Revista

A união de casais que acumulam anos e anos de amor e companhia

Casais se planejam para a vida a dois, investem na superação dos conflitos diários da relação familiar e mostram que casamento pode ser, sim, até que a morte os separe. Segredo está em se reinventar e apostar na cumplicidade

Marília Padovan - Especial para o Correio
postado em 05/11/2017 08:00 / atualizado em 14/10/2020 12:34
Em tempos de amores líquidos, torna-se cada vez mais difícil manter um relacionamento saudável e feliz. Em 2015, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que o número de divórcios no Brasil cresceu 160%, em 10 anos. O número passou de 130,5 mil, em 2004, para 341,1 mil, em 2014. Mesmo vivendo em uma época em que parece que o amor saiu de moda, existem casais que mostram ser possível superar as diferenças e lutar para que o relacionamento amoroso continue sendo uma fonte segura de felicidade a dois.

Casados há 43 anos, mas juntos há 46, Afrânio de Sousa, 74, atende a esposa, Marisa de Sousa, 67, pelo apelido de “loirinho”. Eles se conheceram em uma festa de carnaval e, a partir da primeira troca de olhares, a história dos dois aconteceu como em um clássico filme romântico. Começaram a conversar, sair e namorar, até formar uma família de que ambos se orgulham extremamente. São três filhos, duas netas e muito amor envolvido.

Os dois se dividiam entre os cuidados com os filhos pequenos e não perdiam tempo quando o assunto era estar em família. “A casa sempre estava cheia e fazíamos questão de viajar muito com todos juntos”, comenta Marisa. Mas, há 10 anos, o filho mais novo saiu de casa e deixou o ninho completamente vazio. Marisa e Afrânio precisaram reaprender a viver em casal, mas dessa vez, sem os filhos.

“Sempre os apoiei (os filhos) em todas as decisões. Apesar de ser difícil vê-los ir embora, não podemos prendê-los para sempre”, conta o pai, emocionado. Por mais que o casal esteja junto há tantos anos, uma vez que os dois se enxergam sem as crias, a relação muda. Para Marisa, o momento foi de aprendizado. “A transição do casal é inevitável. Tudo fica diferente e as coisas mudam completamente. Afinal, perdemos algo importante para os dois: o convívio diário com nossos filhos.”

Redescobertas

Com o passar dos anos, ao mesmo tempo em que se cria mais intimidade e conhecimento sobre o outro, surge também a rotina. O relacionamento evolui. A partir da fase do encantamento, passa pela descoberta dos defeitos e deixa de ser uma novidade para se adequar ao dia a dia dos companheiros. Normalmente, depois desse ponto é que surgem as primeiras brigas e desentendimentos.

Quando os filhos deixam o lar, é comum que o casal enfrente a síndrome do ninho vazio, um sentimento misto de solidão e abandono. Mas eles têm um ao outro e podem fortalecer ainda mais os laços de cumplicidade e a companhia. É o momento de redescobrir o amor que existiu por anos dentro deles e que precisava ser direcionado somente aos dois. Uma nova fase se iniciou e, nela, o casal de aposentados se permitiu descansar e focar no relacionamento.

"Passamos a ficar mais tranquilos em casa, assistindo a filmes ou apenas conversando. Sabemos curtir a presença um do outro e nos divertir”, conta Marisa. Apesar de Afrânio ser fã de esportes, e Marisa, dos grandes romances, os dois não fogem do programa de casal todos os dias — seja em casa, seja em um restaurante que agrade aos dois, o casal faz questão de almoçar sempre junto.

Para Afrânio, um relacionamento feliz e duradouro exige preparação. "Hoje em dia, os jovens são muito impulsivos e não se planejam para a vida a dois. Quando pensamos em casar, temos que estar dispostos a enfrentar todas as dificuldades e diferenças que virão, porque elas sempre vão existir." Para Marisa, o amor deve prevalecer através dos momentos difíceis, superando qualquer idealização que não se torne real.

“Vejo que muitos sonham com um amor platônico, aquela paixão avassaladora na qual tudo é lindo, perfeito. É preciso se desapegar disso, porque, eventualmente, não se pode esperar só sexo e alegria", diz ela. Tudo se baseia em uma boa dose de amor, muita compreensão e em saber renunciar. "Tem que ter muito carinho e amizade pelo outro."

Grande aventura

Um casal só existe enquanto caminha junto. “Quando cada um quer seguir em uma direção diferente e o consenso deixa de existir, isso pode acarretar dois problemas. Ou eles brigam ou se distanciam. Assim surge a indiferença”, explica a psicóloga Lia Clerot. Especialista em terapia familiar sistêmica, ela afirma que os dois precisam ter objetivos estabelecidos em comum acordo, dialogar e trabalhar neste sentido — quase uma motivação para funcionarem como uma espécie de equipe.

Quando essa sintonia termina, as desavenças começam. Lia Clerot lembra que o casal nem sempre vai pensar da mesma forma, mas precisa resolver suas divergências com diálogo e concessões de ambas as partes, para que entrem em um acordo real. O segredo é pensar na reciprocidade e agir com empatia. Relacionamentos são escolhas, por isso não devem ser vistos como uma obrigação ou prisão.

“Foi a companhia que você mesmo escolheu para estar ao seu lado, seja nas horas boas, sejas nas ruins. Queira cuidar do outro como se cuidasse de si mesmo”, recomenda a psicóloga. Tudo isso leva a acreditar que não é impossível encontrar o sonhado amor eterno. Como Marisa e Afrânio, existem casais com muitos anos de relacionamento que continuam enamorados. A fuga da rotina é apontada como uma ótima saída para criar reconexões com o outro — um novo hobby, por exemplo, pode estimular um momento a mais de interação e descontração.

Na visão de Gary Chapman, autor do livro Casados e ainda apaixonados, a incompreensão do modo pelo qual os cônjuges demonstram e recebem amor é o principal fator de conflitos no casamento. As pessoas são diferentes umas das outras, e isso se torna mais evidente e incômodo na intimidade conjugal. 

Aprender a principal linguagem do amor do outro — palavras de afirmação, atos de serviço, toque físico, presentes e tempo de qualidade juntos — e praticá-la constantemente pode ser extremamente útil para impedir a dissolução do casamento. No livro, o autor insiste em dizer que o amor é uma questão de escolha, e não de sentimentos. Começa com uma atitude e se expressa em um comportamento que procura fazer a vida da outra pessoa melhor. 

“Essa dedicação ao cônjuge deve prosseguir por toda a vida. Para isso, é necessário enxergar o casamento como uma grande aventura, com todos os benefícios e dificuldades envolvidos em uma aventura compartilhada com outra pessoa”, explica o editor de Casados e ainda apaixonados, Daniel Faria. 

Companheirismo

Dar ao outro o que gostaria de receber é o que melhor resume o casamento de 30 anos da professora Kátia Malaquias, 49, com o policial civil Salvador da Silva, 54. Apesar das divergências de pensamento e personalidade, os dois embarcaram em uma jornada romântica sem volta. Foram dois anos de vida a dois até a chegada do primeiro filho. Cinco anos depois, veio o segundo. 

Com a vida atarefada e os dois trabalhando, o casal se revezava para dar conta de tudo — Salvador trabalhava à noite para cuidar das crianças durante o dia, enquanto a esposa dava aulas. Hoje, os filhos ainda moram com eles, assim como a neta de 1 ano. 

Durante essas três décadas, Kátia e Salvador superaram as dificuldades financeiras, religiosas e conflitos comuns aos casais. Tudo em prol da felicidade e tranquilidade da família. 

“Sempre soubemos apreciar a presença do outro. Os filhos ainda vivem com a gente porque fazemos questão. Mas, quando chegar a hora de partirem, tenho certeza de que vamos continuar prezando pelo bem-estar da nossa relação”, afirma Kátia.

Eles fazem questão de almoçar juntos e de aproveitar o tempo livre. Nos fins de semana, os passeios do casal são sagrados. Tudo como nas palavras do escritor Gary Chapman. Segundo ele, “a receita para construir um casamento robusto é conhecida: comunicação, respeito mútuo, tempo na companhia um do outro e uso de estratégias saudáveis para a solução de conflitos”.

Amor conciliador

Mas, se é para resumir o essencial, dois pontos devem ser mencionados. O primeiro é que marido e mulher se amem e sirvam um ao outro de maneira a suprir suas necessidades emocionais de amor e intimidade. O segundo, que lidem efetivamente com suas fraquezas por meio dos atos de perdoar e pedir perdão. “Ninguém é perfeito, e amor muitas vezes consiste também em aceitar e perdoar os erros um do outro”, pondera o editor Daniel Faria.

Kátia conta que o segredo da relação sempre se baseou na dedicação que um tem pelo outro. “Nos esforçamos para dar o melhor e sempre com  alegria e bom humor. Temos nossas diferenças e momentos de brigas e discussões, mas somos mais fortes do que tudo isso.” Para ela, o companheirismo é a base da vida a dois — é compartilhar os momentos de felicidade, mas também ter apoio quando as coisas não ocorrem  como se esperava.

“Vemos muitos casais se separando no primeiro obstáculo. Muitos pensam só em si mesmos, no que é melhor para um, e não para o outro. Para mim, ser feliz é fazê-lo feliz e vice-versa.”  Os dois se completam e aceitam os defeitos que fazem parte da rotina.

 “É saber amar e perdoar. Compreender que existe muita coisa boa, mas também ruim. Nada é perfeito”, diz Kátia. Graças ao convívio de anos, o casal se entende como ninguém. Com alguns olhares conseguem compreender o que o outro quer dizer.

A sintonia é presente no dia a dia. “Às vezes, estou em casa e penso em como seria bom se ele trouxesse um pão para tomar café, por exemplo, e não dá outra. Ele surge com o pãozinho.” 

E isso, para os dois, funciona tanto nos momentos de lazer quanto nas decisões importantes. Os planos agora estão focados na aposentadoria — eles querem investir em viagens. “Fazemos questão de estar juntos, então, vamos viajar mais para aproveitar bastante.” 
 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação