Todo ser vivo vem com um manual de instruções. De modo bem simplificado, esse seria o papel do mapeamento genético possibilitado pela divulgação dos primeiros dados do Projeto Genoma, no fim dos anos 1990. Ao entender como os genes funcionam, é possível prever os problemas e as avarias da máquina humana ; até mesmo como o corpo vai reagir ao consumo de determinados tipos de nutrientes. A resposta à dieta depende do que traz esse manual tão individual e intransferível. Assim, surgiu o conceito de nutrigenômica, que vem sendo usado desde então pelos profissionais da nutrição e promete, no futuro, oferecer dietas personalizadas para a genética de cada pessoa.
"Essa ciência busca compreender as funções dos genes e suas interações com a alimentação. O objetivo é promover a saúde e reduzir o risco de desenvolver doenças. A nutrigenômica pode ser entendida tanto como a influência da alimentação na atividade dos genes quanto como a influência dos genes na necessidade de nutrientes", esclarece a professora Carla Barbosa Nonino, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. "As diferenças podem explicar, por exemplo, por que nem todos conseguem baixar o colesterol ao reduzir apenas o consumo de gordura", acrescenta a pesquisadora.
Na prática, essas análises já são feitas rotineiramente em prescrições de dietas. Por exemplo, pacientes com tendência à hipertensão terão que adotar uma alimentação restritiva em sal, já que a genética deles sugere efeitos colaterais mais nocivos se comparado a alguém sem as mesmas propensões. Diabéticos também devem restringir o açúcar, uma vez que alimentos doces causam verdadeiros estragos em organismos programados para ter restrição a insulina. Da mesma forma, intolerantes a lactose e celíacos terão restrições alimentares. Atualmente, todos esses males podem ser identificados por exames genéticos.
O que a medicina ambiciona é ampliar a quantidade de testes aptos a identificar características altamente individualizadas. Assim, será possível prever patologias genéticas e reações, como alergias, por exemplo, provocadas pelos alimentos. "As pesquisas apontam um futuro no qual nossa alimentação será prescrita a partir do exame de DNA. Será levado em consideração o metabolismo de cada indivíduo e suas predisposições a determinadas doenças", esclarece Carla Barbosa.
A nutricionista brasiliense Gabriella Alves é uma das pesquisadoras sobre o tema. Ela conta que, quando entrou na faculdade, há quatro anos, pouco se falava do conceito. Hoje, a relação entre o DNA e o cardápio é uma das grandes apostas para uma vida mais saudável. Ela, por exemplo, realiza pesquisas com o leite materno, a principal fonte nutricional do bebê, que fornece troca de material genético entre mãe e filho nos primeiros meses de nascido. Quer analisar, entre outras coisas, se as microvesículas do leite materno, que contém material genético da mãe, são, ou não, destruídas no processo de pausterização, ou seja, durante a etapa de esterilização do leite materno doado e destinado à alimentação de crianças incapacitadas de receber aleitamento natural.
Além disso, Gabriella alerta sobre a necessidade de a mãe se alimentar bem antes de o bebê nascer e como isso interfere na saúde dos filhos. "O acompanhamento nutricional de quem quer engravidar é essencial para a prevenção de doenças na vida do bebê. O ácido fólico, por exemplo, previne a ocorrência de lábio leporino", comenta a nutricionista. "Estudos americanos feitos em ratos mostram ainda que os animais que receberam uma dieta hiperlipídica e rica em gordura saturada tiveram filhotes mais propensos a desenvolver câncer de mama", acrescenta, reforçando a importância entre os genes e a alimentação.
Saiba mais
Entenda como a relação entre a genética e a alimentação pode interferir no seu cardápio:
Quando começamos a falar desse conceito em nutrição?
O conceito de interação gene-nutriente que resulta em uma doença não é recente. Desde a primeira metade do século 20, já se conheciam doenças de origem genética, como, por exemplo, a fenilcetonúria, que ocorre devido a uma mutação no gene que codifica uma enzima responsável por converter a fenilalanina em tirosina. Pessoas com essa mutação não podem ingerir alimentos que contenham esse nutriente.
Como a genética pode definir a dieta humana?
Uma alimentação personalizada, baseada no DNA, representa alternativa promissora para estabelecimento de recomendações nutricionais mais direcionadas e efetivas para a promoção da saúde. Para que isso se torne realidade, é necessário que diferentes desafios sejam superados. Por exemplo, elucidar o impacto na saúde de milhões de SNPs (trocas ocorridas no DNA em que um nucleotídeo é trocado por outro) distribuídos nos cerca de 25 mil genes do genoma humano, bem como caracterizar a ação molecular de nutrientes. Para tanto, pesquisas deverão ter enfoque integrado e multidisciplinar, que leve em conta aspectos que vão dos genes à saúde pública.
Como a nutrigenômica poderá ser aplicada na prática?
Nutrição personalizada é baseada no princípio de que alimentos ou nutrientes podem ser fatores de risco ou de proteção para várias doenças. Este desempenho depende da predisposição genética do indivíduo, assim como esses alimentos podem regular a expressão do gene.
Dizer a um diabético que ele deve reduzir o consumo de açúcar ou a um hipertenso que precisa cortar o sal já é uma aplicação do conceito de nutrigenômica?
Nem sempre. Por exemplo, existe estudo mostrando que o risco da hipertensão associada a ingestão de café varia de acordo com o genótipo CYP1A2. A presença de determinada variação nesse gene está associado a um maior risco de desenvolver hipertensão, enquanto, para aqueles que não a apresentam, o café tem um efeito protetor. Na verdade, o nutriente pode ser bom ou ruim, dependendo da genética individual.
De que forma os estudos genéticos estão evoluindo para que a pessoas adotem dietas mais adequadas?
A aplicação da nutrigenômica em doenças pode fazer da terapia personalizada um sucesso ao se adequar os biomarcadores e as informaçõess corretas nos diferentes estágios da vida. Além disso, estudos recentes têm investigado variantes genéticas que podem estar associadas à predisposição à obesidade. Na verdade, a informação genética nos ajuda a entender os mecanismos moleculares envolvidos na doença.
Fonte: Carla Barbosa Nonino é professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.