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A complexa convivência entre os tímidos e o mundo

Entre as diversas características de personalidade, há quem precise de momentos de isolamento e de reflexão. Os introspectivos se relacionam com o mundo externo de maneira mais contida, mas não menos profunda.

Gláucia Chaves
postado em 14/08/2016 08:00
Entre as diversas características de personalidade, há quem precise de momentos de isolamento e de reflexão. Os introspectivos se relacionam com o mundo externo de maneira mais contida, mas não menos profunda.O churrasco do fim de semana, a festa mais badalada da cidade, o show imperdível: nada disso parece ter o apelo de um bom livro, com a trilha sonora do álbum preferido. Almoçar com os amigos de trabalho parece não ter tanta graça quanto aproveitar o horário livre para meditar e refletir. Muitas vezes interpretados como antissociais, antipáticos ou esquisitos, os introvertidos só precisam de alguns momentos sozinhos. Ironicamente, cada vez mais eles estão se unindo. Em 2012, a escritora norte-americana Susan Cain lançou O poder dos quietos (Ed. Nova Fronteira), uma compilação de estudos e reflexões sobre a forma como os introvertidos são tratados e encarados pela sociedade. A partir daí, começou, nos Estados Unidos, uma revolução chamada Quiet Revolution, uma ode à personalidade introspectiva e menos falante.

O levante iniciado por Susan se deu por acaso. À época, o livro fez tanto sucesso e barulho entre quem estava acostumado a ficar quieto que assustou a própria idealizadora do projeto. No site oficial da escritora, ela conta que, assim que a obra foi lançada, sua caixa de e-mails não parou de receber mensagens. Crianças, adultos, médicos, professores, estudantes, pais, avós: de repente, introvertidos de todas as idades, profissões e partes do mundo começaram a sair da toca. "Todas as mensagens diziam a mesma coisa: até aquele momento, essas pessoas se sentiam sozinhas e estavam maravilhadas em descobrir que faziam parte de uma tribo vasta e distinta", escreveu Susan. "Pela primeira vez em suas vidas, haviam recebido permissão para serem elas mesmas."

Os retraídos não queriam apenas desabafar. Queriam ação, dicas de como se adaptar a um mundo barulhento; como se relacionar com extrovertidos; como fazer com que os filhos reclusos brinquem com outras crianças. A demanda foi tamanha que Susan teve a ideia de reunir um time para dar vazão aos pedidos. A empresa criada por ela se expandiu. Atualmente, a Quiet Revolution segue diferentes linhas de trabalho, que vão de assessoria empresarial a uma "ferramenta de avaliação de personalidade", teste para descobrir se o indivíduo tende para a introversão, extroversão ou ambiversão (pessoas que reúnem características de ambos).

Canalizar os pensamentos em vias alternativas, que não a fala, é algo muito comum entre os acanhados. A escrita, em especial, é muito usada no lugar dos desabafos orais. Dani Fuller, 33 anos, mantém diversos grupos em redes sociais, blogs e sites sobre introversão e timidez. A economiária tem como objetivo espalhar para o mundo que não há nada errado em não ser expansiva. "Para aqueles que não são introspectivos, quero mostrar que as pessoas possuem personalidades diferentes. O mundo precisa de todos, cada um de nós possui características úteis e que se complementam."
A tela Morning sun, do pintor norte-americano Edward Hopper (1882-1967). Ele retratava cenários triviais com técnica realista e tom intimista. Seu principal tema era a solidão nas cidades
Graças ao movimento Quiet Revolution, Dani encontrou "sua turma". Antes de 2012, nunca havia passado por sua cabeça que a falta de manejo social não era um defeito, mas apenas uma característica de sua personalidade. "O livro me descrevia demais. Comecei a me entender melhor, saber de onde vêm meu comportamento e atitude". Não saber quem era de verdade prejudicou mais suas relações interpessoais do que a própria introversão. Mesmo antenada e leitora voraz, ela confessa que não conhecia o termo a fundo. "Muitos que são introvertidos nem sabem também. E é aí que tudo dá errado. Se não compreendemos e aceitamos o outro, acontecem conflitos."

Entender a si mesma foi fundamental para que Dani aprendesse a conviver ; e a "explicar" ; seu jeito para os outros. Nos relacionamentos amorosos, por exemplo, a habilidade é indispensável. Como todo introvertido clássico, ela prefere ficar em casa a sair ; algo que, se não for bem conversado, pode (e cria) brigas com a cara-metade. A desavença de personalidades foi, inclusive, o motivo do fim de seu último relacionamento.

Com a família, o problema também existe. "Nunca ouvi por aí pais que mandam o filho sair, mas os meus são assim ; sempre acham que não estou aproveitando a vida ou que é absurdo eu não ter amigos", descreve. "Antes, eu não sabia explicar. Agora, sei e mesmo assim eles não compreendem 100% a minha necessidade de querer estar em casa, que é o que eu realmente gosto. E ficar em casa não é sinônimo de ficar à toa ou de não aproveitar a vida."

"Quando não entendia o que eu era, a toda hora só ouvia as reclamações por ser assim, e sentia a pressão para mudar, sofria demais. Chorava quase todo dia. Pensava em morrer, queria nascer de outro jeito ou dormir e acordar extrovertida para poder me encaixar, me adequar aos outros e aos lugares em que estava (escola, estágio, trabalho etc). A pior coisa que você pode fazer por si mesma é ignorar seu jeito e tentar ser igual aos demais. Isso não trará felicidade e muito menos funcionará. As pessoas não entendem esse jeito de ser mais quieto, que o tímido e o introvertido dividem. Parece sempre ter uma tendência a achar que tem algo errado com a pessoa. Sempre o obrigam a falar mais, mais alto, agir de forma mais aberta, ser mais participativo e por aí vai. No meu trabalho, já ouvi diversas vezes que nunca seria promovida agindo dessa forma. E aí eu me pergunto: ;Qual forma? Ser eu mesma?; Parece que não faz diferença se você trabalha bem: é preciso ser social, por mais que isso não tenha nada a ver com meu tipo de trabalho. Foi e é frustrante."
Amor introvertido
Pedro Hanazaki
Relacionar-se com pessoas introvertidas pede delicadeza, uma boa dose de tato e paciência. O limite entre o cuidado, a preocupação e a não invasão do espaço alheio é frágil. O primeiro passo, segundo a psiquiatra Helena Moura, é entender que os momentos de isolamento podem ser uma escolha da pessoa, não uma limitação imposta pelo medo. Se o afastamento é causado pelo temor extremo de interagir, como acontece em casos de fobia social, é preciso ainda mais cautela. "É importante não forçá-los a passar por situações em que não se sintam à vontade, evitando deixá-los sozinhos numa festa, por exemplo", ensina a médica. "Até o simples agendamento de uma consulta pode ser uma tarefa sofrível para um fóbico."

Se, por um lado, ser mais cauteloso pode ser vantajoso em situações de perigo real, voltar-se para dentro de si o tempo todo pode fazer com que a pessoa sofra mais com ansiedade. As relações pessoais não raro ficam na corda bamba. Companheiros(as) de pessoas introvertidas reclamam de falta de mensagens durante o dia, telefonemas e tudo mais que envolva contato pessoal. O pessimismo também é uma realidade muito presente para os mais reservados.

Observação afiada, ouvidos atentos, racionalidade a todo vapor. Introspectivos, como o estudante Pedro Hanazaki, 22 anos, são pessoas emotivas mas, ao mesmo tempo, extremamente lógicas. "Um introvertido entende melhor como e por que as pessoas agem de certa maneira. Consegue analisar pessoas e ideias, e ter um feedback depois", enumera. O problema, para ele, é justamente o excesso de pensamentos. Quando entram em seu próprio mundo de análises, é difícil focar na realidade externa, prestar atenção ao que está acontecendo ao redor. "Por isso, precisamos de um tempo a sós para sair desse estado", explica.

Ainda assim, Pedro gosta de interagir. Na verdade, em um ambiente "seguro", como em uma festa de amigos conhecidos, ele até chega a ser o centro das atenções. "O problema é que isso acaba sugando minha energia", explica. De repente, a cabeça fica acelerada. Será que a história está interessante? Os outros estão entediados? Estou sendo egocêntrico, inconveniente? "É como uma energia mental que eu ativamente gasto quando me relaciono com os outros", resume. "Não me considero tímido em circunstâncias normais, mas, quando a ansiedade e a autoanálise batem, fico bastante."

Nessas horas, nada melhor do que fugir para um cantinho e recarregar as baterias. Mas o distanciamento ocasional, embora nada tenha a ver com mágoa ou ressentimentos, não raro gera sentimentos negativos em quem está do outro lado. Sem entender o motivo do "sumiço", quem convive com um introspectivo às vezes se sente deixado de lado. "Consigo passar muito tempo sem falar com um amigo ou com os meus pais, mesmo gostando muito deles, mas as outras pessoas interpretam isso como uma tentativa de se afastar. Na minha cabeça, a amizade ainda é a mesma." Quando o assunto é laços amorosos, a história tende a ficar ainda mais dramática. "Nunca duram muito, pois acabo ficando muito tempo sem mandar uma mensagem, o que acaba sendo meio frio, de certa forma."

"Acho que todo introvertido já quis ser extrovertido, ao menos uma vez. Sempre que alguma interação social minha falhava, pensava em como queria ser diferente para lidar melhor com as pessoas e ter relações melhores. Com o tempo, percebi que o problema não estava na introversão e sim nos ataques de ansiedade que eu tinha. Às vezes, o problema era a pessoa com quem eu estava conversando, que dificultava a interação. Creio que você não deve jogar muitas informações para uma pessoa introvertida. Se você começa a falar sem parar, logo, ela se cansará e vai querer acabar com a interação. Procure fazer perguntas para os introvertidos e responda de acordo, em vez de ouvir e continuar a falar de você mesmo. Nunca pergunte para essa pessoa por que está quieta ou por que fala pouco. Só vai deixá-la mais ansiosa."
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