Flávia Duarte
postado em 19/09/2016 17:13
A peça escrita em 1955 pede roupas que remetam àquela época. A história fala de uma família interessada na herança de um moribundo e das brigas decorrentes de tamanha ambição. Se o texto da peça Gata em telhado de zinco quente, que acaba de estrear em Brasília, é apimentado, o figurino do elenco aparece suave e em tons neutros. Eles vestem branco, cinza e azul bem claro. Elas, bege e rosa pastel. Eles aparecem elegantes em ternos de linhos e sapatos bicolor. Já as moças se exibem com pérolas, brilhos, plissados e saias rodadas. Um armário sofisticado para os homens e muito feminino para as mulheres. O trabalho de reproduzir nas roupas o estilo de vida daquela década foi assinado pela empresária, jornalista e consultora de moda Glória Kalil. Ela, tão acostumada a falar de estilo e definir styling de desfiles, assumiu pela primeira vez o desafio de vestir atores que estarão ao vivo em um palco. Em uma entrevista à Revista, ela conta como foi viver essa experiência e, claro, também fala de moda.
É a primeira vez que você assina o figurino de uma peça. Por que aceitou o desafio? Como foi a experiência?
Aceitei pelo fato de ser uma novidade para mim. Estou muito acostumada com modelo, que veste tudo o que você manda e, em geral, em quem tudo fica bem. Na passarela, a modelo entra uma vez. No teatro, a pessoa usa o figurino todo o tempo. O ator tem uma opinião própria. Ele precisa se sentir bem com a roupa para ser algo que não atrapalhe a performance no palco. Essa troca é muito interessante e foi uma experiência muito gratificante.
A peça se passa nos anos 1950. Como foi pensado o figurino daquela época?
As roupas escolhidas carregam um perfume, uma referência daquele tempo. Conheço bem as referências de época, mas precisei folhear livros, rever filmes dos anos 1950...
É possível adaptar o visual daquele tempo para a atualidade? Digo: quem gosta do estilo dos anos 1950 ainda pode usar nas ruas alguma peça inspirada naquela moda?
Claro! É uma época em que se usava muita sapatilha, calça capri, saia rodada e tomara que caia.
Você diz que teatro é diferente de desfiles. Qual encanto você vê nas passarelas? Você acredita que essa ainda é uma forma eficiente de apresentar a moda?
Passarela para mim é um instrumento de trabalho. Antes, os desfiles eram feitos para apresentar as coleções aos profissionais. Agora, estão virando um show e se aproximando muito do consumidor final. É o momento de as marcas fidelizarem os compradores. Cada vez mais é comum o estilo ;see now, buy now; (veja agora e compre agora, em português). Isso quer dizer que no fim do desfile e as pessoas já podem comprar as peças que acabaram de ser apresentadas.
Muitos estilistas brasileiros estão abandonando as passarelas, fechando lojas, acabando com as marcas... Como você explica tal realidade?
Nosso mercado está mais cauteloso. A nossa moda, que tem qualidade, é cara e usa matéria-prima importada. Isso significa que os estilistas dependem do preço do dólar, dos impostos. Assim, a indústria da moda está sofrendo muito.
Em uma crise econômica que enfrentamos, como se vestir bem sem gastar muito?
Vestir-se bem é questão de ter informação e um olho bom. Com isso, você consegue consumir coisas boas em todas as camadas sociais. As grandes lojas populares hoje têm muita informação de moda, por exemplo. Estar na moda, atualmente, não é uma prerrogativa elitista.
Como você analisa as tendências? Elas são criadas para o consumo descartável. Isso desvalorizaria um pouco o trabalho do estilista?
Os estilistas estão assoberbados. Eles não dão conta da velocidade com que o consumidor demanda. Os consumidores estão mimados e demandantes. Eles querem novidade o tempo todo e o fast fashion veio atender isso. Não há nem tempo para a moda se desenvolver e se programar.
Qual o futuro da moda brasileira na sua opinião?
A moda atualmente é apenas um produto dentro do universo de ofertas que o consumidor tem para desejar. A moda hoje briga com rivais fortíssimos, como os eletrônicos. Até os anos 1980, as pessoas queriam o jeans ou o tênis de uma determinada marca. Hoje, elas querem outras coisas e a indústria da moda acaba sendo atropelada pelo fast fashion.
E você? Como você definiria seu estilo?
Tenho um estilo que definiria como um clássico apimentado, com um tempero. Você precisa usar algo que seja a sua cara. Por exemplo, tem coisas que acho lindas, algumas sobreposições, mas que não me representam. Mantenho uma silhueta básica que, mesmo de longe, as pessoas me reconhecem. Uso mais ou menos a mesma roupa, só que repaginada.
Para quem quer descobrir um estilo próprio de se vestir, qual o primeiro passo?
Cada mulher precisa se olhar no espelho na hora de se vestir. Precisa se analisar de frente e de costas, e aceitar o que está vendo. Ela precisa entender se a roupa combina com a idade dela, com a profissão e com o estilo.
Como você avalia o gosto das brasileiras na hora de se vestir? Quais os erros e acertos?
Não é questão de errar ou de acertar, mas a mulher brasileira tem um estilo mais colorido, mais justo e mais curto. É um estilo. O que precisa é ter cuidado para não exagerar e ficar vulgar.
O que não pode faltar no armário de nenhuma mulher?
Isso acabou. Moda é oferta e estilo é escolha. A moda oferece um pouco de tudo e você tem que ter aquilo que combina com você. Tem de tudo: saia longa, micro ou mídi, por exemplo. Então, você precisa decidir qual faz mais seu estilo.
Serviço
Gata em telhado de zinco quente
No CCBB, até 9 de outubro.
Quinta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h