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Serviços de streaming e a cabo introduzem uma nova era da TV

Os serviços de streaming e a cabo mudaram a relação do telespectador com os programas televisivos e criaram uma legião de viciados em séries. Mas a velha e boa novela ainda é campeã de audiência nos lares brasilienses

Lígia Vieira*, Beatriz Queiroz*
postado em 25/09/2017 14:53
Às nove da noite, toda a família se reúne em frente ao aparelho de televisão para assistir à novela. Durante meses, acompanha a trama, geralmente, recheada de romance, ação e intriga. Por anos, esse era um ritual constante em boa parte dos lares brasileiros. Até que, no fim da década de 1980, chega um novo serviço ao Brasil: a tevê por assinatura. Com acesso a diversos canais, o telespectador tem à disposição uma infinidade de filmes, séries e programas. Mas as mudanças não param por aí. O streaming surge para revolucionar o jeito de acompanhar o programa favorito. A qualquer hora ele está lá, disponível também no computador, tablet ou smartphone.

Apesar de toda essa revolução, a velha e boa tevê, porém, ainda é o meio de comunicação mais querido pelos brasileiros. E são as novelas que conquistam a maior parte do público no Distrito Federal, segundo os dados de audiência do Ibope ; ranking de 28 de agosto a 3 de setembro.

A análise mostrou que a novela A força do querer lidera com folga a lista dos 10 programas com maior audiência. Na semana da pesquisa, a trama impactou mais de 1.500 espectadores em 39,1% dos lares do DF. A pesquisa mostra também novelas de outras duas emissoras como destaques de audiência e revela que, na sequência, os programas mais consumidos são os de entretenimento e de jornalismo, como o Programa do Ratinho e o Brasil Urgente.

Apesar da diferença de idade, Victor Lima, 21 anos, e Maria do Socorro Silva, 57, contribuem para que as novelas apareçam no topo do ranking. A dona de casa acompanhou as novelas que hoje são consideradas clássicas, como Tieta (1989-1990) e A gata comeu (1985) em suas primeiras exibições. Hoje, não perde um capítulo de A força do querer, assim como a maior parte dos lares brasilienses, mas gosta mesmo é de rever as histórias mais antigas.

Já as tramas mais recentes encantam o estudante, que é fã de novelas das nove e sabe a sequência em que elas foram exibidas desde que começou a acompanhar. Com o sonho de infância de se tornar dramaturgo, o estudante tem na lista de preferências títulos marcantes, como A favorita (2009-2009), Belíssima (2005-2006) e Vale tudo (1988).

Os serviços de tevê a cabo e de streaming também têm sua legião de fãs ; um público que mudou completamente o jeito de assistir aos programas televisivos. Ana Clara Trindade, 20, é uma delas. A estudante costumava ver jornal e filmes na tevê aberta, mas agora dá preferência à opção por assinatura. ;É, principalmente, por causa da maior opção de programas oferecida;, justifica. Ela também se rendeu à Netflix, um dos streamings mais conhecidos, com mais de 100 milhões de assinantes no mundo.

O serviço também é um dos queridinhos de Guilherme da Mata. O gestor de agronegócios passa todo o tempo livre acompanhado de séries e filmes, e viu nos streamings uma opção de obter programas mais diversos. Além da Netflix, ele é assinante do Amazon Prime, que chegou ao país no fim de 2016 e ainda não se tornou popular entre os consumidores locais.

Streaming para que te quero

Ana Clara tem assinatura de tevê a cabo e de streaming e elogia %u201Ca qualidade%u201D das séries: carinho especial pelo sitcom americano FriendsAs plataformas de streaming entraram no cenário brasileiro com o objetivo de permitir ao consumidor escolher o que gosta de assistir e a hora em que vai assistir. Anos antes, a tevê por assinatura surgiu no Brasil, ainda em 1989, com o mesmo propósito de passar conteúdos exclusivos. Hoje, soma 18,9 milhões de assinantes, segundo dados da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura.

O interesse de Guilherme da Mata em filmes e séries se deu a partir da tevê, ainda na infância. Porém, o gestor de agronegócios trocou a televisão pelo computador. Atualmente, assiste aos filmes e às séries, suas maiores paixões, pelos serviços de streaming que assina. Relembra que quando era criança alugava, nas locadoras, as fitas VHS, depois, DVDs, e, agora, tem tudo em smartphones e computadores. ;Hoje em dia, só não vê quem não quer, porque você tem tudo na hora em que desejar.;

A estudante Ana Clara Trindade não chegou a cancelar a assinatura da tevê a cabo, principalmente, por causa da grande variedade de programas oferecidos. Há dois anos, porém passou a assinar o serviço de streaming Netflix. Os motivos, segundo ela, são porque a tevê a cabo disponibiliza uma quantidade restrita de séries e o streaming dá a opção de assistir aos programas quando melhor convém. Além disso, Ana Clara divide a conta do serviço com a irmã.

O que mais chamou a atenção da estudante foi a produção de séries de qualidade. ;Além da variedade de séries e filmes prontos para serem descobertos.; Ana Clara diz que, hoje em dia, o que mais assiste são às séries, mas também ocupa seu tempo com telejornais e filmes. A estudante tem um carinho especial pelo sitcom americano Friends, que considera seu seriado favorito, e conta com muito humor, por 10 temporadas, a história da juventude de seis amigos.

Noveleiros de plantão

Victor Lima, 21 anos, é o que se pode chamar de noveleiro de carteirinha. Ele foi cativado pelas tramas rocambolescas da teledramaturgia, ainda na infância, pelos parentes. ;Todo mundo da minha família assistia, mas acho que gostei mais do que os outros;, brinca. Para o estudante, não importa quantas novelas já tenha assistido, o que realmente interessa é que são histórias simples e, quando bem contadas, envolvem as pessoas. Quando criança, assistia às novelas das seis e das sete, pois têm uma temática mais leve, e era proibido de ver as que passavam mais tarde. Porém, sempre dava um jeito de espiar e saber o que estava acontecendo nas tramas.

A novela que Victor mais gostou foi A favorita, exibida pela Rede Globo em 2008 e escrita por João Emanuel Carneiro. Para ele, a telenovela foi cativante do início ao fim. ;Fiquei muito surpreso como a história foi contada, porque você não sabia quem era a vilã e quem era a mocinha. Eu achei que, no final, seria uma pegadinha em que as duas seriam mocinhas ou vilãs. Mas você descobre que não. Na verdade, a que era legal é a do mal e a que parece do mal é a legal.; Além do desfecho surpreendente, a trama, em sua percepção, não teve momentos sem novas descobertas e surpresas.

Victor também tem muita curiosidade para assistir às novelas antigas, muitas delas lançadas bem antes de ter nascido. ;As pessoas falavam sempre sobre ;na época da novela tal;. Para quem gosta de teledramaturgia, esse tipo de comentário desperta interesse.; De tanto ouvir falar sobre Vale tudo, assistiu à reprise e se apaixonou, comprou até o boxe para rever sempre que quiser.

Apesar de achar que os enredos não se reinventam com o tempo, o estudante não deixa de assisti-los. ;Acho que as das nove eram melhores. Houve uma época em que tiveram muitas tramas seguidas boas. Foi o tempo de Senhora do destino (2004-2005) até Caminho das Índias (2009). Depois, começou a cair o nível;, analisa. Ainda acrescenta que, se sua agenda permitisse, acompanharia uma maior quantidade. ;Hoje, fica mais complicado seguir mais de duas novelas ao mesmo tempo.;

O interesse pela teledramaturgia ultrapassou as telinhas e, na adolescência, Victor fez um curso para escrever roteiros de novelas. ;Quando era pequeno, eu inventava histórias com formato de novela. Já escrevi cenas, estrutura dos personagens;, enumera. A paixão não para por aí. Quis aprender ainda mais sobre o tema, então leu diversos livros sobre o assunto e, atualmente, sabe inúmeras curiosidades sobre as tramas, os personagens e os escritores.

Outra noveleira da cidade é Maria do Socorro Silva. Aos 57 anos, a dona de casa já viu os grandes clássicos da teledramaturgia mais de uma vez e marca presença em frente ao sofá na hora das reprises, principalmente quando era a sua preferida, Pai herói (1979). ;Tem uma música que é muito marcante (Pai, do Fábio Júnior) e é a novela pela qual me apaixonei mesmo. Ela é linda, e a música me marcou, lembra os meus 15 anos. Toda vez que ela passa, eu paro para assistir.;

A paixão começou na adolescência e a acompanha até hoje, principalmente após o acesso à tevê a cabo. ;Tenho o serviço há três anos e, desde então, acompanho todas as reprises do Viva;, conta ela, que já assistiu às antigas ; Mulheres de areia (1993), A barba-azul (1974-1975), A gata comeu (1985), Pai herói (1979), Água viva (1980), Pecado capital (1975-1976), Renascer (1993) ;, além das mais recentes ; Velho Chico (2016), A lei do amor, e outros títulos que ela lembra por associação aos personagens e atores. ;Eu nunca sei o nome das novelas, eu sempre falo ;é a novela do fulano;;, diverte-se.

E se os títulos dos anos 1980 e 1990 têm espaço garantido no coração de Maria, os atuais enfrentam alguns obstáculos para conquistar a espectadora. Ela explica que as tramas têm ;muita safadeza; e não gosta disso, o mesmo sentimento se dá em relação às novelas de época. Mesmo com as dificuldades, a novela da Bibi, personagem de Juliana Paes em A força do querer, tem espaço garantido na agenda de Maria do Socorro. ;Eu gosto de assistir por causa da Bibi (Juliana Paes), porque é uma história real.;

Um fator que ajuda Maria do Socorro a se envolver com a história é quando percebe que a trama parece com algo que já viveu. A novela A lei do amor (2016-2017), por exemplo, chamou a atenção dela. ;É porque vi minha história no personagem do (Reynaldo) Gianecchini. O amor antigo, os personagens iam embora e depois se reencontravam.;

Toda hora é hora

Guilherme da Mata escreve críticas de filmes no Instagram e é viciado em sériesO gestor de agronegócios Guilherme da Mata, 23 anos, é viciado em filmes e séries. Para ele, não existe um momento específico do dia para assisti-los. ;Todo tempo é tempo!” Ele afirma que nos momentos em que não está no mestrado, no trabalho ou na academia, acompanha as novidades na programação dos streamings que assina. ;Qualquer tempinho, já abro meu computador, assisto àquela série que estou atrasado, àquele filme que eu não vi ainda.;

Guilherme acompanha muitas séries ao mesmo tempo. Fã de Suits, ele calcula que sejam mais de 40 ; em 21 delas, ele está atrasado, e nas outras está atualizado e esperando novos episódios. E não para por aí. Ele tem uma lista das que pretende começar a ver em breve. Para não se perder, o gestor utiliza o aplicativo TV Time no celular, no qual controla tudo o que já assistiu e recebe notificações toda vez que uma nova temporada ou um novo episódio surge. Além disso, o app mostra o tempo gasto com as séries juntando todos os episódios vistos.

Quando não usa os períodos livres com as séries, o jovem acha que está perdendo tempo. Ele já deixou de sair diversas vezes para fazer maratona de alguns episódios. ;Já disse que não ia porque queria ver alguma série várias vezes. Mas, algumas vezes, eu falo que vou ajudar minha avó;, conta, entre risos. O vício de Guilherme leva os amigos a perguntarem sobre os lançamentos e a pedirem indicações ; o que o faz sentir uma certa pressão para ver tudo assim que é lançado.

Antes de ser um amante de séries, o gestor de agronegócios era um aficionado por filmes. Ao lado do amigo Diogo Lima, criou o perfil Amada, crítica no Instagram, na qual coloca diariamente opiniões sobre aquilo a que já assistiram. ;Eu postei no Facebook que tinha visto Mulher maravilha (2017) numa pré-estreia. Vários amigos me perguntaram o que tinha achado e, com preguiça de responder a todo mundo, resolvi escrever uma crítica lá mesmo. Escrevi de um jeito meio sarcástico e, de repente, tinha mais de 100 curtidas.;

Depois disso, ele resolveu escrever algumas críticas e alguns amigos o incentivaram a criar uma página. Depois de certa relutância, ele resolveu atender os pedidos e criou a página no Instagram. A escolha se deu com base em uma pesquisa feita por Guilherme, que considerou a rede social forte e prática.

Por enquanto, os amigos escrevem apenas sobre filmes, pois acham arriscado fazer críticas sobre séries. ;As pessoas têm ligação forte com as séries, então, mesmo sendo ruim, se você fala isso, é execrado. Por exemplo, Pretty little liars e Gossip Girl são muito ruins, mas tem gente que ama e eu ia ganhar vários haters logo de início. Existe a possibilidade de fazer uma crítica quando acabou de começar, mas como fazer uma crítica de Friends ou daquela com os fake médicos, Grey;s anatomy? Como falar mal de uma série dessas?;, explica Guilherme.

Para Guilherme, nem sempre o que você gosta é bom e o que não gosta é ruim. Ele exemplifica séries como Narcos, que tem uma produção ótima, mas não conseguiu conquistar o coração dele. Assim como Transformers está na lista de preferências do gestor, mas ele considera a produção bem ruim.
* Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte

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