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A nova imagem de Brasília

Jovens designers e artistas nascidos aqui usam os símbolos da cidade para retratar e mostrar, com orgulho, as belezas da capital para o resto do Brasil e até do mundo

Brasília não é mais a mesma. Claro, a arquitetura continua a mesma, os políticos continuam (basicamente) os mesmos, a terra vermelha e a seca continuam as mesmas, o lindo céu azul e o Lago Paranoá continuam os mesmos. Apesar dos muitos carros e do trânsito complicado, fisicamente a cidade praticamente não mudou desde a inauguração. Foram os brasilienses que mudaram. Aprenderam que a cidade-parque foi feita para ser explorada, ocupada e aproveitada. Que as linhas de Niemeyer são mais poéticas do que o concreto deixa transparecer, que os ipês coloridos combinam sempre com o azul sem nuvens da seca, que o pôr do sol visto da praça do Cruzeiro é um dos mais lindos do mundo.

Mas, para quem é de fora, quem nunca pisou os pés no Planalto Central, a capital continua sendo política e arquitetura. Aquela cidade estranha, sem esquinas, na qual ninguém se encontra na rua. A cidade das panelinhas e dos grupinhos, das pessoas frias, que não cumprimentam os vizinhos no elevador.

Se nos anos 1980 os responsáveis por mudar a imagem da cidade foram os roqueiros com suas músicas de protesto, hoje quem tem esse papel são os designers. Inspirados desde pequenos pelas linhas de Niemeyer e pela vivência do modernismo, os brasilienses cresceram ao lado dos ícones da cidade e, agora, são responsáveis por representar uma Brasília bem menos literal e burocrática. Muiito além das miniaturas da Catedral em pedra sabão, hoje os produtos vão de sensíveis postais de ipês em aquarela a joias em madeira reciclada que representam o Eixo Monumental; de móveis inspirados nos pilotis a azulejos revisitados e placas de localização personalizadas.

"Por termos nascido aqui, temos uma visão diferente dos objetos, da arquitetura. Temos outra dimensão e escala de tudo. Brasília tem um milhão de referências boas de arquitetura, e passamos o dia inteiro bombardeados com informação, com arte", afirma o designer Aciole Félix. "A nossa geração foi criada com uma bagagem cultural diversa, com referências de todas as partes do Brasil. Meus pais são nordestinos, mas conheço famílias que vêm do sul do país. E aliado a tudo isso, temos uma cidade que tem um conceito completamente diferente", completa o designer Danilo Vale, que, com Aciole, forma a dupla criativa da Sartto Design, que projeta mobiliário inspirado nos ícones da cidade.

Nos móveis, é fácil identificar a influência que a capital federal teve no olhar dos designers. Se nos pés do banco Alvorada são claras as colunas do palácio que serviu de inspiração, em todos os produtos a cidade está presente, mesmo que não literalmente. Os pés das mesas e das cadeiras lembram o formato dos pilotis, e os acabamentos carregam as curvas de Niemeyer. A mesa Superquadra leva o cobogó, tão familiar ao brasiliense, enquanto o banco Orfeu tem a simplicidade do modernismo. "Queremos pegar essas referências da capital, juntar com as outras gerais e levar isso para fora, para outros estados. O objetivo é levar a identidade de Brasília para fora do quadradinho", explica Aciole.

A Sartto Design ainda não é conhecida no Brasil e até em Brasília, mas o reconhecimento internacional já chegou. Até hoje, os móveis estão expostos na Paris Design Week. "Recebemos o convite para ser um dos estúdios nacionais a representar o Brasil lá fora, e a busca deles eram por designers que estivessem produzindo coisas novas e diferentes relacionadas ao país de origem. É um grande reconhecimento para nós. Normalmente, o design brasileiro é identificado por profissionais de Minas Gerais ou do eixo Rio-São Paulo. Foi superbacana ter essa atenção para Brasília", vibra Danilo.

Do DF para NY
Se ainda há dúvidas que Brasília é uma obra de arte, o Museu de Arte Moderna (MOMA) as apaga. No acervo do famoso museu nova-iorquino, sob o mesmo teto em que estão expostos quadros de Pablo Picasso e Henri Matisse, já estão as placas de sinalização brasilienses, apesar de só estarem disponíveis para visitação em 2015. Também no ano que vem, uma exposição sobre a arquitetura latina levará mais alguns ícones da capital ; fotografias da construção, plantas originais e uma projeção do Plano Piloto.

Para aumentar ainda mais a presença da capital brasileira na cidade americana, de 25 a 28 de setembro, durante a New York ArtBook Fair (NYABF14), 35 artistas independentes da capital, entre gravuristas, ilustradores, artistas plásticos e fotógrafos, vão expor os seus trabalhos, graças à Galeria Ponto, que foi selecionada para participar da feira. Como é difícil viajar em cima da hora, foi criada a hashtag #EuqueroverBsbnoMoma e um programa de financiamento coletivo no site Catarse.me (catarse.me/pt/euquerobrasilianomoma) para ajudar com os custos da viagem.


Ícones candangos
Este ano, para inspirar ainda mais o uso da cidade como musa, o Sebrae coordenou uma pesquisa para definir quais são os ícones de Brasília, os símbolos que marcam o Distrito Federal, aquelas imagens que lembram sempre a capital. "Entrevistamos mais de 300 formadores de opinião da cidade, artistas, arquitetos e pessoas que podiam contribuir, validando vários ícones do DF, entre fauna, flora, arquitetura e manifestações culturais. Esse estudo iconográfico é um estimulo à criatividade do artista e do setor produtivo como um todo. É assim que conseguimos disseminar a cultura de Brasília, remeter o turista à lembrança da cidade", conta Auxiliadora França, gerente da Unidade de Atendimento Coletivo de Comércio do Sebrae ; DF e responsável pelo estudo.

Os resultados foram amplos: do lobo guará à ponte JK, da flor do cerrado à festa do calango voador, dos azulejos de Athos Bulcão à Igreja de Brazlândia, foram definidos 49 ícones que reforçam a cultura do Planalto Central. O passo seguinte foi convidar artistas da cidade para aplicá-los em produtos que tivessem a cara da capital. O artesão Paulo de Paula foi um dos artistas escolhidos. Ele começou a trabalhar com cerâmica há 24 anos, e o local das primeiras aulas não poderia ser mais brasiliense: o Museu Vivo da Memória Candanga, lar dos primeiros operários que vieram pôr de pé a capital federal. "Sempre tive uma atração muito grande pela argila, adorava ver pessoas modelando nas feiras da cidade. Nessa necessidade de aprender, conheci o curso dado pelo professor Nicodemos, um dos ceramistas mais importantes da cidade", lembra. Brasília sempre foi fonte de inspiração para Paulo. Ele lembra que o concreto, um dos materiais mais importantes dos monumentos da capital, também é cerâmica.

Cada um dos artistas escolhidos recebeu a pesquisa impressa. Paulo, por exemplo, aprendeu a misturar as cerâmicas quentes e frias e a ter um olhar mais limpo e claro, assim como é a cidade. "Uma das minhas maiores inspirações é o Catetinho, um dos ícones mais importantes de Brasília, e a Torre de TV digital, a flor do cerrado, que é bastante moderna", conta. Segundo o artesão, é preciso continuar fortalecendo a simbologia da cidade, mas, ao mesmo tempo, defender a identidade de cada artista ; quando um turista visita a cidade e leva um souvenir, a lembrança é dos dois.

O uso dos ícones de Brasília em produtos novos, mais atraentes e modernos, atrai os turistas. "Quando alguém vai a uma cidade nova, quer levar algo que lembre o lugar, e esses produtos remetem à capital", justifica Auxiliadora França. Mais do que isso, estes produtos modernos inspirados nos ícones da cidade podem ajudar a mudar a imagem da capital.

Suvenires para os brasilienses
Brasília nunca serviu tanto de inspiração para a produção artística da cidade quanto agora. "Estamos vivendo uma explosão cultural de novos artistas impressionante, é algo sem precedentes. Temos vários jovens retratando a cidade de uma forma diferente do que era até então ; com o artesanato convencional da Torre. Acho que essa nova geração vê a cidade de outra forma." É o que afirma a empresária Thatiana Dunice, proprietária da Bsb Memo, que começou vendendo camisetas no porta-malas do carro para amigos e hoje tem uma loja física e oferece porta-copos de azulejos, ímãs de geladeira, plaquinhas, xícaras, guarda-chuvas e, é claro, as camisetas ; tudo inspirado em Brasília, nas linhas minimalistas e nos ideais modernistas. "Por termos nascido aqui, temos essa relação afetiva com a cidade. As memórias de infância, de brincar debaixo dos prédios, entre os pilotis, de andar pelas superquadras, tudo isso influencia o nosso trabalho", conta a empresária, que cria os produtos com o marido, o designer e arquiteto Raffael Innecco.

Para ela, essa geração mais jovem de designers e arquitetos sempre teve adormecida a vontade de representar a cidade, mas só agora está começando a colocar a arte na rua. E, apesar de a cidade ter mudado, a inspiração dos artistas realmente remete aos ideais que fazem Brasília única. "É o que dá margem para a criação de produtos tão diferentes, é um lugar que provê elementos para se fazer arte de forma muito interessante. Oscar Niemeyer todo mundo já sabe e conhece, mas o projeto urbanístico da cidade está começando a ser desvendado agora. Os projetos dos pilotis, as escalas, tudo está chamando mais atenção", afirma a empresária.

Apesar de sua loja ter um público considerável de turistas indicados pelas embaixadas, Thatiana conta que o morador de Brasília ainda é o maior comprador. Sim, quem mora na capital compra lembrancinhas da própria cidade, não para se lembrar de como ela é, mas como uma forma de levar para dentro de casa o cotidiano e a beleza da cidade modernista. "O brasiliense tem vontade de enaltecer a cidade, e ter um pedaço dela dentro de casa é o jeito que ele achou de homenageá-la. Brasília é linda, e temos artistas que participaram da concepção inicial da cidade e vivemos com essa arte todos os dias. Athos Bulcão, por exemplo. Está por todos os lados em Brasília, mas quem não gostaria de ter uma obra dele dentro de casa?" É por isso que os azulejos inspirados na obra do artista plástico, acredita Thatiana, são sucesso de vendas.

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