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Os mestres cervejeiros estão entre nós

Eles são pacientes, assíduos, perseverantes e podem ser seu vizinho. Trazem consigo panelas, serpentinas e porções de malte e lúpulo. O fruto do seu precioso trabalho é uma bebida digna dos deuses

Juliana Contaifer
postado em 14/12/2014 08:00
Eles são pacientes, assíduos, perseverantes e podem ser seu vizinho. Trazem consigo panelas, serpentinas e porções de malte e lúpulo. O fruto do seu precioso trabalho é uma bebida digna dos deusesA cerveja é a bebida alcoólica mais consumida no Brasil. Depois do futebol, pode ser considerada uma paixão nacional. É um lubrificante social. As pessoas se reúnem ao redor dela para conversar, discutir e relaxar. Nosso clima tropical pede uma bebida leve e refrescante para os dias mais quentes. Tem gente que exagera e quer que a garrafa venha "mofada", com aquela camadinha branca de gelo. Para acompanhar, um tira-gosto frito. Costumava ser simples assim. Mas as coisas mudaram: o prazer pela "breja" está cada vez mais sofisticado.

Desde o começo dos anos 1990, o brasileiro vem experimentando um aumento na renda familiar e, como consequência, adotou novos padrões de consumo. Ficou fácil encontrar cervejas especiais no mercado, e isso abriu a mente das pessoas para a possibilidade de fazer a própria cerveja. Do ponto de vista econômico, também vale a pena: enquanto uma garrafa especial custa cerca de R$ 20, a bebida feita em casa sai por R$ 4 ao cervejeiro amador. Não é preciso um espaço muito grande nem equipamentos complexos. Só vontade de começar.

Além de tudo, há a liberdade total para instigar o paladar. Na cozinha de casa, é possível, por exemplo, recriar cervejas clássicas com toques de frutas brasileiras. Dá para inventar receitas e trocar as produções com os amigos e, com isso, provar centenas de cervejas diferentes.

"Fazemos cerveja porque não tem nada melhor do que chegar em casa depois de um dia estressante, sentar-se no sofá, ligar a televisão e abrir a minha própria cerveja, que eu fiz, com exatamente o gosto que me agrada", conta Hilmar Raposo Filho, membro da Associação dos Cervejeiros Artesanais (Acerva) de Brasília.

"O maravilhoso de todo o processo é servir a cerveja que eu fiz para os amigos", afirma a cervejeira Tatiana Rotolo, 38 anos. Muita gente gosta do processo em si, que não é fácil. Demanda investimento inicial com equipamento, ingredientes e, principalmente, tempo ; uma brassagem (ver vocabulário) leva, pelo menos, cinco horas e, para chegar ao copo, mais um mês, dependendo do tipo de cerveja. "Acho fantástico que eu sou capaz de transformar grãos em uma cerveja gostosa", explica o cervejeiro Rodrigo Baqueiro, 41 anos. Quem produz garante: vale cada minuto.

Pioneiro em Brasília
Há um pouco mais de 10 anos, o professor universitário Rodrigo Baqueiro, 41 anos, fez um mochilão pela Europa. Conheceu o velho continente e descobriu que não sabia o que era cerveja. "A cerveja de lá tinha sabor, aromas, estilos diferentes. É o tipo de descoberta que não tinha muita volta. Quando retornei ao Brasil, só encontrava as cervejas de massa, não vendiam as importadas. Ouvi dizer que alguém tinha feito, pesquisei e resolvi fazer a minha", lembra.

Na época, Rodrigo não conhecia mais ninguém que fizesse cerveja e que pudesse ensiná-lo. Comprou livros e vasculhou a internet, foi testando e aprendendo. Encontrou, no interior de São Paulo, uma empresa que estava começando a vender os insumos. Importou alguns equipamentos. No erro e acerto, começou a produzir boas cervejas. "O engraçado era que eu não tinha referência. Fazia uma cerveja que eu nunca tinha tomado e não tinha como saber se estava certa. Eu conseguia fazer a receita, mas não conseguia comprar aqui", lembra. O professor explica que o que ele gosta mesmo é do processo de produção ; o que lhe agrada é a transformação dos grãos em cerveja.

"Diferentemente de quando eu comecei, o cenário hoje é muito propício para quem quer fazer cerveja em casa. Pela internet, é possível comprar qualquer equipamento, todo tipo de grão, leveduras das mais variadas; Hoje, é mais fácil começar o hobby, que é prazeroso e resulta em um ótimo produto", explica. O professor lembra que, no início dos anos 2000, algumas cervejas importadas começaram a ser comercializadas, e foi aí que o brasileiro descobriu que cerveja poderia ter variedade. Rodrigo conta que, vivendo no mundo da cerveja, sempre teve vontade de abrir um negócio no ramo. Este ano, realizou o sonho ; abriu um estabelecimento especializado em chopes especiais. "Hoje você não toma uma cerveja, você toma junto a história dela."

Vocabulário
Brassagem: é a produção da cerveja.
Arriar o malte: despejar o malte na água.
Bazooka: o filtro que separa o malte e as cascas do líquido.
IBU: é um índice de amargor internacional (Internacional Bitterness Unit). Uma cerveja com pouco amargor tem 13 IBUs, enquanto as mais fortes têm cerca de 40 IBUs.
Carbonatação: processo químico responsável pelo gás da cerveja e, consequentemente, pela espuma.

Leia a reportagem completa na edição n; 500 da Revista do Correio.

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