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Curso para príncipes e princesas diminui a exclusão de crianças carentes

Especialista em cerimonial de protocolo e etiqueta dá aulas de boas maneiras para crianças em situações de risco social. Mudanças de hábitos reforçam a autoestima e aumentam a confiança da garotada

André Baioff*
postado em 20/08/2017 08:00
O requinte da nobreza durante a Idade Média agregava maneiras de diferenciá-la da plebe. Roupas, comidas, utensílios, tudo de alto padrão para manter a distância entre as classes. A etiqueta social, a postura e as boas maneiras usadas pelo rei Luís XIV da França, no Palácio de Versalhes, são exemplos mais notáveis de separar os ;civilizados; do povo ;bruto;. Hoje em dia, muita coisa mudou, porém, a postura, costumes imepcáveis continuam, muitas vezes, remetidos a quem teve acesso a uma boa instrução. Pensando nisso, a mineira Ozaina Barros Cruzeiro quebrou essa concepção e criou o curso Etiqueta Social, Postura e Boas Maneiras Para Príncipes e Princesas, para permitir que crianças carentes aprendam as regras para se comportar em público e em ambientes mais formais.

Formada em letras e com especialização em cerimonial de protocolo e etiqueta, ela sentiu, a partir de um incômodo pessoal, a vontade de dar cursos nessa área. ;De tanto observar, no meu convívio social, atitudes inadequadas, comecei a pensar em ensinar algo sobre o tema;, comenta a autora do livro Etiqueta para crianças ; Com licença, posso falar?

Começou ministrando o curso para adultos, mas percebeu que precisava voltar sua atenção também para as crianças. ;Não é só porque elas são pequenas que não precisam saber quais são as maneiras corretas de se comportar socialmente;, diz. Ozaina reforça que eles não precisam ser ricos nem ter roupas de grife, tampouco usarem coroas para serem príncipes e princesas. Serem gentis, elegantes e educados já basta para ganhar o título de nobreza.
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Cada turma reúne 15 crianças que podem pagar pelo aprendizado, mas ela disponibiliza três vagas para bolsistas que não tenham condições de pagar, como é o caso da cozinheira Rosineth Aparecida Mendes Fiuza, 43 anos, que soube, por meio de uma amiga, da oportunidade para sua filha Larissa, 13 anos. A moça quer ser designer de moda e conta com o apoio da mãe. Para ela, o curso fez toda a diferença. ;A forma como ela se sente engrandecida é fascinante. Passou a se comportar com mais sabedoria e se sente mais segura, além de se interessar mais pelos estudos;, orgulha-se Rosineth.
Mãe e filha abraçadas em um cenário da natureza.
O testemunho da mãe da Larissa levou Ozaina a dar oportunidade para mais crianças sem muitas condições financeiras. Então, há dois anos, ela trabalha em parceria com ONGs que auxiliam crianças entre 6 e 15 anos em situação de vulnerabilidade social. A primeira delas foi a Ação Social da LBV, que atende meninos e meninas que vivem na Estrutural. ;A maior conquista desse curso é o empoderamento das crianças e dos adolescentes que atendemos;, diz a gestora social da ONG, Eldilene Leal Gonçalves da Silva, 31 anos.

No começo, perguntavam a Ozaina se seria possível dar o curso de etiqueta mesmo crianças que nem têm mesa em casa. De fato, ao ministraras aulas, ela se deparou com a situação. Uma delas, certa vez, se aproximou dela e relatou a circunstância: ;Tia, não tenho mesa em casa. Como eu vou comer do jeito que você ensina?;, conta. A instrutora não titubeou na resposta: ;;Você vai crescer, correr atrás dos seus objetivos e não estará nessa situação pelo resto da vida. Vai conseguir chegar lá sabendo como montar a mesa e apoiar o braço;, disse.

Fim de velhos hábitos

Em um sábado, 30 crianças da Ação Social LBV foram até o ParlaMundi, levadas, em cortesia, por um ônibus fretado. Diante da mesa pronta para o café da manhã, começaram a receber os primeiros ensinamentos das boas maneiras, sem que percebessem. Naturalmente, a instrutora mostrava à meninada como segurar a taça, como adoçar o café e qual a colher certa para misturar; como deveria pegar o salgado, qual era o guardanapo correto para limpar a boca.

Depois, partiram para a aula teórica e descobriram os porquês de cada instrução aprendida. Logo, era a hora do almoço. ;Nesse momento, eles já estão mais familiarizados com tudo o que foi abordado. Mas não finalizamos aí. Ainda faço algumas atividades práticas;, diz a cerimonialista.

Ozaina também estabeleceu parceria com a Ação Social Criança Feliz Notre Dame, da Ceilândia. O local atende crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, encaminhados do Centro de Referência e Assistência Social. As atividades são extraclasse e elas ainda recebem atendimento psicossocial e participam de oficinas de música, artesanato, informática, jogos e educação física, estratégias para promover cultura e proteção em meio à situação de violência.
Garota de 12 anos tocando flauta doce barroca.
Evellyn Rodrigues Pereira, 12 anos, é uma das alunas e tem o sonho de ser policial federal e fazer parte do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos. Na instituição, ela aprendeu a tocar a flauta doce baixo barroca (uma espécie bem maior do que a tradicional flauta doce) e se encantou com o instrumento. Quando fez o curso de etiqueta, Evellyn gostava de conversar em sala de aula com as colegas e isso atrapalhava o rendimento escolar. Depois dos ensinamentos, aprendeu a se controlar mais e mostrou para as colegas a importância de aproveitar cada momento. ;Vi que tudo tem sua hora e lugar para acontecer;, diz a garota.

Dicas

As crianças são interessadas, prestam muita atenção e aprendem muito rápido. Basta ensiná-las. Ozaina Barros dá três dicas de etiqueta que servem para qualquer idade e valem para qualquer situação.

Festa de aniversário
Ozaina explica que não é preciso vestir roupas novas a cada evento social. Ela cita o exemplo da duquesa de Cambridge, Kate Middleton, que incentiva o consumo sustentável
e repete suas roupas e as dos filhos nas celebrações. ;É a simplicidade que faz a elegância.;

Frango com osso
É deselegante pegar a comida com as mãos? Ozaina explica que, em certos momentos, sim. Porém, em uma situação onde o prato inclui uma coxa de frango, por exemplo, vale reparar se o anfitrião a come com a ajuda das mãos. Se sim, fica a cargo do convidado a decisão de pegá-la também ou não. ;Mas é elegante acompanhar o anfitrião nessa hora;, sugere.

Receber o presente
Ganhou um presente embrulhado, mas é algo que você não precisa ou simplesmente não gostou? Ozaina diz que o certo é engolir as críticas e agradecer para evitar constrangimentos. ;Não preciso ser indelicado com quem teve a melhor das intenções;, orienta.
Especialista em cerimonial de protocolo e etiqueta dá aulas de boas maneiras  para crianças em situações de risco social. Mudanças de hábitos reforçam a autoestima e aumentam a confiança da garotada

Contatos

Facebook: facebook.com/ozainabarros
E-mail: ozainabc@hotmail.com
Telefone: (61) 98161-9265

Apoio financeiro

O curso de etiqueta para crianças em vulnerabilidade social não recebe qualquer apoio financeiro. Ozaina tem de arcar sozinha com o gasto com utensílios de auxílio, os talheres, pratos, lanches, material didático. Por isso, precisa de ajuda financeira para ampliar o projeto. ;É importante prosseguir com essa ideia porque, cada vez mais, as empresas exigem que as pessoas tenham uma boa educação. Isso faz muita diferença na hora de contratar, e essas crianças vão para o mercado daqui a pouco;, pondera.
(*) Estagiário sob a supervisão de Flávia Duarte

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