Marília Padovan - Especial para o Correio , Amanda Ferreira - Especial para o Correio
postado em 13/08/2017 08:00
[VIDEO1]O riso frouxo e o jeito de menina escondem os 62 anos bem vividos de Valéria Cabral. Quem a vê dificilmente imagina que, há cinco anos, após o falecimento do marido, ela teria que se reinventar e reaprender a viver sozinha. Foi preciso que essa senhora de alma muito jovem superasse a timidez e enfrentasse a nova rotina com força e alegria. Agora, ela se divide entre a academia, os passeios e as viagens com as amigas. Tudo isso, sem faltar tempo para colorir os lábios e providenciar um belo penteado.
Para quem antes tinha o costume de ter o marido sempre por perto e sequer se imaginava sozinha, foi um choque encarar o mundo sem a companhia do amado. ;Passei os primeiros 10 meses muito para baixo. Todos os planos que tínhamos não seriam mais possíveis e não sabia por onde começar;, conta. Hoje, com o incentivo dos três filhos já crescidos, Valéria tem como grande paixão conhecer o mundo: pelo menos uma vez por ano, a viagem com os amigos está garantida. ;Já fomos para a Croácia, a Itália e o próximo destino é o Alasca. Somos todos aposentados, temos independência financeira e tempo livre. Tudo fica mais fácil.;
Durante a vida, Valéria teve amigos, mas nunca companheiros como hoje. Casou-se cedo e se dedicou ao cuidado da família, mas, agora tem a oportunidade de desfrutar novas amizades. Tudo isso graças ao grupo de amigas do trabalho com as quais estreitou relações e conquistou um espaço na vida pessoal delas. São raros os dias em que elas não se encontram e as programações atendem a todos os gostos: cinema, teatro, café e shows. Felicidade também tem de sobra! ;Eu tenho uma alegria de viver que ninguém imagina. Eu me sinto muito feliz. Eu não tomo nem um remédio e minha mente é muito jovem. Estou em uma fase ótima da minha vida e tenho consciência de que é a nossa cabeça que nos guia;, celebra Valéria.
A aposentadoria foi mais um motivo para tanto tempo livre, com poucas obrigações. Assim, foi necessário preencher o vazio da rotina fora do trabalho com coisas que lhe trouxessem satisfação. Valéria apostou no inglês e no francês. Ela faz parte da taxa de 14,6% de pessoas com 60 anos ou mais no país que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), são pertencentes ao chamado grupo da terceira idade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Brasília, eles representam 11,2% da população, um número equivalente a 339 mil pessoas.
A psicóloga Socorro Torres acredita que, muitas vezes, não estamos tão preparados para a aposentadoria. Enquanto está no trabalho, há uma enorme energia direcionada para aquilo. Quando não existe mais essa obrigação, ainda há muita disposição, mas, dessa vez, sem um foco para guiar-nos. A partir daí, segundo a especialista, muitas portas são abertas para a depressão, para a ansiedade ou para outras doenças oportunistas. ;As pessoas têm a ideia de que a terceira idade os condena ao sofá e à tevê, mas não precisa ser assim. Temos de entender que é uma nova fase e que, primeiramente, é preciso estar aberto para aquilo que ela tem a oferecer;, recomenda.
Socorro ressalta que é de importância vital manter laços com novas pessoas e ser ativo. ;No trabalho, é comum vincularmos amizades com a vida profissional. Quando termina, notamos que não nos programamos para a vida fora dali;, diz. De acordo com a profissional, ter a oportunidade de conviver em grupo com pessoas da mesma idade possibilita a troca de experiências que antes eram desconhecidas. ;É momento de dar continuidade a coisas que são deixadas de lado por causa de trabalho ou filhos, por exemplo;, aconselha.
Ainda é tempo de crescer
Muita coisa mudou desde que era nova. Joana dos Santos, 62, vivia para trabalhar e criar os filhos. A vontade de aprender e conhecer as coisas que o mundo tinha a oferecer sempre foi enorme, mas lhe faltava tempo. Aos 50 anos, a chegada de uma pequena depressão a fez notar que era necessário mudar. Com o incentivo dos filhos, a ex- empregada doméstica terminou os estudos e ingressou em uma caminhada repleta de novos aprendizados. ;Descobri que a vida não pode parar. Depois de certa idade, não conseguimos mais trabalhar direito, mas vi a chance de me dedicar ao meu crescimento pessoal e ainda me entreter.;
Quem vê o jeito tímido não imagina a vontade que aquela senhora baixinha tem de viver: ela já fez curso de informática e agora divide seu tempo entre as aulas de inglês e de teclado. A costura também ganhou espaço na agenda. Além de produzir algumas peças para o próprio armário, Joana faz trabalhos para fora. ;Parece que, depois que passamos dos 60, ficamos ainda mais animados para fazer as coisas. Tenho tempo livre e ânimo de sobra.; Com a vontade de sempre dar um passinho a mais, seu objetivo, agora, é estudar e ganhar o mundo com um curso de moda. Há três anos fazendo o Enem, não pretende parar até chegar lá.
No seu histórico de vida, Joana carrega muitas aventuras. Quando trabalhava para uma família de diplomatas, teve a oportunidade de conhecer vários lugares do mundo. A Grécia foi um deles. Lá, teve seus filhos e aprendeu um pouco da língua. O brilho no olhar e o anseio pela vida motivam qualquer um que converse pelo menos cinco minutinhos com Joana. Ela fala de suas paixões pelo esporte e pela cultura e não deixa de dar valor às oportunidades que a rodeiam. ;Todas as atividades que faço têm um significado importante. Quando estou sozinha, gosto de tocar teclado para me animar e espantar a solidão;, afirma.
Seu grande prazer é estar entre pessoas felizes, que combinam com o seu astral. ;Não tenho do que reclamar;, garante.
Segundo a psicóloga Isabelle Chariglione, a depender do ponto de vista, a vida pode começar na terceira idade. Ela observa que a qualidade e a expectativa de vida do brasileiro aumentaram significativamente. ;O idoso de algumas décadas atrás já não mais corresponde ao de atualmente, ainda tão cheio de vida, de saúde e de desejos.; Isabelle ressalta que essa longevidade é uma conquista da humanidade. Devemos aproveitá-la e vivê-la plenamente. ;O Brasil tem um número significativo de octogenários e centenários. Então, a pergunta para os que chegam aos 60 anos seria: ;O que você pensa em fazer nos próximos 10, 20, 30 ou 40 anos?; Com certeza é algo que podemos planejar e pensar qual seria a melhor maneira de viver estes próximos anos, que podem ser de finalizações de alguns ciclos, mas de descobertas de outros também;, destaca.
Agora é que são elas
Quem também viu na aposentadoria a oportunidade de fazer coisas nunca feitas antes foi Darcy Fonseca, 74. A idade não deixou abalar a vontade de jogar o esporte dos sonhos. Aos 50 anos, com os filhos criados e a vida bem resolvida, finalmente chegou seu momento de brilhar. Maquiada e muito bem cuidada, quando entra na quadra de vôlei, ninguém acertaria na idade que tem. ;Passei a vida preocupada com a família e não tinha tempo para mim. Quando me aposentei, eu me senti livre e fui fazer o que sempre quis. Hoje, ainda me sinto jovem e realizada.; Apesar da inexperiência, com treino e força de vontade, a paixão acabou abrindo portas para uma vida completamente diferente: novas amigas, muito vôlei e pé na estrada.
Foram as Damas do Vôlei que abraçaram Darcy em sua nova jornada. O grupo faz parte da Associação Brasiliense de Vôlei Master, que surgiu em 2009 e reúne mulheres de 50 a 75 anos. Todas têm em comum a fome de jogar. Ali, elas encontram disposição de sobra e muita alegria para compartilhar. Fora da quadra, a amizade é para a vida toda. Mas, quando toca o apito, o assunto é sério e não gostam de perder nem no par ou ímpar.
Para a coordenadora do Damas do Vôlei, Girlene Padilha, 66, o grupo é um incentivo para compartilhar experiências e evitar a solidão, comum à idade. Elas se reúnem duas vezes na semana, com direito a viagens para os campeonatos. ;A melhor coisa é conviver com as meninas e jogar. Levamos tudo muito a sério, mas também sabemos nos divertir. Estamos sempre conversando e saindo juntas.; Além disso, para as sexagenárias com ar tão jovial, é um orgulho dividir o vôlei com a ocupação de ser avó.
Em estudo, recentemente realizado pelo mestre em gerontologia Elias Rocha de Azevedo Filho, com 119 idosos nos Pontos de Encontro Comunitário (PECs) do DF, 74,8% dos idosos que afirmavam fazer atividade física não tinham sinais de depressão. Um índice que, para a psicóloga e professora da Universidade Católica de Brasília Isabelle Chariglione, é bem acima do comum caso fosse analisada a população em geral ou idosos em situação asilar, por exemplo.
O treinador da equipe, Rodrigo Figueredo, afirma que a idade cronológica é o que menos interessa na quadra. ;É preciso ter muita coordenação motora, já que a bola não pode cair no chão. Trabalhamos o corpo de cada uma de forma individual. No seu ritmo, qualquer pessoa pode começar, pois jogamos pelo prazer.;
Médico geriatra do Hospital Brasília, Thiago Rodrigues concorda quanto ao ritmo dos exercícios e reforça que a atividade física traz inúmeros benefícios, como prevenir e ajudar no combate a doenças ; hipertensão, derrames, varizes, diabetes, osteoporose, ansiedade, depressão e problemas no coração e pulmões ;, além de melhorar a força muscular, diminuindo o risco de quedas e facilitando os movimentos dos braços, pernas e tronco.
Outro ponto positivo da prática de exercício na terceira idade, segundo o especialista, é a redução do consumo de remédios e o aumento da autoestima. ;É preciso se manter ativo não só pelo ganho muscular, mas também pelo exercício intelectual. Se o cérebro não é usado, ele tende a atrofiar, então, é interessante aprender coisas diferentes, fazer viagens e novas conexões. Isso faz toda a diferença.; E as Damas do Vôlei são um excelente estímulo. ;Elas são todas garotinhas;, brinca o treinador.
Assim como Darcy e Girlene, os olhos da administradora de empresas Maria Ângela Marini, 66, brilham quando o assunto é o vôlei, a paixão de sua vida. ;Pratico o esporte desde criança e nunca achei que, depois dos 50, poderia me sentir como uma adolescente, disputando campeonatos e fazendo novas amigas.; Ela quase não acreditou quando descobriu o grupo e percebeu que ainda tinha condições de participar de algo tão especial. Há 16 anos, Maria Ângela faz do Damas do Vôlei um pedacinho da sua família. Além disso, o esporte funciona como um escape para o dia a dia corrido, quando assume o papel de mãe, esposa, profissional, voluntária e avó de cinco netos.
Com a força de vontade e o incentivo da família, não há espaço para a tristeza ou para os sintomas físicos e emocionais que podem acompanhar a idade. Estar ativa e na companhia de pessoas queridas a faz apreciar cada dia mais a vida. ;São amigas que participam, inclusive, da minha vida pessoal. Elas me fazem bem em todos os sentidos. É como uma terapia;, conta. Para a administradora, o contato com o grupo traz crescimento pessoal, pois foi preciso reaprender a perder, a ganhar e a levar em consideração pequenas impaciências, resultado da convivência. Agora, a vontade é se aposentar para poder dedicar mais do seu tempo ao esporte. ;Eu me sinto bem, livre e jovial. Os 66 anos, só no registro de nascimento.;