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Quando a realidade se descortina

Devemos todos buscar uma conexão com o momento presente, ensina Pat Coffey, um dos principais divulgadores da meditação vipassana no mundo

Juliana Contaifer
postado em 16/03/2014 08:00

Pat Coffey, 65 anos, é um dos ícones da meditação mundial. O americano começou a meditar na década de 1970, influenciado por um amigo iogue. Ao longo dos anos, tentou vários tipos de prática contemplativa até descobrir a insight meditation ou vipassana, um tipo de meditação contemporânea, que se encaixa na vida dinâmica que leva (o americano é empresário e pai de dois filhos). Pat estudou com diversos monges asiáticos, passou cinco meses em silêncio para se conhecer melhor e, há 40 anos, dá aulas nos Estados Unidos e em outros países. "A vida é um mistério, e a mente humana também. Nunca vamos conseguir entender tudo, mas é superdivertido aprender cada vez mais", conta.

Pat é cocriador de um projeto que leva meditação para dentro de um presídio de segurança máxima e é professor da Spirit Rock Meditation Center, na Califórnia, onde trabalha com grandes nomes da meditação, como Jack Kornfield e Joseph Goldstein. O americano esteve em Brasília para ministrar uma palestra na Sociedade Vipassana de Meditação e comandar um retiro silencioso de 10 dias durante o carnaval. Antes de mergulhar no silêncio absoluto, conversou com a Revista. Confira:

Devemos todos buscar uma conexão com o momento presente, ensina Pat Coffey, um dos principais divulgadores da meditação vipassana no mundo

O que é a meditação insight e por que ela é diferente das outras?
A meditação insight significa ver todas as coisas do mundo com mais clareza, entender a natureza, como ela funciona, aceitar que ela não é permanente e que ela é imutável. Nós nos fechamos para o sofrimento e é importante entender isso mais profundamente, aceitar que as coisas acontecem porque a natureza não funciona assim. A meditação é entender cada vez mais nosso mundo interno e os relacionamentos. Quando uma pessoa começa a praticar a meditação insight, ou vipassana, eu gosto de falar sobre algumas áreas. A primeira é a integridade pessoal, que é se você está sentindo ou fazendo algo que vá machucar si mesmo ou aos outros. Estamos sempre olhando para esse aspecto, de como você se sente quando faz mal a outras pessoas. Treinar a mente é como treinar um filhote de cachorro que está fazendo uma grande bagunça. Você não vai maltratar o filhote, mas educar com gentileza. É isso que fazemos com a mente: nós a treinamos para ela passar cada vez mais tempo no presente, o que permite o relaxamento do corpo e a manifestação da criatividade. Você percebe mais claramente o que está acontecendo. É quando vem o "insight", que faz entender o que está errado nos relacionamentos, ou por que seu chefe está nervoso. Ao mesmo tempo, trabalhamos a compaixão, e existem meditações para isso, assim como aquelas específicas para o amor e amizade, a felicidade e o equilíbrio. Ao meditar cada vez mais profundamente, abre-se espaço para os insights.

Uma das principais vertentes da meditação que o senhor defende é a meditação para a vida contemporânea. Com a falta de tempo e de paciência das pessoas, como é possível incorporar a meditação na rotina?
Nós temos tanta pressão todos os dias na sociedade moderna, espera-se que façamos tantas coisas, melhor e mais rápido. As pessoas dizem que não tem tempo para se sentar e se comprometer a relaxar, a meditar. Isso me faz lembrar de uma estudante minha. Ela tem seis filhos ; o mais velho tem 9 anos e dois precisam de cuidados especiais. E, mesmo assim, ela quer aumentar sua prática de meditação. Ela nem tem tempo para dormir, mas o que ela pode fazer é, enquanto estiver trocando as fraldas do filho dela, estar lá ; sentindo a fralda e o bebê, vendo o bebê, prestando atenção e não pensando em fazer comida para seis crianças. Pelo menos por alguns minutos, ela pode focar no que está fazendo, no presente. E esse momento constrói concentração e consciência mental, esse é um momento de reflexão e ninguém precisa saber disso. Até as pessoas mais ocupadas podem arranjar tempo. Se você está dirigindo seu carro, com as mãos no volante, desligue o rádio e sinta o carro, sinta o corpo no banco, sinta os pneus na estrada, só por alguns momentos. Quando o telefone toca, não é preciso atender de primeira. Deixe tocar duas, três vezes, e, nesse tempo, sinta o seu próprio corpo, perceba que ele existe. Qualquer momento em que não estamos nos preocupando e planejando as coisas é importante. E não custa nada. Seria ótimo se todos conseguissem achar um momento para se sentar e meditar ao longo do dia.

As pessoas falam muito sobre a dificuldade em manter a concentração durante a meditação. Para meditar, é importante manter a mente controlada?
Não é uma coisa ruim que a sua mente viaje ; isso é uma questão de sobrevivência. Nossos ancestrais moravam em cavernas e precisavam estar alertas o tempo todo, planejando para sobreviver. É uma qualidade muito bonita, mas nos esgota. Hoje, nossas vidas não estão em perigo, não precisamos estar tão preocupados em nos defender de futuras ameaças. É importante aprender a relaxar a mente e fortalecê-la para fazer frente à sociedade que nos obriga a fazer tudo cada vez mais rápido. É aí que os benefícios para a saúde aparecem. Sem relaxamento, a tendência é ficar cada vez mais tenso e doente.

Como surgiu a ideia de trabalhar com detentas? Como é trabalhar com pessoas que tiveram uma vida tão difícil?
A ideia surgiu há 10 anos. Na prisão, existem alguns terapeutas de saúde mental e muitos deles vinham para as nossas aulas de meditação e nos convidaram para entrar na prisão de segurança máxima Blue Ridge para ensinar as detentas. Começamos em 2004 e, agora, temos 10 professores lá, são cinco ou seis aulas por semana e são 1.200 detentas. Nós temos sempre 100 ou 150 pessoas na lista de espera para os nossos grupos, pois não temos espaço para todas ao mesmo tempo. Grupos pequenos permitem que as alunas se relacionem e conversem e mulheres gostam disso. Então damos bastante tempo para interação com os professores. Todas elas foram traumatizadas fisicamente, psicologicamente ou sexualmente. Temos que ser cuidadosos na hora de ensinar. Não pedimos para que elas fechem os olhos, pois pode causar uma reação de medo. Algumas vezes, até prestar atenção na respiração pode dar medo, se elas tiverem sido sufocadas alguma vez na vida. É muito gratificante trabalhar lá, elas nos amam e, ao longo dos anos, fomos criando relacionamentos. É fácil perceber a melhora. A maioria, na primeira vez que foram ao nosso grupo, estava com o que chamamos de cara de cadeia ; duras, contraídas. Elas foram traumatizadas e estão prontas para reagir a qualquer minuto, afinal, é um ambiente horrível. Ensinamos que elas não precisam reagir aos insultos ; elas podem sentir a raiva queimando, os músculos se enrijecendo e podem também sentir essa emoção toda ir embora, pois foi só mais uma das milhões de emoções que elas sentiram ao longo do dia. E é possível perceber elas se tornando mais leves e calmas com a meditação. Muitas das detentas conseguem sair da prisão e eu realmente acho que poucas delas são realmente perigosas. Costumo dizer que, se elas tivessem um trabalho, um amigo e talvez um terapeuta, estariam muito bem.

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