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Descarte só o preconceito

Estilistas e designers estão cada vez mais empenhados em mostrar que moda é resultado de criatividade. Eles usam restos de tecidos e roupas com defeito para criar peças diferenciadas

postado em 16/02/2016 08:00
A moda é um processo constante de invenção. Apesar disso, reciclar também faz parte da construção de um estilo. A habilidade de dar cara nova a uma roupa ou a um acessório é tão importante quanto a de criar. Por isso, em concordância com a mudança de pensamento geral, em que a sustentabilidade é a cada dia mais valorizada, alguns estilistas optaram por utilizar como matéria-prima de suas invenções aquilo que para muitos ainda é considerado resto ou lixo.

O estilista brasiliense Daniel Larsan, 29 anos, pretende ser um ativista das questões sustentáveis relacionadas ao consumo, e, para isso, estuda a relação do assunto com a moda. ;Só poderei ser chamado assim quando colocar em prática a causa;, afirma. Então, a ideia de lançar uma marca de roupas veio acompanhada dessa preocupação. Daniel pensava em como poderia conscientizar as pessoas de que é possível aumentar o intervalo entre uma compra e outra. ;A lógica do descarte implantada pelo fast fashion é destruidora e insustentável. Tem gente ganhando uma miséria para trabalhar. É difícil explicar que aquela roupa, depois de um ano de uso, não está velha e ainda pode ser usada;, diz o estilista.
O estilista Daniel Larsan, em seu atelier

Na segunda coleção, Larsan investiu na alfaiataria e oferece uma peça clássica para homens e mulheres: a camisa social. O grande diferencial de modelos tão básicos foi proporcionado pela forma de pensar de Daniel e pelo tecido escolhido. As camisas são feitas com cortes descartados pela indústria e coloridos por estampas que ;não deram certo;. A opinião do estilista diverge do senso comum: ;Olhei para esses tecidos, me apaixonei e pensei: ;Descartados? Isso é lindo!’. São novinhos, lindos e cheirosos. Cada camisa é única, pois as manchas são orgânicas, impossíveis de serem repetidas;, defende Daniel. Ele encontrou o material ; que chama de tesouro ; casualmente, durante a procura por panos em São Paulo. Identificou neles o retrato de tudo o que pensa sobre o tema. No fim, é a forma de conscientização que Larsan buscava. A coleção será lançada em fevereiro próximo.

Outro exemplo brasiliense de sustentabilidade fashion é a marca de acessórios Ouse, criada há apenas um ano pela designer Jéssica de Figueiredo. Ela cursava moda e queria produzir algo, até que optou pelas bijuterias. A ideia de utilizar couro veio logo em seguida. ;Eu já tinha em casa alguns retalhos de couro. Essa sempre foi uma preocupação minha, penso muito nas questões do consumo;, contou. Atualmente, metade das peças da Ouse contém retalhos do material.

Jéssica afirma que há dificuldade de vender os produtos em Brasília. Segundo ela, a aceitação foi maior no Rio de Janeiro e em São Paulo. A designer não sabe explicar exatamente por que isso acontece, mas tem uma teoria: ;Acho que os brasilienses ainda estão começando a aceitar o trabalho manual, o que tem aumentado nos últimos cinco anos, aproximadamente;, argumenta. Os brincos assinados por ela variam entre R$ 30 e R$ 70, e, no próximo mês, Jéssica se prepara para lançar a primeira coleção de bolsas feitas com a mesma proposta.

A estilista Gabriela Mazepa também trabalha com reaproveitamento de tecidos há sete anos, no Rio de Janeiro. Por conviver tanto com o assunto, ela percebeu, nos últimos anos, maior interesse das pessoas pela moda sustentável. Então, propôs ao Istituto Europeo di Design (IED Rio) realizarem um curso de ;reciclagem; de moda, em parceria com a marca carioca Farm. ;Utilizamos peças com defeito da loja. Não são tecidos, mas roupas que seriam descartadas;, ressalta. Os alunos desfazem as costuras e criam uma nova peça.

Em fevereiro, teve início a segunda edição do curso Re-roupa, e Gabriela está otimista. Os resultados da primeira edição foram surpreendentes. ;Imaginava que a turma seria composta apenas por estudantes de moda, e o público foi muito variado. Tivemos, inclusive, alunos advogados e neurocientistas;, relata a estilista. Para ela, a mudança é uma demanda de mercado. Pensar e discutir o reaproveitamento na moda é algo contemporâneo. Futuramente, as peças produzidas devem ser vendidas, mas isso ainda está sendo avaliado. Por enquanto, elas permanecem em acervo.

Moda e geração de renda

No Rio Grande do Sul, na cidade de Mafra, existe, desde 2011, um projeto social que busca oferecer uma nova realidade para as mulheres da cidade. O Mulheres de Mafra é uma iniciativa do Instituto Orbitato, que utiliza resíduos de malha como material para produção de bolsas e objetos de decoração para casa, como almofadas e cachepôs. A ideia é debater a percepção do resíduo como recurso. As artesãs trabalham com o plantio do fumo e encontram no Mulheres de Mafra uma segunda fonte de renda, com menos riscos para saúde. Os restos de malha são provenientes de doações de fábricas parceiras. O defeito definitivamente está nos olhos de quem vê. Basta ter um pouco de criatividade para passar a enxergar potencial e beleza onde outros identificam um problema. A depender do ponto de vista, a imperfeição pode ser a principal característica para a diferenciação de um artigo.

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