Revista

A imagem natural

Não que as nudes representem uma revolução nos costumes, mas a popularidade delas indica uma vontade de ver e ser visto sem inibições

Juliana Contaifer
postado em 25/10/2015 08:00

Não que as nudes representem uma revolução nos costumes, mas a popularidade delas indica uma vontade de ver e ser visto sem inibições

O corpo despido era natural na Grécia Antiga. Foi parcialmente ocultado na Idade Média, sob a rigidez da religião. Reapareceu com o Iluminismo. Os grandes museus exibem nus célebres, obras de Renoir, Botticelli, Cézane, Manet, Modigliani, Picasso. Os povos do Xingu vivem nus até hoje. O topless é prática corriqueira em diversos países europeus. Nudez que não coincide necessariamente com sexualidade.

;Há menos de um século, apesar do calor tropical, os homens vestiam fraque, colete, colarinho duro, polainas e as ;santas; mulheres cobriam-se até o pescoço. Hoje, as anatomias mostradas parecem confirmar a ideia de que vivemos um período de afrouxamento moral nunca visto antes;, analisa a antropóloga Mirian Goldenberg em seu livro O nu e o vestido (Editora Record). O corpo despido está na televisão, nas revistas, na internet. De certa forma, não choca mais.

Ainda assim, o corpo nu não é visto com a naturalidade que merece. Com o costume de cobrir a pele, a nudez ainda está relacionada à vergonha, à intimidade ; mesmo no Brasil, com o calor escaldante e as roupas cada vez menores. Agora, parece se desenhar uma forte investida contra o pudor. As forças libertárias vêm da internet: mandar nudes virou uma moda. Compartilha-se material íntimo com parceiros e não parceiros, com ou sem filtros.

;A maioria das pessoas tira fotos nuas no sentido de libertação: ;O corpo é meu, posso fazer dele o que quiser, não tenho vergonha dele;. Tem um sentido muito libertário nessa prática, principalmente do corpo feminino. E não enxergo como exibicionismo. Há milhares de outras maneiras de se chamar a atenção sem tirar a roupa;, afirma Mirian, em entrevista à Revista. Ela explica que esse movimento é importante exatamente porque, no Brasil, ainda não temos essa liberdade de estar nu. É preciso estar confortável e feliz na própria pele, e as nudes são um instrumento de afirmação.

;O corpo aqui ainda é visto como capital, principalmente feminino. Precisa ser magro, jovem, sexy, bonito. E, por isso, não aceitamos que qualquer pessoa possa fazer nudes. Ainda temos muita repressão. Vivemos entre a prisão e a libertação, é um paradoxo mesmo. Por um lado vivemos esse movimento de liberação de todos os corpos, mas de outro, eles estão aprisionados em um modelo muito fechado;, afirma. No livro, a antropóloga conta que o corpo dentro do padrão não é tão chocante. ;Pode-se dizer que, sob a moral da ;boa forma;, um corpo trabalhado, cuidado, sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excessos (gorduras, flacidez) é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente vestido;, provoca.

Defensora da nudez como expressão artística, a fotógrafa Raquel Pellicano aponta a incoerência do imaginário brasileiro sobre o assunto. ;Na Europa, a nudez não está diretamente ligada à sexualidade como aqui. Existe essa contradição: embora nas praias use-se biquínis minúsculos e no carnaval pessoas desfilem seminuas, ficar pelado ainda é um tabu.; Ela fotografa garotas comuns nuas há quatro anos e sempre procura a espontaneidade.


Gabriela Nehme, 25, arquiteta, já havia posado nua, como modelo-vivo em aulas de artes. Professora de desenho, ela quis experimentar o olhar do outro. Chegava a ficar quase meia hora na mesma posição, o que era um tanto desgastante. Por meio de amigas, conheceu o trabalho de Raquel Pellicano. Começou a pesquisar sobre fotógrafos que se autorretrataram nus com seus filhos com o objetivo de desmistificar a nudez e decidiu que posaria num contexto diferente. Posou para um ensaio completo, que chegou a ser publicado em um revista.

Para ela, a experiência foi importante para adquirir consciência corporal. ;Eu descobri meu corpo, os aspectos físicos dele, me senti bonita. Até então, eu não ligava, não pensava nele;, conta Gabriela. Além da confiança na profissional, outro fator que deixou Gabriela segura foi saber que estava posando em busca de algo maior: ;Seria uma nova descoberta;. Em relação às artes plásticas, Gabriela descobriu que, na fotografia, o processo era muito mais dinâmico e descontraído. ;O trabalho é conjunto;, afirma. Atualmente, tem curiosidade de posar de novo, pois o corpo mudou bastante. Na opinião da jovem, foi criada uma seriedade desnecessária no ato de ficar pelado. ;A gente coloca muito tabu. Eu queria mostrar que ele é natural;, afirma.

Os amigos próximos apoiaram a ideia e a arquiteta nunca se importou com a opinião dos outros. Para os pais, demorou mais para contar, com medo da reação. As fotos já estavam na internet e eles poderiam ser surpreendidos. A mãe foi a que mais se preocupou, o que ela atribui ao fato de ser mulher e estar acostumada a se proteger o tempo todo. O pai simplesmente aceitou que o corpo era dela e ela faria o que quisesse com ele.

Leia a reportagem completa na edição n;545 da Revista do Correio.

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