Revista

Marcas que ressaltam a cultura negra fazem sucesso nas passarelas

Coleções inspiradas na cultura negra ganham admiração e destaque na sociedade. Elas deixam de propor peças cool para oferecerem roupas que representem uma identidade

Savio Drew*
postado em 30/07/2017 08:00
Homem desfila peças da Lab Fantasma na passarela.;Se eu te falar que a coisa está preta, a coisa está boa, pode acreditar.; Quem afirma é o cantor Rincon Sapiência, que insere o negro em um novo contexto social e econômico muito importante. Ele é dono de um estilo que resgata a cultura negra, com looks harmoniosos e que seguem um padrão estético atemporal e ;fora da caixinha;.

Rincon tem uma música que mais parece um discurso de liberdade e de otimismo. O MC canta um rap tipicamente brasileiro e, em suas letras, aborda questões contemporâneas sobre a realidade do negro que vive nas comunidades e periferias. Outro detalhe que merece destaque no rap do Sapiência é o fato de ele tocar muito na tecla da ancestralidade do seu povo, em rimas que mais parecem aulas de história.

É por meio da moda que muitos negros estão ganhando voz e mais espaço em uma sociedade dividida, muitas vezes, por um ;apartheid velado;. A cultura negra nunca esteve tão em alta no universo fashionista. Solte seus cachos, viva sua cor, manifeste-se. Antes, ser do morro só era bem-visto quando o asfalto saía ganhando, quando a clientela consumia, com a roupa, o estatus de cool. A ideia agora é seguir um padrão estético diferente do vigente. Para isso, alguns designers de moda escolheram o vestuário para dar visibilidade a essa minoria e, com isso, vêm se destacando nos grandes eventos de moda do país.

Lab Fantasma

Criada pelos irmãos Emicida e Evandro Fióti, a Lab Fantasma está no mercado desde 2008. Em suas campanhas e coleções, eles valorizam a pluralidade dos brasileiros. Na estreia no São Paulo Fashion Week ; edição 42, em 2016, a etiqueta causou muito burburinho entre os convidados ao apresentar uma moda com inspiração africana e oriental. O casting de modelos era composto por negros com diversos padrões corporais.
Já no SPFW edição 43, este ano, a dupla revisitou as próprias memórias de infância, a vida nas ruas, as rodas de samba e criou a coleção ;Herança;. Carregada de histórias, trouxe os casacos bordados por Dona Jacira, mãe do Emicida, que usou desenhos para ilustrar trajetória do samba e da luta negra. As linhas coloridas e os recortes inspiravam a alegria, a dança, os orixás e a ginga da cultura dos negros. O resultado foram peças com a proposta de levar para as ruas um look sofisticado, alinhado a um estilo urbano, jovem e com elementos da alfaiataria.
Montagem com fotos da passarela da Lab Fantasma.

Cemfreio

No mercado desde fevereiro de 2016, a Cemfreio vem se destacando como uma das marcas da nova geração que trabalham com o empoderamento negro. Já foi, inclusive, considerada por quem entende de moda como um dos nomes para serem observados, não só pelo discurso, mas também pela maneira de se comunicar com o público-alvo.

O paulista Victor Apolinário, que sempre estudou em escolas públicas e morou em favelas, começou no mundo da moda como assistente em uma das franquias da Hering Store, trabalho que o direcionou para a área de criação com mais afinco. Perguntado sobre o porquê do nome da marca, ele explica: ;É uma zoeira da época do rock. Sim, eu era rockeiro de colar em verdurada, andar de skate e beber litros de mupy. Eu me lembro que tinha esse conceito de ;o moleque não páara;, e aí ficou Cemfreio;, conta.

A Cemfreio busca a ressignificação de códigos dentro de uma sociedade que, muitas vezes, priva de liberdade negros, favelados, gays e transexuais. Com uma estética fora do padrão, as roupas criadas por Victor Apolinário não têm um gênero definido, deixando os clientes à vontade para usarem as peças como melhor lhes convier. ;Quero ser a mudança de arquétipos sobre as minorias. Tornarmo-nos neutros e livres como um homem branco e heterossexual;, afirma o designer.
Montagem com fotos de divulgação da marca cemfreio
No último desfile da marca, negros, transexuais, gays entraram na passarela ao som da drag queen Pablo Vittar. O público da Casa de Criadores ; Inverno 2018 vibrou bastante com a performance dos modelos e com as roupas da coleção, que agrada a uma geração que busca se comunicar por meio de uma roupa com linguagem própria. ;Todo mundo abre a boca para falar com o maior número de pessoas, e eu sou assim também. Quero possuir uma comunidade heterogênea, mas com um discurso muito homogêneo de mudança. Quero que seja um novo mundo, mas não só para si, mas para o mundo todo;, diz Victor Apolinário.
(*) Estagiário sob a supervisão de Flávia Duarte

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação