Marília Padovan - Especial para o Correio
postado em 12/11/2017 07:00
Você já reparou no seu filho brincando? Usando apenas a imaginação, ele consegue resolver os mais variados tipos de situações. Basta uma pedrinha para o mundo se transformar em uma amarelinha, ou alguns colegas para uma fuga de quem pega quem. Isso acontece porque é no brincar que a criança trabalha o desenvolvimento emocional, social e cognitivo. Apesar de os benefícios das brincadeiras lúdicas serem inesgotáveis, as crianças têm cada vez menos tempo para elas, nos dias atuais, consumidos por agendas lotadas de atividades extracurriculares e pelo uso de aparelhos eletrônicos.
Os jogos são meios naturais que permitem à criança se expressar, libertar os sentimentos e descontentamentos. As brincadeiras servem como instrumento de estruturação do indivíduo e não trabalham apenas uma capacidade, mas várias, como percepção motora, equilíbrio e orientação espacial, explica a pedagoga Mônica Costa, do Maristinha Pio XII. ;Elas fazem com que as crianças aprendam com prazer e alegria, o que é importante para o conhecimento e fa ormação pessoal delas.;
Por meio do jogo, a criança compreende o mundo à sua volta, aprende regras, testa habilidades físicas, como correr, pular, aprende a ganhar e a perder. O brincar também desenvolve a aprendizagem da linguagem e a habilidade motora, diz Mônica. A experiência do brincar, de acordo com a educadora, cruza diferentes tempos e lugares. ;Passado, presente e futuro estão envolvidos em cada atividade que vem trazendo benefícios a todas as gerações.;
Outra vantagem especial da brincadeira em grupo é favorecer alguns princípios básicos, como o compartilhar, a cooperação, a liderança, a competição e a obediência às regras. Como o jogo é uma forma de a criança se expressar em circunstância favorável para manifestar seus sentimentos e desprazeres, o brinquedo passa a ser a linguagem dos pequenos.
Por esse motivo, os pais estarem presentes nas brincadeiras e atividades dos filhos é essencial, orienta Mônica. São nesses momentos que se torna possível compreender os medos e anseios da criança, além de permitir a criação de um vínculo e intimidade entre a família. ;Isso faz toda a diferença no crescimento deles, porque ali eles enxergam o suporte que terão durante a vida.;
Tanto os jogos como os outros brinquedos, os livros de histórias infantis ou simplesmente a imaginação permitem que toda a família participe e interaja. ;No Maristinha, investimos nessa aproximação;, diz Mônica. ;Além das atividades lúdicas que desenvolvemos na escola, passamos outras para que sejam realizadas em casa, com a participação dos pais. Isso reforça o vínculo entre a família.;
Unidos para o esconde-esconde
Energia é o que não falta na casa de Daniela Takahafhi, 38 anos. Mãe de Caio, 7, e Isabela, 5, a fisioterapeuta faz questão de colocar os eletrônicos de lado e incentivar as brincadeiras em grupo. Tudo à base do olho no olho. ;Saber lidar com o outro é essencial, e enxergo muito isso através dessas atividades.; Entender regras, saber esperar, cooperar, respeitar e ter autocontrole são alguns dos benefícios que a mãe percebe nos baixinhos quando apostam na ludicidade.
A idade próxima favorece o convívio, e os irmãos sabem aproveitar a companhia um do outro. Quando chegam da escola, descem para encontrar os colegas da quadra. A mãe logo afirma: ;Eles amam esconde-esconde. Toda vez é uma farra!” Os jogos, nos quais está implícito o perder e o ganhar, permitem que a criança possa começar a trabalhar a resistência à frustração.
;A melhor parte é que conseguimos brincar todos juntos. Brincamos de pular corda, amarelinha e outras coisas. Um dia, a gente estava brincando de adoleta e achei o máximo. É tão raro ver isso;, diz Daniela. Em cada atividade lúdica, a criança explora e reflete sobre a realidade e a cultura na qual está inserida, interiorizando-a. Experimentar diferentes papéis sociais por meio do faz de conta permite que a criança compreenda o outro e se sinta como ele, construindo uma preparação para a entrada no mundo adulto.
O papel dos pais
Para Daniela, participar das brincadeiras faz parte da rotina. ;Não basta o momento de fazer dever, tomar banho, almoçar. É mais do que isso, é algo prazeroso para a família toda.; Além disso, brincar é uma forma segura para as crianças encenarem suas angústias e agressividades e, assim, tentar elaborar e resolver os conflitos internos com a ajuda de quem os ama. ;Vejo que, em muitas famílias, os pais passam muito tempo fora, mas acredito que devemos valorizar o tempo de qualidade com as crianças, mesmo que seja pouco. Nós aproveitamos para conhecer nossos filhos e aprender mais sobre eles.;
Primeiro, deve-se pensar na brincadeira como questão histórica e cultural. De acordo com a psicóloga do desenvolvimento Danielle Sousa, o fato de muitas crianças não brincarem com a mesma frequência de antigamente revela não só grande ascensão dos recursos tecnológicos, mas também sobre a vida dos pais. Professora do curso de psicologia da Universidade Católica de Brasília, ela afirma que as crianças têm passado muito mais tempo em creche e escola. ;Assim, os pequenos têm abdicado das brincadeiras de rua, limitando-se ao incentivo das instituições.;
Imaginação
O ato de brincar contribui para que a criança se desenvolva integralmente, por isso a importância de garantir esse direito. Quando se fala do desenvolvimento motor, físico, psicológico e social, o brincar passa por todas essas aprendizagens infantis. ;A brincadeira corresponde à imaginação, e elas brincam por necessidade de desenvolvê-la. Esse papel é fundamental no desenvolvimento psíquico com o uso da imaginação em ação.;
É a ludicidade que possibilita à criança adentrar no momento de necessidade e desvendar o que aquela atividade traz para ela. São funcionamentos diferenciados, nos quais se torna necessário criar diferentes possibilidades para seguir a atividade.
Para Danielle, esse é um trabalho que deve começar logo nos primeiros momentos da infância, pois os benefícios são inúmeros. Ela alerta que os pais não devem usar as brincadeiras somente como forma de estimular a capacidade cognitiva da criança. ;É natural que eles queiram incentivar a inteligência, mas temos que ter cuidado para não intelectualizar a brincadeira o tempo todo, porque podemos impossibilitar que os pequenos criem as suas possibilidades;, explica. ;É preciso que tudo aconteça de forma espontânea, sem pressão para suprir interesses específicos.;
Tudo como antigamente Em um mundo cada vez mais urbanizado, industrializado e informatizado, a tendência é que muitas das brincadeiras tradicionais percam espaço nas preferências infantis. Mesmo assim, jogos e brinquedos como a peteca, a amarelinha, a ciranda, a pipa e a cama de gato têm um valor cultural inestimável.
Milene Soares, pedagoga e professora de ludicidade e corporeidade do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), fez um estudo aprofundado sobre a história das brincadeiras, em seu mestrado sobre educação lúdica. ;É incrível porque grande parte dessas atividades e jogos é tão antiga que não há registros com datas específicas.;
A única certeza, segundo Milene, é que a questão lúdica já era trabalhada antes de qualquer cultura, desde os primórdios. Ela afirma que o ato de brincar resgata historicamente a importância de conviver com o outro e, de forma quase inconsciente, absorver conhecimento. Todo brinquedo e brincadeira pode ensinar algo, assegura.
Mas Milene lembra que é importante, de tempos em tempos, abrir mão dos brinquedos industrializados e dispor de um momento para interagir com os pequenos. ;Desde a origem do ser humano, entendemos que o primeiro contato com a expressão e a emoção é por meio do brincar. Dentro das possibilidades lúdicas, a criança enxerga divertimento e criatividade.;
São brincadeiras ao ar livre, de roda e em grupo que trazem dimensão da interação e da capacidade de resolver problemas. ;É ali que você descobre potenciais e limitações não só físicas, mas também emocionais. É uma orientação corpórea da lateralidade.;
Aprender brincando
O brincar desempenha um papel importante na socialização da criança, permitindo-lhe aprender a partilhar, a cooperar, a comunicar e a relacionar-se, desenvolvendo a noção de respeito por si e pelo outro, bem como sua autoimagem e autoestima. Para Petrus Barros, 33 anos, tudo se resume a aprender brincando. Ele é pai de Helena, 5, Cecília, 3, e Catarina, 1.
;Através dos brinquedos, sem formalidade alguma, elas absorvem inúmeros conceitos;, conta Petrus. Ele e a mãe das pequenas, Cleonice Duarte, são professores e, por isso, as meninas vivem a rotina de brincadeiras. Sem televisão em casa, os pais fazem questão de sempre estimular as atividades lúdicas. E garante que elas aproveitam muito. ;Brincam com o cachorro, correm no quintal e se divertem.;
Com tanto incentivo em casa, Petrus e Cleonice conversam muito sobre quando a criança perde a magia pela escola. ;Sempre nos questionamos sobre que dia elas vão acordar e não querer mais ir à escola. Tentamos mostrar para as três que o aprendizado e as brincadeiras devem ser conciliadas.;
Os dois concordam que os pais têm um papel fundamental no que diz respeito à preparação dos espaços, à seleção dos brinquedos e aos contextos a serem explorados. São esses quesitos que proporcionam à criança um ambiente enriquecedor para a imaginação infantil e que estimulam as interações sociais com outras crianças, familiares e amigos.
Intermediação
E o ;enriquecedor;, é claro, não significa proporcionar brinquedos caros. Ao contrário, são meios que permitem a exploração de diferentes linguagens como a musical, corporal, gestual e escrita. E o adulto pode e deve participar sempre.
;Existem brincadeiras da nossa época que ficam em desuso e acho importante encontrar tempo para apresentá-las às crianças. Se somos hoje o que somos, foi graças a tudo que aprendemos lá atrás, então não podemos esquecer do que nos foi dado;, reconhece Petrus.
Na interação, o adulto sempre tem oportunidade de conter e ajudar a criança na elaboração das inquietações que surgirem durante a brincadeira, bem como enriquecer e estimular a imaginação da criança, despertando-lhe ideias e questionando-a para a descoberta de soluções.
Muito além de brincar e correr
Na família da psicóloga Camilla Nunes, 37, as brincadeiras guiam o aprendizado dos baixinhos João Pedro, 10, e Bettina, 8. Como forma de estimular o desenvolvimento, aos 6 meses de idade, os dois começaram a fazer aula de música e psicomotricidade. Hoje, é a diversão que dita as regras e a evolução emocional e intelectual dos irmãos.
;Vejo muito a vivência em sociedade refletida em cada atividade. Eles assimilam o respeito e as regras necessárias para viver em grupo. Vai muito além de brincar e correr, por exemplo. Trata-se de uma formação de valores para cidadãos de bem;, explica a mãe.
É a amarelinha, o jogo de tabuleiro, o pular corda e o pique-pega que auxiliam as crianças na descoberta de si e do mundo. A brincadeira não é o objeto em si, mas um conjunto de estratégias e habilidades que possibilitam experiências que revelam o mundo e as desenvolvem para o futuro. ;Teve um dia que a Bettina me deu uma aula de xadrez. Achei o máximo, porque ela explicou do jeitinho que aprendeu. Conseguimos passar um tempo fazendo algo prazeroso e cheio de ensinamentos;, conta a mãe, orgulhosa.
Durante a semana, sempre sobra um tempinho para brincar, mas a diversão é garantida mesmo nos finais de semana. ;Reunimos os dois, os primos e os colegas e partimos para o rancho. Lá, todos brincam de tudo um pouco, montam a cavalo, andam de bicicleta, escalam árvores e se jogam nas brincadeiras;, conta Camilla.
Na escola
Ao longo do tempo e com os avanços tecnológicos, brinquedos e brincadeiras foram mudando, mas o prazer da criança em brincar é o mesmo. Assim, é fundamental que a escola incentive isso, porque é uma continuidade de casa. Os filhos de Camilla chegam do colégio felizes, contando as atividades que tiveram. ;Acho isso incrível. O papel dos professores é orientar esse processo, com projetos que ajudem no desenvolvimento e nas habilidades específicas de cada faixa etária.;
João Pedro e Bettina estudam no Le Petit Galois, escola que promove, semanalmente, momentos de V.A. (Vivendo e Aprendendo) e B.C. (Brincadeiras de Criança). ;Quando os assisto participando, vejo que brincam de brincadeiras da minha infância, que usam o corpo e aproximam os colegas. É legal saber que isso acontece e que eles podem ser crianças de verdade, livres e felizes.; A escola desenvolve atividades com jogos clássicos como queimada, amarelinha, pula-corda, carrinho de rolimã e pique-pega, sempre mediadas pelos professores.
O ideal, segundo Camilla, é que os educadores trabalhem com as crianças de igual para igual, mas, ao mesmo tempo, intermediando e exercendo um papel de guia e mentor. Na escola, eles sobem em árvore, pulam amarelinha, correm de um lado para o outro e até fazem os próprios brinquedos utilizando apenas sucata.
Camilla faz questão de frequentemente perguntar aos filhos se estão gostando da escola e como anda a rotina. Em uma dessas conversas, o filho, João Pedro, afirmou com convicção: ;Lá a gente estuda muito, mamãe. Temos que ser bem inteligentes. Mas também brincamos bastante e eu adoro;. Para a mãe, ficou a certeza de que está investindo no melhor para eles. ;O tempo da criança precisa ser respeitado. Não adianta só cobrar nota e estudos, então é bom saber que está tudo balanceado.;
;Desce pro Eixão;
Queimada, pula elástico, pula corda, amarelinha, pique bandeirinha e até corrida de saco. No primeiro domingo de outubro, as brincadeiras tradicionais de rua marcaram presença no ;Desce pro Eixão;. O evento gratuito reuniu famílias em mais de 20 atividades à moda antiga e foi organizado por alunos do Curso Técnico em Eventos do Instituto Federal de Brasília (IFB).
Gregory Di Medeiros, um dos responsáveis, explicou que o intuito do evento, além de colocar a turma em contato com a comunidade, é resgatar a cultura de brincadeira de rua. ;A programação era para os pais também. Todos puderam brincar e se divertir juntos, sem se preocupar com as obrigações que ficaram em casa;, explicou.
Os organizadores já estão planejando marcar o próximo encontro. São mais de 15 atividades divididas em duas áreas ; ;vapt-vupt;, para recreação com algum brinquedo específico, como corda ou elástico, e outro espaço para atividades em grupo, como queimada e pique pega. ;O melhor é que as crianças podem se divertir com os pais também. Chamamos todos para viajar no tempo, deixar os eletrônicos de lado e dar uma chance para se divertir à moda antiga;, conta Gregory.
Fácil, barato e divertido
Os benefícios das brincadeiras de rua, em grupo, e que utilizam o corpo e a mente são incontáveis. Em ação, as crianças desenvolvem múltiplas linguagens, organizam os pensamentos, descobrem regras, tomam decisões, compreendem limites e desenvolvem a socialização e a integração com o grupo.
O melhor de tudo é que, além de se divertir, todo esse aprendizado prepara as crianças para o futuro, quando terão de enfrentar desafios semelhantes às brincadeiras. Por isso, separamos algumas atividades que vão além das mais conhecidas para aprender brincando.
Elefante colorido
Escolha um participante para comandar a brincadeira. Ele deve ficar na frente dos demais colegas e dizer alto: ;Elefante colorido!”. Os outros respondem: ;Que cor?; Então, ele grita o nome de uma cor, que deve ser tocada pelos participantes o mais rápido possível, antes que sejam pegos pelo comandante. O primeiro a ser capturado vira o próximo a liderar a brincadeira.
Oficina de fantoches
Com rolos de papel higiênico, papel toalha cortado ao meio, ou ainda pacotes para pipoca, mais canetinhas, giz de cera, pedaços de lã, cola branca e enfeites à sua escolha, é possível criar fantoches divertidos com as crianças e depois montar até um teatro.
Eu sou eu, e você é você
Peça para que cada criança deite em cima de pedaços grandes de papel kraft. Desenhe a silhueta de cada uma delas e entregue de volta, para que elas possam completar com olhos, boca, nariz, roupas e o que mais acharem importante.
Batata quente
Os participantes se sentam em círculo e uma pessoa fica de fora. Eles vão passando uma bola bem rápido, de mão em mão, e o que está de fora, de costas para o grupo, grita ;batata quente, quente, quente, queimou!”. Quem estiver com a bola quando o colega disser ;queimou; é eliminado da brincadeira.