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O poder cidadão

No dia da maior festa da democracia, contamos a história de pessoas que fazem política no cotidiano, defendendo o meio ambiente, a preservação urbana, os animais, as minorias, as crianças. Para isso, elas não precisam de nenhum cargo

Juliana Contaifer, Gláucia Chaves
postado em 05/10/2014 08:00
No dia da maior festa da democracia, contamos a história de pessoas que fazem política no cotidiano, defendendo o meio ambiente, a preservação urbana, os animais, as minorias, as crianças. Para isso, elas não precisam de nenhum cargoAcreditar em algo com tanta força que a vontade de explicar a todos sobre a importância daquilo se torna irresistível, quase como um impulso incontrolável. Para ativistas, essa é uma sensação constante. Brasília conta com um time expressivo de militantes. Seja no Congresso, seja nas ruas, essas pessoas fazem protestos, promovem ações e propõem mudanças em leis para garantir que suas vozes sejam ouvidas. Mas de onde vem a vontade e a disposição de brigar por algo? Perguntamos a militantes de causas diversas, que atuam em Brasília, o que os motiva a enfrentar críticas, questionamentos e, muitas vezes, desprezo, quando se transforma as crenças em bandeiras de luta.

Cerrado que te quero verde
"O ativismo do cerrado é a cara dele. É resistente, discreto. Exige mais sensibilidade do olhar. U0ma das características preementes do cerrado é a sua resistência. A militância e o ativismo no cerrado refletem a paisagem ; por vezes, pode parecer discreta, mas é antiga e os laços são estreitos como as raízes de cerrado, que são profundas na terra e que estão profundamente ligadas. Enfrenta adversidades, mas segue resistente."

A autora dessa afirmação é a antropóloga Mônica Nogueira, 42 anos. Talvez por ter crescido na capital, cercada pelo bioma, brincando entre os galhos secos dos pequizeiros e tomando banho na nascente do córrego Olhos D;Água, ele se tornou tão importante para ela. Mônica conta que desenvolveu um vínculo afetivo muito grande com a paisagem ao longo dos anos de militância.

Na universidade, a área de Mônica era a socioambiental, com destaque à região da caatinga ; ela, inclusive, fez parte da elaboração do Plano Nacional de Combate à Desertificação. Foi uma oportunidade profissional que a aproximou do cerrado. "Fui convidada para um programa que dava atenção ao cerrado. Acabei me integrando à equipe e tive o primeiro contato com a Rede Cerrado", lembra. A Rede reúne cerca de 300 organizações empenhadas em proteger o segundo maior bioma do Brasil, seus povos e comunidades tradicionais. Mônica tornou-se coordenadora da Rede e diretora da ONG A Casa Verde, em um trabalho que durou 15 anos.

A antropóloga conta que a situação do cerrado, não só em Brasília, é crítica. Se aqui o que sobrou do bioma sofre todos os dias com a especulação imobiliária, que quer destruir a mata para construir mais prédios, no resto do país o cerrado é ainda mais ameaçado. "O cerrado tem uma representação histórica negativa, e, de um modo geral, a sociedade o vê como uma paisagem feia e pobre ; baseado nessa visão, houve uma decisão política de que é preciso abrir mão do cerrado para salvar a Amazônia, por exemplo. O cerrado está sendo rifado, e é cada vez mais difícil fazer frente a essa ofensiva", afirma. Segundo ela, o morador de Brasília ainda não está confrontado com essa realidade, que é um pouco mais rural.

À frente da Rede do Cerrado e da ONG A Casa Verde, Mônica ajudou a organizar vários eventos de conscientização da importância do cerrado, entre eles o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado e corridas de tora na Esplanada dos Ministérios. Tudo para chamar a opinião pública à razão, mostrar o que vai ser perdido com o desmatamento do bioma e fazer pressão no governo. Há cinco anos, a antropóloga deixou os cargos, mas não a militância, para se dedicar à Universidade de Brasília.

Segundo ela, a universidade tem um capital simbólico importante, contribui na construção do pensamento. "E a militância também tem um limite. Brinco muito que eu tenho a cota da militância, coloco a mão no bolso e ajudo a pagar passagem, levo as pessoas para casa, ajudo mesmo. Eu precisava de outro jeito de me viabilizar e a criação do câmpus de Planaltina, que oferece o curso de gestão ambiental, me atraiu para a universidade. Me pareceu um bom jeito de me reposicionar sem ter que sair da militância", conta.

Em defesa do projeto inicial
Em 2011, um projeto que previa a construção de uma quadra hoteleira na 901 Norte assustou aqueles que procuram proteger a cidade. "Tivemos a notícia de que o governo queria fazer esse complexo por causa da Copa e seria, em termos urbanísticos, totalmente errado e contra o projeto da cidade. Houve uma mobilização pela internet e grupos de e-mails para organizar um manifesto, explicando por que a quadra não deveria ser aprovada ; 240 arquitetos e professores assinaram o documento. Foi aí que começou o Urbanistas por Brasília", conta o arquiteto Cristiano Nascimento.

Hoje, o grupo deixou os e-mails para trás e reúne 180 pessoas em uma página fechada no Facebook, que faz as vezes de fórum de discussões. Os Urbanistas se manifestam em causas que consideram importantes, com o intuito de alertar a população que, muitas vezes, não sabe as mudanças que estão prestes a acontecer.

Segundo o professor e arquiteto Frederico Barboza, a população brasiliense ainda não entende que a cidade é um centro histórico, talvez por ser muito nova, e, por isso, não se manifesta contra mudanças no plano original. "Se fizéssemos um paralelo com o centro histórico de Olinda, por exemplo, a população seria maciçamente contra a presença de edifícios de 30 pavimentos, porque eles entendem que aquela construção fere o patrimônio histórico. Brasília é um centro histórico conturbado, nascido de um país conturbado, que foi construída em meio a polêmicas, mas que é uma experiência única, é o registro de uma época", afirma.

O Urbanistas por Brasília foi criado para servir de vigia do projeto inicial da capital modernista. Um grupo que faz pressão no governo e na sociedade para garantir que a cidade continue um Patrimônio Cultural da Humanidade. "Escolhemos esse nome porque são pessoas que entendem da cidade, urbanistas, que estão dando feedback de interesse da sociedade. Somos técnicos, analisamos tecnicamente, mas é a população que vai sofrer as consequências", afirma a arquiteta Klely Schwartz.

Uma das maiores lutas do Urbanistas por Brasília é contra a aprovação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico (PPCub). O objetivo do Urbanistas por Brasília era frear a aprovação para que ele fosse mais discutido e revisado. "Fazemos toda essa movimentação porque o PPCub compromete a qualidade de vida de Brasília como um todo à medida que promove um adensamento populacional, transformando áreas verdes em construções. Outra preocupação é com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Se o PPCub for aprovado da forma como está, sem participação efetiva da sociedade, esse título será colocado em risco", explica a arquiteta Leiliane Rebouças.

Leia a reportagem completa na edição n; 490 da Revista do Correio.

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