Jornal Correio Braziliense

Revista

Brasileirinhos acima do peso

Bullying, diabetes, hipertensão, baixa autoestima. Essa é a realidade de muitas crianças que sofrem as consequências da obesidade

Durante muito tempo, os números na balança foram um tipo de preocupação exclusiva dos adultos. Diabetes, problemas cardiovasculares, hipertensão, além de brigas com a aparência e transtornos de humor nunca fizeram parte do rol de doenças que comumente acometem crianças e adolescentes. Foi-se o tempo. Hoje, os jovens estão no centro do debate sobre o excesso de peso. As crianças começam, finalmente, a sentir as consequências da facilidade dos alimentos industrializados e da tecnologia que, na visão de especialistas, faz dos infinitos canais de televisão e dos jogos nos tablets e nos computadores opções muito mais atraentes do que brincadeiras na rua e nas quadras de esportes. Como resultado, crianças antes consideradas apenas fofinhas estão indo parar cada vez mais cedo nos consultórios de nutricionistas e endocrinologistas. Em muitos casos, com quadro de doenças associadas ao excesso de peso, como gordura no fígado e diabetes.

Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que têm nos cardápios de fast food o centro da cultura alimentar, os altos índices de sobrepeso entre os pequenos são uma antiga realidade. Por aqui, somente nas últimas décadas os dados começaram a causar alarde entre médicos e especialistas. Nos países em desenvolvimento, superado o problema da desnutrição em crianças, o sobrepeso é o desafio da vez. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o excesso de peso triplicou tanto em meninos quanto em meninas de 5 e 9 anos entre 1974 e 2009. Entre 1974 e 1975, apenas 10,9% dos garotos tinham excesso de peso e 2,9% eram obesos. Entre as garotas, esses índices eram de 9,8% e 1,8%, respectivamente. Em 2009, no entanto, 34,8% deles tinham sobrepeso e 16,6% eram obesos. Entre elas, 32% tinham excesso de peso e 11,8% eram obesas, 10 vezes mais do que nas últimas décadas.

Entre adolescentes, os números são igualmente preocupantes: se em 1974 apenas 0,4% dos meninos eram obesos, em 2009, a taxa atingiu 5,9%. Para as meninas, a estatística saltou de 0,7% para 4% em 35 anos. Ao que parece, os números acompanham uma tendência global de "engordamento" dos países em desenvolvimento, que passaram a ter mais acesso aos hábitos pouco saudáveis dos primos ricos. De acordo com um estudo divulgado no início do ano passado por um instituto britânico, o número de adultos acima do peso ideal ou obesos em países como China, Índia, Brasil e Indonésia quadruplicou desde 1980, o que pressupõe, ainda segundo o documento, um "enorme aumento" de casos de ataques cardíacos, derrames e diabetes em um futuro não muito distante.

Histórico familiar

A obesidade infantil é assunto de repercussão global, mas, no Brasil, é Brasília a cidade que lidera o ranking do problema. Segundo um levantamento de 2012 feito pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde, uma em cada três crianças de 5 a 10 anos está acima do peso na capital, índice próximo ao do Rio Grande do Sul. Rebeca Coutinho, 8 anos, engrossa essa estatística, mas, desde os 5, luta para deixá-la. "Ela sempre foi grandona. Nasceu parecendo um bebê de dois meses. As pessoas sempre deram mais idade para ela", conta a mãe, a dona de casa Francisca Coutinho, 45.



Francisca é diabética e também briga com peso. No ano passado, ela frequentou um grupo de controle de obesidade no Centro de Saúde do Recanto das Emas. O programa, implementado em algumas unidades no DF, dura um ano e inclui acompanhamento com nutricionistas e médicos, programa de reeducação alimentar e incentivo à atividade física. "Perdi, mas ganhei tudo de novo. Foi um ano complicado para mim e nem sempre eu podia comparecer às reuniões. Quero fazer de novo", conta.

Com o histórico familiar e os picos de pressão que a pequena apresenta mesmo tão novinha, o pediatra que acompanha Rebeca no Centro de Saúde logo ligou o alerta. Aos 5 anos, a menina foi encaminhada para acompanhamento com nutricionista. O especialista estabeleceu regras um pouco mais rígidas para a dieta de Rebeca. "Ela é criança, então, eu tento não ser radical. Antes, tinha mania de trazer salgadinho e biscoitos recheados do supermercado. Hoje, compro coisas saudáveis, faço suco de fruta em casa e substituí as bolachas pelas integrais. Pirulito e chocolate, de vez em quando, eu libero. Não dá para cortar tudo", conta a mãe. A garota confessa não ser muito fã dos biscoitos integrais, mas tem se esforçado para não entrar na adolescência com sobrepeso ; até porque o assunto foi motivo de chateação na escola no ano passado. "Uma colega da sala dela me disse que uma menina a xingava no intervalo, a provocava perguntando o que uma baleia estava fazendo fora da água", lembra Francisca.

A matéria completa para assinantes está aqui. Para assinar, clique aqui.