Histórias não precisam necessariamente de palavras. Às vezes, uma foto parece nos pegar pelo braço para revelar um segredo. A qualidade da luz, os detalhes do cenário, a expressão do retratado ; tudo é informação. Quando o fotógrafo tem sensibilidade, muita coisa fala por si só. Apenas recentemente conheci o trabalho de Vivian Maier (1926-2009), mas posso afirmar que ela foi uma formidável cronista de imagens.
Vivian é um desses casos de reconhecimento póstumo. Pouco se sabe sobre ela. Nascida em Nova York, filha de imigrantes europeus, ela deixou cerca de 100 mil negativos. Uma parte irrisória desse material foi impressa em papel. Mudou-se para Chicago em 1956 e trabalhou a vida inteira como babá. Nas horas livres, caminhava pela cidade com uma câmera a tiracolo. Clicava cenas corriqueiras e pessoas comuns.
Mas não há nada de banal na obra dela. A qualidade técnica é patente, e a beleza dos enquadramentos rendeu comparações com Cartier-Bresson e André Kertész. Ela mirava o rosto de gente pobre ou rica bem de perto. Ao que parece, sem anunciar o ;assalto;. Penso que essa invisibilidade para se colocar diante dos outros tem a ver com o tipo de câmera usado ; uma Rolleiflex, que fica pendente na altura do peito e não chama muito a atenção.
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Outra hipótese é que ela fosse mesmo invisível. Por isso, os autorretratos diante de superfícies espelhadas são tão especiais. Eles dão o testemunho de uma existência solitária. Vivian não tinha parentes nem amigos. Nunca mostrou suas fotos para ninguém. Com o avanço da idade, penou com a falta de dinheiro e precisou de ajuda para sair das ruas. Seus benfeitores foram adultos cuidados por ela na infância. Isso, porém, não impediu que os últimos dias fossem num asilo. E o mais triste: todo o seu acervo era mantido em guarda-volumes que, por falta de pagamento, tiveram o conteúdo confiscado.
Acontece que esse material foi a leilão. Diversos rolos foram arrematados por um jovem chamado John Maloof, que montou o quebra-cabeças com paciência. Aquelas cenas do cotidiano norte-americano tinham uma só origem, uma só autora. Escrevo esta crônica (de palavras, que pena) após folhear o livro resultante dessa pesquisa, Vivian Maier ; uma fotógrafa de rua, presenteado pelo amigo Humberto Rezende. No site www.vivianmaier.com, há muito mais para se ver. Difícil é evitar o nó na garganta. Quantas Vivians andam por aí sem serem notadas?