Renata Rusky
postado em 30/12/2016 18:39
Wavre, Bélgica ; Todo mundo sabe qual é o propósito básico da vacina: o de prevenir doenças. Acredita-se, porém, que é possível extrapolar tal destinação e usar essa substância para tratar certas enfermidades. A indústria da vacina, atualmente, tem alvos específicos: as doenças autoimunes e o câncer. O último caso é o mais emblemático, pois as vacinas seriam usadas para tratamento dos tumores e não para imunizar o organismo contra o aparecimento deles. Já no caso das doenças autoimunes, elas poderiam atender aos dois objetivos, por exemplo.
Até então, as vacinas funcionavam basicamente da seguinte forma: o patógeno causador da doença era inativado e introduzido, inteiro ou em partes, no organismo humano. Associado a potentes tecnologias, ele faria o sistema imunológico trabalhar contra aquele agente causador de doenças. Assim, quando a pessoa vacinada entra em contato novamente com aquele micro-organismo, o corpo já está preparado para combatê-lo. ;A medicina se aproveita do fato natural de o corpo responder naturalmente a uma infecção. Depois de tomar a vacina, quando entrar em contato de novo com um organismo já conhecido, a resposta será ainda melhor;, explica Ivo Votjek, gerente de assuntos médicos globais da GSK Vacinas.
Novos usos da vacina
O desafio da ciência é ir além da imunização e utilizar a reação do corpo a tais substâncias para complementar terapias de controle de certos males. Seria o caso da vacina contra catapora (varicela), por exemplo. A doença, se pega por criança, não chega a ser levada tão a sério no Brasil e por isso pode ter a imunização negligenciada. Causa desconforto, mas é tratável. O problema é que, uma vez contaminado com a catapora, o vírus fica no organismo para sempre. Ele pode ser reativado e causar outra doença: a herpes zoster, chamada popularmente de cobreiro ou cobrão, que é muito mais séria. Esse tipo de herpes pode causar a neuralgia pós-herpética, quando a dor e as erupções cutâneas, próprias do quadro, persistem por muito tempo. De tratamento complicado, a doença pode durar meses e até anos.
Assim, estudos mais recentes produziram uma vacina para evitar nova ação do vírus instalado no corpo. Como o patógeno já está no organismo, é possível dizer que a vacina disponível para esses casos não previne o problema, mas o trata. ;Talvez, ela até funcionasse contra a primeira infecção, mas não há testes de eficiência e nem intenção de trocar uma pela outra;, esclarece o epidemiologista Thomas Breuer, chefe do escritório de medicina da GSK.
Um dos maiores desafios para a medicina, a vacina contra o câncer exerceria também os dois papéis: o tratamento da doença e a prevenção da reincidência do tumor. A grande dificuldade de tratar as neoplasias está justamente no fato de as células doentes se parecerem muito com as células saudáveis. Por isso, os cientistas se concentram na descoberta de características específicas do tumor para atingi-lo unicamente, poupando as células normais. ;O perigo de injetarmos a vacina é o de o sistema imunológico começar a atacar não só as células doentes, mas também as saudáveis;, explica o imunologista e bacteriologista Phillippe Denoel, responsável por pesquisa e desenvolvimento de vacinas na GSK.
Além disso, duas pessoas podem ter o mesmo câncer, mas apresentar características celulares diferentes. Portanto, a vacina seria indicada para um indivíduo, mas não serviria para outro. Essa necessidade de personalização encarece o produto e torna inviável o desenvolvimento de vacina. Segundo Denoel, apesar dos desafios, há indícios de que uma vacina universal é uma possibilidade válida. Na luta contra o câncer, porém, ela não atuaria sozinha, mas associada às terapias já existentes.
Hesitação
O Brasil é conhecido internacionalmente por ter um programa de vacinação eficiente. ;É um exemplo até para alguns países da Europa. A maior diferença é que ele faz contratos de longa duração. Já os países europeus fazem um ano e outro não, por exemplo. Então, tem ano que a população recebe determinada vacina, tem ano que não;, explica John McGrath, vice-presidente de operações industriais globais da GSK.
Mesmo assim, o movimento antivacina cresce no Brasil. Uma das explicações mais óbvias para isso seria o fato de que temos gerações de adultos que não tiveram contato com certas enfermidades ; provavelmente graças às vacinas. Assim, não temeriam quadros infecciosos. ;Quando não há mais o contato com um agente causador de doenças, as pessoas perdem a percepção do valor da vacina. É diferente de quando um vizinho tem um problema de saúde e um amigo também. Nesses casos, as pessoas ficam até mais abertas a se arriscarem se imunizando;, explica Votjek.
Mas essa falsa sensação de proteção natural é equivocada. Existem estudos que mostram quantas infecções secundárias são causadas por uma única pessoa doente. Um paciente com difteria, por exemplo, transmitiria a doença para 6 ou 7 pessoas. Alguém com sarampo pode passar a doença para até 18 pessoas. Daí a importância da informação e da imunização, até em relação a doenças aparentemente erradicadas.
A repórter viajou a convite do Laboratório GSK Vacinas