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Pesquisa aponta que 73 milhões de brasileiros têm dificuldades para dormir

Dormir se tornou um luxo para boa parte da população. Nos casos crônicos, o mal é considerado doença e precisa ser combatido com remédios. Mas, para muitos, mudanças de hábito podem atenuar o problema

Otávio Augusto
postado em 09/07/2017 08:00 / atualizado em 19/10/2020 15:20
Muita gente perde o sono pensando nele. Mas, com insônia ou sem ela, dormir é um ato necessário ao organismo e intimamente ligado às condições emocionais e de estilo de vida. Há quem durma três horas e se sinta satisfeito. Os jovens boêmios acham que é perda de tempo. Os que têm poucas horas querem mais cinco minutos todas as manhãs. E existem aqueles que não dormem. O sono voltou aos holofotes nas últimas semanas com a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a produção e comercialização de um novo medicamento para insônia no Brasil. Dias antes, a Associação Brasileira do Sono fez um alerta: 36,5% dos brasileiros sofrem com o mal.
 
Dorme-se pouco em troca de trabalho, estudo, ascensão financeira e tantos outros motivos. A sociedade parou de valorizar o sono como um componente da qualidade de vida e se priva dele. Muitos de nós, realmente, sofre com insônia crônica — uma doença, que exige tratamento e, em casos extremos, até o uso de remédios. Mas ir para a cama e pregar o olho é um desafio cada vez maior e exige uma mudança de comportamento que pode não vir de caixas vendidas nas farmácias.

Faltam dados que retratem a realidade da capital federal. Para esta reportagem, a Revista fez uma pequena enquete com 15 leitores. Apenas quatro disseram que dormem bem. Sortudos. A maioria, sete entrevistados, reclamou de insônia. Isso representa 46% do total. Os outros quatro contaram que pelo menos uma vez por semana têm dificuldades para dormir. A relação edredon-travesseiro-cama nunca esteve tão combalida. E você, tem dormido bem? Geórgia, Maria Eduarda e Sidneide são personagens que nunca, ou quase nunca, desligam. Nas próximas páginas, leia o drama das madrugadas em claro, as consequências disso e as alternativas para driblar a insônia.

Uma luta noturna

Rita Lee, a rainha do rock brasileiro, expressou em forma de música o quão sofrido é não dormir. A música é inspirada em “minha pessoa”, como conta a artista. Ela canta assim: Insônia, minha namorada/Insônia de madrugada/Rolando na cama, estou tão cansada/Mas ela me chama/Ai, ai, insônia.

Como na canção, 73 milhões de brasileiros, segundo estimativa da Associação Brasileira do Sono, não conseguem dormir. O número é a soma dos habitantes dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Os dois primeiros são os mais populosos do país.
Maria Eduarda Bueno  toma remédio há um  ano, mas nao gosta:  %u201CSó uso quando estou  no meu limite%u201D
Uma das pessoas nessa multidão é Maria Eduarda Bueno, 22 anos. Formada em direito, ela administra a empresa da família e estuda para concurso. Quer seguir a carreira de policial. O combustível para a insônia dela é a ansiedade. “Lidar com a pressão do estudo e da frustração de não passar numa prova é difícil”, conta. A jovem sorridente e descontraída já ficou três noites sem dormir. “Assisti a sete episódios de uma série numa noite” — cada capítulo tem cerca de 45 minutos . E emenda: “Deito uma hora antes da hora que eu quero dormir. Apago as luzes, tento ler. Mas, quando não é dia de dormir, não tem jeito. Quando vejo, são 5h da manhã e tenho que me levantar”, reclama.

A celeuma noturna começou há um ano e meio. Na época, Duda, como é conhecida, estava finalizando o trabalho de conclusão de curso. A situação degringolou de tal forma que a moça passou a tomar remédios. “Uma vez, parei no pronto-socorro com dores na cabeça por estar há muito tempo sem dormir. Teria que tomar remédio todos os dias, mas não gosto. Só uso quando estou no meu limite. Eu tinha noites esporádicas que não dormia, mas isso foi se acentuando. Nunca fui de dormir muito, mas não imaginava chegar a esse nível”, explica. Para Duda, uma noite bem-dormida tem, em média, 4 horas de sono.

Mais de 11 milhões de brasileiros, o equivalente a 7,6% da população, usam medicamentos para dormir. O índice é um dos destaques da mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Duda prefere terapias alternativas. Diariamente, ingere cápsulas com extrato de maracujá. O composto homeopático é usado como tranquilizante. “Antes de dormir, a sensação do remédio não é boa. Já acordei deitada no chão e tive alucinação”, reclama.

Até o fim do ano, uma nova droga deve chegar às farmácias. A ramelteona — que será produzida por um laboratório em São Paulo — imita mecanismo de ação da melatonina, isto é, desacelera o sistema nervoso central e contribui para a regulação do ciclo natural de sono. A ação é caracterizada no iniciar do sono. Os cientistas que desenvolveram a ramelteona garantem que a substância pode evitar os efeitos colaterais atordoantes dos medicamentos sedativos, que funcionam retardando o sistema nervoso central. Desde 2005, o medicamento é comercializado nos Estados Unidos.

A ramelteona é inspirada no funcionamento do hormônio responsável pela desaceleração do sistema nervoso central e a indução do sono, a melatonina. Em vários países, a droga é vendida há mais de uma década. Por aqui, em outubro do ano passado, uma juíza do Distrito Federal chegou a determinar que a Anvisa autorizasse a comercialização e a produção da melatonina no Brasil.
 
  • Exercício antes de dormir ajuda ou atrapalha?
Estudos recentes indicam que, ao contrário do que se imaginava, praticar atividades físicas leves ou moderadas antes de dormir não atrapalha o sono. Até ajuda a relaxar depois de um dia estressante de trabalho. É o que sugere uma pesquisa da Fundação Nacional do Sono, maior instituição americana dedicada a investigações nessa área. Mas isso vale apenas para pessoas saudáveis. O intervalo entre a malhação e os lençóis deve ser de, no mínimo, 3 horas. Menos que isso, é possível que o estado de agitação provocado pelo exercício dificulte o embalo no sono.
 

Quando o sono não vem...


Quem conhece a cantora Geórgia W. Alô, 43 anos, estranha a reclamação de noites maldormidas. Ela era o tipo de gente que, “onde se encosta, dorme”, como caçoa o ditado popular. Contudo, as noites já não são as mesmas no apartamento da Asa Norte. Há três anos, Geórgia está em crise com os lençóis. Acorda várias vezes à noite, tem sono inquieto e se irrita na tentativa de dormir. “A sensação que eu tenho é que vivo em estado de cansaço extremo. Físico e mental”, pondera.

A falta de rotina, chamada de higiene do sono por médicos, é o que atrapalha a cantora. “Durmo tarde. Isso deixa as coisas ainda mais difíceis”, assume. O encontro de Geórgia e a cama não ocorre antes da 1h da madrugada. O mea-culpa é ancorado em avaliações médicas. “Já me receitaram remédios, recomendaram fazer exercícios físicos e a organizar meus hábitos. Apostei em chás e na homeopatia, mas nada trouxe resultado.”

Para frear os prejuízos da insônia, Geórgia vai passar por uma polissonografia, exame usado para a investigação de vários distúrbios do sono. “Em alguns momentos, cheguei a ir para a sala, sentar no sofá e chorar a madrugada inteira. O corpo está cansado, a mente está cansada e você não consegue dormir. Isso gera um desespero enorme. Interfere na minha voz, fico irritada e tenho lapsos de memória”, conta. Ela desconfia que, aliado ao cotidiano desregrado, a oscilação do ciclo pré-menopausa pode ter influenciado o sono.

Geórgia está enveredando pelo caminho correto, diz Geraldo Lorenzi, diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “É preciso manter horários regulares, não tomar bebidas cafeinadas, desligar celular e relaxar uma hora antes do sono. Temos que criar condições psicológicas para dormir. Não é desligar a luz e dormir”, explica.

As míseras quatro horas de sono de Geórgia estão longe do ideal. Há poucas semanas, a Academia Americana de Medicina do Sono voltou a reafirmar que o período ideal é de 7 a 8 horas. Menos que isso, há graves danos ao sistema imunológico, aumento das chances de doenças cardiovasculares e de obesidade. “Diversas funções ocorrem durante o sono, como a liberação de alguns hormônios e as conexões neurocerebrais que acontecem quando se está dormindo. Não é um estágio de hibernação. O sono ruim deixa o organismo mais vulnerável”, reforça Luciane Mello, coordenadora do Ambulatório do Ronco e Apneia do Hospital Federal da Lagoa (RJ).
 

Fique atento

Dicas para uma boa noite de sonoFixar um horário certo de ir para a cama e de acordar.
  • Evitar dormir durante o dia.
  • Evitar o consumo de bebidas alcoólicas por no mínimo 6 horas antes de dormir.
  • Fugir das refeições pesadas antes de dormir e evitar o uso de bebidas estimulantes, como café, chá-preto, verde ou mate e energéticos, por no mínimo 6 horas antes de dormir.
  • Melhorar o ambiente do sono. O quarto em que se dorme deve ser confortável, silencioso, escuro e com temperatura adequada.
Fonte: Instituto do Cérebro de Brasília
 

Consequência da vida moderna

Os efeitos colaterais da modernidade impõem duras penas às noites de descanso. A quantidade de gente que não consegue relaxar se avoluma a cada dia — alguns médicos arriscam dizer que aceleradamente. “As pessoas são estimuladas a conquistar outros mundos. Acho que cada vez mais vai haver mudanças induzindo o homem a não dormir”, pondera Almir Ribeiro Tavares, coordenador do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psiquiatria.

A reportagem apresentou a Tavares os índices da enquete realizada pela Revista. Ele ficou preocupado com os resultados, mas não surpreso. “As três pessoas que responderam que dormem bem conquistaram isso. Não é fácil dormir bem. É preciso tempo para se construir o hábito”, analisa. Médicos especialistas fomentam a necessidade da mudança de comportamento e de como a sociedade contemporânea está tratando o sono. “Paramos de valorizar o sono. Ele não é visto como um benefício essencial, que faz parte da qualidade de vida. Um erro que pode ocasionar muitos prejuízos.”

Insatisfação no emprego, desgaste no relacionamento amoroso, barulho, estresse, falta de tempo e uma série de outros contratempos do cotidiano atrapalham a relação edredon-travesseiro-cama. “Vivemos com tablet, celular, computador e televisão emitindo luzes dentro do quarto de dormir. Comemos mal, fazemos pouco ou nenhum exercício. A situação é preocupante. A qualidade do sono está cada vez pior. A privação de sono é porta de entrada, por exemplo, para todas as doenças psicológicas”, alerta Almir.

Além dos agravos, distúrbios do sono, como apneia (falha da respiração enquanto se dorme),  paralisia do sono (falta de mobilidade do corpo por um momento, normalmente ao acordar), síndrome das pernas inquietas (desconforto que leva a uma necessidade compulsiva de mexê-las), sonambulismo, terror noturno (movimentos anormais durante o sono, como gritos e desespero), entre outras, estão entre os mais corriqueiros. “Temos que nos preocupar com a quantidade, mas também com a qualidade do sono. Os dois aspectos estão prejudicados.”

Luminosidade atrapalha

A luz das telas de aparelhos eletrônicos, como tablets e celulares, pode causar insônia. É que a luminosidade alta prejudica na hora de dormir, já que compromete a produção do hormônio responsável pelo sono. Segundo especialistas, quem avisa ao cérebro que é hora de dormir é um hormônio chamado melatonina, que relaxa o corpo e induz ao sono. A produção dela é prejudicada pela presença de luminosidade. A recomendação é que o uso desses equipamentos seja interrompido uma hora antes de ir para a cama.

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