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O amor e o namoro de hoje não se encaixam em fórmulas

Por trás dos encontros mais frutíferos, porém, sempre há respeito e uma dose generosa de compromisso

Juliana Contaifer
postado em 02/10/2016 08:00

"Na hora de cantar, todo mundo enche o peito nas boates, levanta os braços, sorri e dispara: ;Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também;. No entanto, passado o efeito do uísque com energético e dos beijos descompromissados, os adeptos da geração ;tribalista; se dirigem aos consultórios terapêuticos, ou alugam os ouvidos do amigo mais próximo e reclamam de solidão, ausência de interesse das pessoas, descaso e rejeição." O texto, popular nas redes sociais (e que já foi creditado a Paulo Coelho e até a Arnaldo Jabor), chama a atenção para a modernidade dos relacionamentos. Muito se fala sobre falta de compromisso, sobre desapego.

Em tempos de Tinder e Happn, quando se escolhe um futuro parceiro pelas fotos estilosas e não pelos interesses em comum, as pessoas estão perdidas. São muitas as opções, falta coragem ou abertura para dizer o que se sente e é difícil encontrar o tom certo em conversas virtuais ; é mais fácil fingir que não se está nem aí.

A teoria do sociólogo polonês Zygmunt Bauman sobre o amor atual ser líquido é uma das mais comentadas e respeitadas quando o assunto é relacionamento moderno. Seria algo fluido, rápido, que dura pouco. "Ele acredita que a facilidade que as tecnologias do mundo globalizado trouxeram são transportadas para as relações e que as pessoas acabam tratando umas às outras como mercadorias: têm um tempo de vida útil e, no surgimento de algo mais interessante ou diante de alguma pequena insatisfação, são descartadas", explica a escritora e pesquisadora Laura Pires, especializada em amor e relacionamentos.

Para a coach de relacionamentos Miria Kutcher, que tem um trabalho voltado para o aconselhamento de mulheres, a ideia de Bauman é que falta densidade e profundidade. "É algo marcado por uma característica da época em que vivemos: as coisas vão passando; as marcas não são tão intensas; as pessoas não se jogam mais da mesma forma. Acho que é algo que tem dois lados", afirma.

E qual seria a outra face? O sociólogo britânico Anthony Giddens afirma que a liquidez tem, sim, uma parcela positiva. Com toda a liberdade e cada vez mais longe da pressão de se casar e formar logo uma família, é possível encontrar alguém realmente especial. Segundo Laura Pires, nos relacionamentos modernos, as pessoas "não ficam presas a relações insatisfatórias, pois se sentem no direito de ir em busca de algo melhor quando alguma coisa não estiver dando certo".

O melhor dos compromissos

Fernanda Jardim e Pedro AraújoA estudante Fernanda Jardim, 23 anos, e o lobista Pedro Araújo, 23, são um exemplo de que o amor está no ar entre os jovens, sim. Os dois se conheceram na escola, viraram grandes amigos e, depois de um tempo, a amizade virou paixão. E a paixão virou namoro. Já são seis anos juntos. "A gente já passou por muita coisa chata, difícil, mas a gente prefere ficar junto, se esforçar. Mais do que qualquer coisa, ela é minha companheira, minha amiga, eu posso contar com ela. Para mim, ter essa pessoa do meu lado é muito importante. A gente tem muita humildade e pouco orgulho para correr atrás", conta Pedro.

Um dos fatores do sucesso, garantem, é terem começado o relacionamento bem novinhos. Cresceram juntos, tornaram-se quem são graças ao outro. "As pessoas estão ficando descartáveis. Por que você vai se esforçar se há milhões de opções mais fáceis? É o que o Pedro sempre fala: terminar é o caminho mais fácil. Com todas as facilidades de hoje, não se enfrentam os problemas. Nós nunca desistimos. Eu o amo, ele me ama, e eu não quero outra pessoa. Quero que dê certo", declara Fernanda. A estudante considera que os relacionamentos novos, os efêmeros, que não dão certo, são fruto de um início vazio. Só a atração física não é o suficiente. "Paixão passa, amor fica."

Esse amor realista é o que norteia o relacionamento de Pedro e Fernanda. Ele conta que não amou a estudante à primeira vista. Afinal de contas, não se conheciam. Amor não acontece como nos filmes. É algo que se constrói. "Para mim, é ser companheiro, ser amigo. Qualquer novidade que eu tenho para contar, ela é a primeira a saber. Confiança é fundamental, e o mais importante é o querer aprender. Em uma briga, se a outra pessoa está reclamando, é porque alguma coisa está errada e existe algum aprendizado naquilo tudo", explica o lobista.

Outro ingrediente importante para o sucesso dos dois é a moderação nas redes sociais. É fácil mandar uma mensagem dizendo que ama, com mil corações, mas, depois de três dias, a mensagem é esquecida, fica para trás no mar de comentários feitos durante o dia. "Prefiro falar ao telefone. Eu quero ouvir a voz dele, escutar ele sorrindo no telefone, escutar a respiração. É muito melhor do que mensagem. A gente só usa para combinar algumas coisas, para compartilhar alguma coisa engraçada", conta Fernanda.

Cena do filme À beira mar, com Brad Pitt e Angelina Jolie

Mas afinal, o que é o amor?

Na visão do sociólogo Anthony Giddens, o amor moderno é chamado de confluente. "Trata-se de um amor baseado no conhecimento e na aceitação do outro. Não é aquela aceitação do amor romântico, que se sujeita a tudo, mas uma aceitação no sentido de respeito à individualidade daquela pessoa e não fazendo dela sua única fonte de felicidade, mas uma companheira", explica Laura Pires. Seria um amor no qual os indivíduos são iguais, têm as mesmas responsabilidades.

Para a pesquisadora, amor é gostar de quem a pessoa é, e não uma projeção ou idealização que se faz dela, e ser correspondido no mesmo sentido, em uma situação boa para os dois lados. "Conversei com muitas pessoas sobre essa pergunta, diversas vezes, e 100% das pessoas me disseram que amor é algo inexplicável. Sinto o mesmo: além dos fatores racionais que se aplicam a mim e não necessariamente aos outros, tem algo meio mágico que a gente nunca vai saber o que é", conta. Laura considera o amor tão misterioso que gosta de uma citação de Oscar Wilde: "O mistério do amor é maior do que o mistério da morte".

Liberdade para ir longe

Patrícia Cândida e Tamiris AlmeidaEm tempos de relacionamentos fáceis, um dos temas mais importantes é a liberdade. E isso pode significar estar com alguém que não prenda, que não sufoque. É o caso da engenheira civil Patrícia Cândida, 24 anos, e da cientista política Tamiris Almeida, 26. As duas começaram a namorar no fim de 2014, depois de relacionamentos longos, e descobriram uma na outra uma leveza inédita. "Somos muito diferentes, mas nos encaixamos na nossa complexidade. Encontramos uma liberdade que não tínhamos, e acho que é isso que faz dar mais certo ainda. A gente confia e deixa as coisas acontecerem", explica Patrícia.

O casal conta que a receita do sucesso é estar disposto a aprender e mudar todos os dias, a cada discussão. E a tecnologia que atrapalha a maioria dos casais acaba funcionando para Tamiris e Patrícia. Elas se falam o tempo todo pelo Whatsapp (apesar de alguns ciúmes ocasionais) e até as brigas acabam arranjando solução no celular. A cientista política gosta de reclamar logo que sente algo errado, enquanto a engenheira civil prefere absorver e pensar com calma no que responder ao vivo. Quando se encontram, já refletiram bastante e as discussões se resolvem mais rápido.

Ao contrário do que se prega, de que ser moderno é ser sozinho, ser geração "tribalista" que beija qualquer um e não está nem aí para o dia seguinte, as duas contam que o que percebem no dia a dia é exatamente o oposto. Todo mundo está buscando alguém. "Até essa coisa de Tinder: a pessoa fica solteira e já vai atrás de alguém, ainda que não tenha nada a ver com você. Cria-se uma expectativa gigante que logo se desmonta. As pessoas acham que vão viver sozinhas e ser satisfeitas, mas acho que é um balanço. Ninguém quer ficar sozinho", conta Tamiris. Entre os amigos e amigas que são gays, ainda existe uma idealização muito grande do parceiro, que vai ser "a" pessoa certa. "Pra dar certo, é preciso uma amizade muito forte e respeito. Sem os dois, não vai longe", finaliza Patrícia.

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