na última década. Em 2014, John Blau, como Igor é mais conhecido, marcou sua sétima aparição com o mesmo nariz vermelho no Suvaco da Asa.
Ele já se convenceu de que ficar em Brasília no carnaval não é lá aquele pesar todo, como muitos preconizavam. Não está sozinho nessa decisão. Seja por razões financeiras, seja por amor à cidade, seja por razões políticas, fincar o pé no asfalto rodeado de cerrado e brincar como se não houvesse amanhã é a opção de um punhado de gente que não deixa o samba, o axé, a tradição, o protesto, a alegria morrer. Nem agora nem quando o carnaval de rua de Brasília era obra quase exclusiva de um grupo de jornalistas que decidiu fazer sátira com o regime militar e fundar o Pacotão nos anos 1970.
De lá para cá, vieram Galinho de Brasília, Baratona, Baratinha, Asé Dudu, Raparigueiros, Mamãe Taguá e Menino de Ceilândia, que compõem, com o Pacotão, a Liga dos Blocos Tradicionais de Brasília. Além desses, tem o pré-carnavalesco Suvaco da Asa e os pequenos Babydoll de Nylon, Bloco da Tesourinha, Aparelhinho e Bloco das Perseguidas, que, mesmo com pouco tempo de história na capital, conseguiram o feito de agregar público e animação aos mais tradicionais, alguns já bem moribundos, é preciso que se diga. No ano passado, os jovens que foram para a rua curtir os novatos acabaram conhecendo os antigos. O resultado? Segundo a Liga dos Blocos Tradicionais de Brasília, aumentou em 30% o número dos foliões nos blocos veteranos.
Nesta edição, a Revista conta histórias de quem é reincidente na folia de rua da capital. E sem reclamar.
; de popstar
No bloco Suvaco da Asa, o "palhaço" John Blau sente-se em casa. Já é reconhecido, a ponto de muitos foliões pedirem para tirar foto com ele. "Algumas delas comentam que têm fotos comigo de outras edições do Suvaco. Tenho até o costume de procurar essas imagens no Facebook e no Google", conta. O interesse é justificável: de todos os amigos que o acompanham ; normalmente um grupo de 15 pessoas ;, ele é o único que se fantasia.
Os foliões brasilienses ainda se fantasiam pouco, então os que encarnam um personagem viram quase celebridades. Como Leandro Pontes, 28, Francisco Brasil, 26, Paulo Lara, 25, e Otávio Salas, 25, e mais quatro amigos, que, no ano passado, foram ao Suvaco fantasiados de viúvas. Cada um com quase 2m de altura e saltos enormes. Difícil não notá-los. Neste ano, estavam de "prisioneiras popstars", em referência às artistas estrangeiras consideradas divas, como Rihanna e Lindsay Lohan.
O grupo, inicialmente formado por oito pessoas, hoje, é composto por 15 integrantes. É difícil conversar com eles e fotografá-los no meio de tanta gente que quer fazer a mesma coisa. "Estamos cheios de fotos por aí que mal sabemos que existe", brinca Leandro. Mas é isso mesmo que eles querem. "Nosso lema é diversão. Queremos todo ano fazer algo diferente e divertir a gente e os outros", explica Francisco. Eles até já sabem qual a fantasia do ano que vem, mas pedem segredo. O sucesso é garantido. "É só um ano, mas já é tradição. Todo mundo nos reconheceu do ano passado", garante Paulo.
; de Itamar
A única edição do Pacotão que Jafé Tôrres perdeu foi a primeira. "A gente não consegue largar mais, não", admite. De nome, pode ser difícil saber quem ele é. Mas é impossível não reconhecê-lo, afinal, sem poder escapar da semelhança, Jafé acabou sendo reconhecido na cidade inteira como o homem que se fantasiava de Itamar Franco em todo carnaval ; tanto no Pacotão quanto no Galinho, os dois blocos brasilienses dos quais o pernambucano mais gosta.
De 21 carnavais, o do ano passado foi o primeiro em que ele não foi fantasiado do antigo presidente. Depois da morte de Itamar Franco, em 2011, ele achou que deveria aposentar a fantasia. No ano seguinte, foi a despedida: "Eu me fantasiei, pela última vez, de Itamar Franco. Mas era ele de anjo, voltando para se despedir do Pacotão". No ano passado, abriu mão da cara do ex-presidente. Apesar disso, ele continua frequentando o Pacotão e promete uma surpresa para o bloco deste ano. "Tenho certeza de que vai cair no gosto do pessoal", conta, sem querer revelar o que vem por aí.
Jafé não compartilha muito do saudosismo de muitos foliões de longa data que torcem a cara para o Pacotão de hoje. De fato, já não é o mesmo. Os ideais políticos são mais variados, a banda com instrumentos de sopro deu lugar ao trio elétrico, as marchinhas são outras e as pessoas se preocupam menos com fantasias. Mesmo assim, alguns foliões dos primórdios do grupo continuam fãs até hoje, tanto pela diversão, quanto pela história de 36 anos que o bloco carrega. História que se mistura à do país, à de Brasília e às dos primeiros habitantes daqui.
Vale relembrá-la. Contra o regime militar valia tudo. Inclusive se divertir. Com a repercussão do Pacote de Abril, um conjunto de leis questionáveis outorgado em 1977 pelo então presidente, Ernesto Geisel ; incluindo o fechamento temporário do Congresso Nacional ;, jornalistas começaram a se unir com a intenção de protestar. Sem dinheiro algum do governo, apenas doações de outros jornalistas, eles organizaram o bloco do Pacotão, nome escolhido em alusão à medida do ditador. O nome real do bloco era complexo e jamais caiu na boca do povo: Sociedade Armorial Patafísica e Rusticana.
"Foi um protesto fantasiado de folia de carnaval e uma folia de carnaval fantasiada de protesto", conta o jornalista e organizador Luiz Joca. Para muitos, a farra do bloco começou mais cedo. Muito antes do início do feriado, organizadores e suas famílias, inclusive crianças, reuniam-se no Clube da Imprensa para fazer faixas, todas com críticas ao governo, e no bar Chorão, na 302 Norte, para bater papo. Era o boteco oficial da galera do Pacotão. Para o alarde ser ainda maior, veio a ideia de desfilar na contramão. Assim o fizeram.
Nessa época, Joana Praia era uma das crianças que ajudavam com as faixas. Ela começava a festejar cerca de um mês antes e não parava até o fim do Pacotão. A época trouxe memórias e companhias atemporais. "Na farra, eu acabei fazendo amigos pra vida inteira", emociona-se, citando os personagens da época: "Tinha o grupo das grávidas, os homens vestidos de mulheres e várias outras ;personalidades;."
Leia a reportagem completa na edição n; 459 da Revista do Correio.