postado em 25/05/2014 08:00
No início do século 20, quando as mulheres ainda brigavam por um espaço na sociedade e no mercado de trabalho, uma canadense dava seus primeiros passos rumo à criação de um império da indústria cosmética. Florence Nightingale Graham, eternizada nos rótulos de suas embalagens como Elizabeth Arden, não apenas revolucionou o conceito de maquiagem, como criou o de day spa. Garimpamos em um brechó de Brasília um livreto, o Instrucções de Belleza Elizabeth Arden, no qual ela dá dicas de como usar corretamente os seus cosméticos. Hoje, os produtos ainda são altamente populares - e sempre lembrados pelas brasileiras em viagem ao exterior. O hidratante Eight Hour Cream, lançado em 1934, fez tanto sucesso no seu lançamento que acabou ganhando o apelido de "miracle cream" (creme milagroso). Foi relançado em 1989 para nunca mais sair de linha - o produto tem fama de operar milagres em peles ressecadas. "Esse ganhador de múltiplos prêmios Best of Beauty virou destaque também nos backstages: os maiores maquiadores passam o creme nos lábios das modelos e até nas pálpebras para uma hidratação rápida e um brilho molhado sensual", definiu a revista especializada Allure, considerada um guia das novidades de beleza e responsável por um dos mais alvoroçados prêmios do mercado, concedido duas vezes à criação de Elizabeth Arden.
Florence Nightingale estudou enfermagem e começou suas primeiras experiências cosméticas na cozinha de casa, usando gorduras e leites. Os cheiros resultantes das combinações não agradavam muito à vizinhança. A coisa não foi muito bem até os seus 30 anos, quando ela decidiu deixar o Canadá e se aventurar em Nova York. Era 1908. Por lá, conheceu um químico com quem começou a exercitar sua formulação do "creme perfeito". Trabalhando em um salão de beleza, aprendeu as manhas da profissão de esteticista.
Sua marca nasceu oficialmente em 1910, com US$ 6 mil emprestados de um irmão, em endereço nobre, na Quinta Avenida. Inaugurando o conceito de day spa no mundo, a empresária fez da Grande Maçã o principal destino de quem buscava serviços de manicure, limpeza de pele e frascos do creme Arden (inspirado no poema de Alfred Lord Tennyson, Enoch Arden). Diante do sucesso, passou a assinar como Elizabeth Arden, uma homenagem dupla: à sócia, Elizabeth Hubbard, e ao creme-sensação.
Outro pioneirismo foi o lançamento, em 1912, de uma linha de maquiagem com muitas cores de sombra e batom, inspirada no "total look" das francesas (combinando cores nos olhos e na boca). A diversificação e a democratização da maquiagem, antes restrita a dançarinas e a atrizes de cinema, são méritos da canadense. Na Segunda Guerra Mundial, o batom Montezuma Red causou furor. O público-alvo? Mulheres que serviam nas Forças Armadas.
Nos anos 1930, sua marca já tinha mais de 600 produtos e era vendida nas principais capitais do mundo - no Brasil, inclusive. Os capítulos de Instrucções de Belleza Elizabeth Arden esmiuçam temas como: tratamentos para a noite; as diferentes bases para pó de arroz; cravos; para clarear a cútis; olhos e "maquillage".
"Si pequenos vasos sanguíneos forem vistos atravez de sua péle, deverá tratar essas partes do rosto com extrema delicadeza, evitando sempre golpes fortes e movimentos bruscos. Nunca aplique gelo, nem cremes para clarear ou preparados adstringentes de reação muito ativa. Necessario se torna evitar bebidas quentes, alimentos acidos e reduzir tanto quanto possível a alimentação de carne. O único preparado aconselhável é o ;Creme Velva;, por tratar-se de um creme muitíssimo suave", ensina, em português da época, o manual. Segundo o livreto, a marca espalhava-se já por Nova York, Londres, Paris, Buenos Aires e Rio de Janeiro.
Os cremes, "preparados" e loções, no entanto, sumiram das lojas nacionais. A marca já fez duas tentativas de fincar pé no Brasil sem sucesso, segundo a empresa, por problemas com distribuidores e outras parcerias. Em 2012, voltaram a abrir filial por aqui, mas, desta vez, só os perfumes são vendidos no país. Ainda não há previsão de quando trarão as linhas de cosméticos e maquiagem.
De qualquer forma, o império que Arden deixou ao morrer, em 1966, aos 88 anos, ainda segue colhendo louros. Na época, a empresa já contava com faturamento de US$ 66 milhões anuais. Em 1970, foi comprada por Eli Lilly e, depois, em 2001, de novo pela FFI Fragances. De acordo com a revista Forbes, em 2009, o faturamento era de US$ 1,1 bilhão e o valor de mercado, estimado em US$ 562,5 milhões.