A professora Wall Ribeiro chama as 13 alunas para começar a aula. Umas ajudam as outras a se arrumar. Organizam-se em fileiras e escolhem os lenços. As batidas da música árabe atiçam as meninas que, sorrindo, obedecem aos comandos de Wall. Olhares atentos acompanham os movimentos da moça à frente da turma, mas em um ritmo próprio. A aula é na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) todas as terças e quintas-feiras.
"A turma está sempre cheia, elas adoram", conta Wall. Criada há três anos por iniciativa da professora de artes cênicas, o projeto já rendeu apresentações para festas internas da Apae. A orientadora explica que a dança foi uma ideia bem aceita na associação. "É uma modalidade com muitos movimentos corporais, ajuda no equilíbrio, movimenta as articulações e aumenta a autoestima delas. Além disso, é uma atividade física", avalia.
Também na Apae, a professora Karla Taciano ministra a aula de zumba. A metodologia é bem livre. "Eles escolhem a música e soltam a energia. Às vezes, chegam estressados e aqui extravasam." A preocupação de Karla é fornecer uma atividade tranquila a quem tem sobrepeso e não pode fazer exercícios físicos ou esportes por causa de recomendação médicas. "A dança evita que eles fiquem só sentados em uma oficina e se tornem sedentários." Outro fator importante é que a atividade faz com que eles superem as suas limitações e se sintam desafiados.
Para Rafel Tursi, idealizador do projeto Pés, os dançarinos do seu grupo, cadeirantes, se surpreendem com a própria capacidade. Ele se lembra de uma apresentação de um dos alunos: "Em um momento ele tinha que sair da cadeira e fazer uma bananeira. Antes de entrar no palco ficou com medo, então pediu que eu fosse junto. Expliquei que o momento era dele, por isso deveria ir sozinho, tinha treinado bastante para aquilo. Ele insisitiu e eu fui. Na hora da manobra, fiz primeiro e voltei; em seguida, ele foi. Foi ovacionado. Foi muito especial".
O projeto Pés, desenvolvido na Universidade de Brasília, possibilita a criação de movimentos expressivos para deficientes, foca em uma sistematização de exercícios e na estética de cada um, para que funcione, independentemente da idade e da deficiência. Em quatro anos, o grupo soma mais de 50 apresentações e distribui conhecimento: promove palestras por todo o Brasil, ministra oficinas e ajuda a orientar trabalhos de fim de curso sobre o tema.
Aira Carina Pessoa é mãe de Monise Pessoa, 23 anos, integrante do Pés. A menina tem paralisia cerebral, o que compromete a coordenação motora do lado esquerdo do corpo. "A luta pela inclusão demanda boa vontade e profissionais qualificados. Se eu a coloco em uma aula de balé convencional não vai dar certo, porque não conseguirá executar os movimentos de bailarina. Procurávamos algo na área artística, foi assim que encontramos o Tursi, ele trabalha no formato que faz sentido para a Monise", explica.
O projeto Pés preocupa-se em adaptar. Em vez de julgar se o aluno é incapaz, cria métodos para que ele possa executar a atividade. "Dessa forma, nós os tornamos protagonistas da ação, não um caso", explica Tursi. Outro programa com a mesma intenção, mas foco específico em cadeirantes é o Rodas e Dança na FEF. Também executado no câmpus da UnB, a preocupação da educadora física Alice Medina é ouvir os alunos para saber as suas expectativas e a partir daí desenvolver uma proposta para os participantes se expressarem e se conhecerem. "Todo ser, independentemente de uma deficiência, não é só físico. É importante um desenvolvimento conjunto da relação do corpo consigo, com o outro, com o cultural e o emocional para ficar bem", esclarece.
A resposta dos dançarinos vem de forma rápida. "Ela se tornou mais insistente, não aceita um simples não, quer ser escutada. Traz autonomia e autoestima, que é fundamental e importante", relata Aira, mãe de Monise. Rebeca Mendonça, aluna da dança do ventre, teve mudança perceptível: já não se esconde atrás dos cabelos e até dançou para os convidados de sua festa de aniversário com tema árabe, afastando a timidez.
Os desafios não são enfrentados somente pelos alunos."Se não tiver paciência, o trabalho não adianta", declara. No fim de tudo, ela admite que a experiência é enriquecedora e a dose de amor genuíno que recebe diariamente é revigorante.
Na Apae, dança do ventre e zumba: mais equilíbrio e alegria