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Doenças do sistema cardiovascular são as que mais matam no Brasil

Se você não sabe a quantas anda seu colesterol, não pense que vai enganar esse e os outros vilões das doenças do sistema cardiovascular, as que mais matam no Brasil. Faça como o policial militar Lourival Albuquerque, que se salvou pedalando

Marília Padovan - Especial para o Correio , Renata Rusky
postado em 26/11/2017 07:00
Hipertensão, dislipidemias (gorduras no sangue), diabetes são doenças crônicas para as quais há tratamento eficaz. No entanto, são negligenciadas, o que preocupa profissionais da saúde, já que todas são fatores de risco para a maior causa de morte no Brasil e no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde: os problemas cardiovasculares. Mas ;morrer do coração; ficou naturalizado, quando, em muitos casos, poderia ser evitado.

O Cardiômetro, site criado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), calcula quantas pessoas morreram por doenças cardiovasculares ; como infarto, acidente vascular cerebral (AVC), doença vascular periférica. Já são mais de 300 mil pessoas no Brasil só em 2017, e o número aumenta de forma assustadora. Estima-se uma morte a cada 40 segundos. Apesar do perigo, não há divulgação suficiente para alertar as pessoas sobre os cuidados, reclamam os especialistas.

O descaso é tanto que uma pesquisa divulgada em março deste ano pela SBC, em parceria com a Sanofi, identificou que 67% dos brasileiros desconhecem as próprias taxas de colesterol. ;Precisamos de campanhas para convencer as pessoas de que, mesmo sem sentir nada, elas precisam fazer checape para identificar fatores de risco. Falta mostrar como é importante controlá-los. Muitos sabem que têm diabete e pressão alta, por exemplo, mas não percebem que, em conjunto, podem causar morte cardiovascular;, explica Fausto Stauffer, coordenador de cardiologia do Hospital Santa Lúcia Norte e diretor científica da Sociedade Brasileira de Cardiologia do DF.

O cardiologista Francisco Kerr Saraiva acrescenta que também falta disciplina para aderir aos tratamentos, tomar os remédios regularmente e mudar os hábitos ; ter uma alimentação mais saudável, sair do sedentarismo, se exercitar, perder peso, parar de fumar. ;Não dá para falar em fármaco sem pensar em dieta. Tem que haver mudança no estilo de vida. A pessoa que é inerte a fazer exercício vai ser também para tomar medicamento;, compara.

O policial militar Lourival de Almeida Albuquerque, 55 anos, gostava de andar de bicicleta e fazer trilhas, mas, depois de um acidente, em 2010, ficou cerca de um ano sem fazer exercícios. Quando voltou a pedalar, estava no meio de uma trilha, a 40km de casa, quando sentiu uma dor terrível no peito. ;Era insuportável, perdi minha força. Doíam as juntas, queimava forte no peito;, relata. O polar (monitor) no pulso avisava que a frequência cardíaca estava muito alta, mas ele não cogitou a possibilidade de um infarto.

Apesar da dor, ele pedalou 8km para chegar à pista, onde ligou para o irmão e pediu que o buscasse. No hospital, descobriu que estava sofrendo um infarto e que havia três coágulos em artérias importantes para irrigar o seu coração. Ele foi o único da família a passar por isso, embora a mãe também tenha pressão alta. Até os 60 anos, segundo o cardiologista Fausto Stauffer, os homens são mais suscetíveis a uma doença cardiovascular do que mulheres.

;Super-Homem;

Gosto pelo ciclismo fortaleceu o coração de Lourival e o livrou da morte por infarto: depois do susto, veio a coleção de medalhasOs médicos concluíram que Lourival teria morrido, não fosse o coração forte de ciclista. ;Eles me disseram que meu coração era forte por causa da atividade física;, relembra. Depois do susto, ele passou a tomar religiosamente nove comprimidos por dia, entre eles, um para controlar a pressão e um anticoagulante. O número vai cair para para sete, que não vão deixar de ser tomados nunca mais. Mas não foi só isso que mudou na vida de Lourival: ele também perdeu quase 20kg.

Grato ao ciclismo, ele passou a se dedicar ainda mais: contratou uma assessoria especializada e começou a participar de uma competição atrás da outra. Coleciona troféus e sacolas de medalhas. ;Meus colegas mais novos que pedalam comigo brincam que os médicos colocaram outro coração em mim, de Super-Homem;, orgulha-se.

Os hábitos alimentares também mudaram: Lourival bebia pouco, agora não bebe nada. Também não toma mais refrigerante e sua comida é sem sal. A profissão o obrigava a fazer exames periódicos. Ele se sentia bem e não imaginava que isso aconteceria com ele. Hoje, avalia que foi uma forma de dar mais valor à própria vida e a se cuidar mais.

Alerta também para as mulheres

O hábito de negligenciar a prevenção de doenças cardiovasculares não diferencia homens e mulheres. O cardiologista Fausto Stauffer diz que as mulheres procuram o ginecologista regularmente para evitar câncer de mama ou de colo uterino, mas não se preocupam tanto com a possibilidade de sofrer um infarto (bloqueio do fluxo sanguíneo para o coração) ou um AVC (interrupção do fornecimento de sangue para o cérebro).

E são elas as maiores vítimas. Segundo dados do Ministério da Saúde de 2016, as mulheres morrem mais de doenças isquêmicas do coração ; 29,5%, contra 23,35% de homens, na população a partir dos 30 anos. Os números indicam que elas têm maior mortalidade quando comparadas aos homens, mas isso não significa maior prevalência da doença. Ele tem mais doença cardíaca e ela morre mais. Nas mulheres, o início da doença é mais tardio, após a menopausa. Isso porque o estrogênio protege o coração, impede o acúmulo de colesterol nas artérias e tem efeito anticoagulante.

Na avaliação do cardiologista Leandro Martins, diretor médico da região intercontinental na empresa americana de biotecnologia Amgen, o câncer sensibilizou mais porque a sociedade médica foi mais eficiente em mostrar a dor e o sofrimento que ele causa. ;O câncer assusta mais, a pessoa definha, Hollywood mostra. Quem vê cara não vê coração, literalmente;, afirma.

Mas, se há fatores de risco para doenças cardiovasculares que podem ser controlados para evitar um infarto ou um AVC, também existem condições que não podem ser mudadas, como a predisposição genética. O pai e os cinco irmãos de Getúlio Guedes, 68, microempresário, morreram de infarto, entre 32 e 40 anos, e uma irmã precisou colocar um stent ; um tubo perfurado inserido em um vaso sanguíneo para prevenir ou impedir a constrição do fluxo no local, causada por entupimento das artérias.

Dor no peito

Getúlio não era hipertenso, mas sofreu três infartos: herança familiar. A mulher dele, Margot, defende a prevenção: alimentação saudável

O histórico familiar perseguiria Getúlio. Mais cuidadosa, a mulher dele, Margot Eiras, 72, aposentada, o alertava sobre os riscos. ;Eu dizia que ele tinha que se cuidar. Sempre tive muito cuidado com a saúde, fazendo checape todo ano, com bons médicos. É melhor do que ter que correr atrás depois;, conta. Mas como tinha uma vida normal, nada sentia e não era obeso, ele não via tanta necessidade. Até que veio o primeiro infarto. E, depois, o segundo.

;Eu fazia exames por causa do quadro familiar, mas algumas vezes deixava passar. Não ligava tanto para cuidar da saúde;, admite Getúlio. Ele não era hipertenso nem diabético. Até que uma noite, depois de dançar até tarde com a mulher em um ;baile dos anos dourados;, já em casa, sentiu uma forte dor no peito que irradiava para o braço. ;Eu já sabia o que era, já conhecia. Vi meu irmão morrer nos meus braços com a mesma dor;, lamenta. Margot o levou para o hospital, onde foi internado e precisou, como a irmã, colocar um stent.

No ano seguinte, mais uma vez. Ele estava em São Paulo a trabalho e sentiu a mesma dor característica, um formigamento no rosto. Depois de ser atendido, descobriu que não podia mais adiar a medida que precisava adotar: controlar o colesterol. Dispensou os quatro potes de sorvete que sempre o aguardavam no congelador. Também passou a controlar as massas. Dos 10kg que foi orientado a perder, já se livrou de nove. ;Foi difícil, mas, uma hora, a gente se acostuma.;

O teste que pode salvar

O tempo de socorro é essencial para evitar sequelas. Assim, é extremamente importante saber reconhecer se alguém está sofrendo um AVC. Se você identificar qualquer um desses sinais, ligue na hora para o Samu (192), ou corra para um hospital:

Abraço
Peça para a pessoa levantar os dois braços. Certifique-se de que um lado não está fraco.

Música
Peça para cantar ou falar uma frase. Veja se a fala é anormal e se a pessoa entende o que você diz.

Sorriso
Peça para dar um sorriso. Verifique se a boca está torta.

Os melhores amigos

Peixes
Ricos em ômega-3, possuem ação anti-inflamatória e também auxiliam na redução do colesterol ruim (LDL) e triglicérides e no aumento do bom colesterol (HDL)

Azeite de oliva
O tipo extravirgem reduz os níveis de colesterol ruim e aumenta o colesterol bom. Dessa forma, previne doenças cardíacas e aterosclerose

Aveia
O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras solúveis e com maior capacidade de diminuir o colesterol sanguíneo, reduzindo a absorção de colesterol e retardando a digestão das gorduras

Soja
Reduz os níveis de colesterol sanguíneo, pela ação das proteínas da soja e das isoflavonas, classe de substâncias vegetais que tem funções semelhantes ao estrógeno humano. As principais fontes são o feijão de soja e o queijo (tofu), molho (shoyo), farinha e leite, todos também de soja, dentre outros

Suco de uva
Os flavonoides presentes na uva podem agir como substâncias antioxidantes, reduzindo o risco de doenças cardiovasculares.

Os maiores vilões

Sal
Pode elevar a pressão arterial, contraindo as artérias e, consequentemente, aumentando as chances de infarto e derrame. Além disso, compromete o funcionamento dos rins. Atenção aos alimentos industrializados e processados, sopas instantâneas, temperos prontos, salgadinhos de pacote, enlatados, conservas e defumados.

Açúcar
O excesso de açúcar na alimentação pode levar ao diabetes e à obesidade. Não exagere no consumo de doces, chocolates, refrigerantes, massas e pães

Gorduras saturadas
Promovem o aumento dos níveis de colesterol ruim (LDL) no sangue. Estão presentes na gordura da carne vermelha, na pele das carnes brancas, no óleo e polpa de coco, dendê, banha, gema do ovo, frutos do mar (camarão, lula, marisco, polvo), vísceras (fígado, coração), leite integral e derivados, queijos amarelos, frios e embutidos.

Gorduras trans
São formadas pelo processo químico de hidrogenação e usados para fazer alimentos ficarem mais cremosos ou, então, mais crocantes. Aparecem em bolachas recheadas, sorvetes cremosos, molhos prontos, folhados, salgadinhos de pacote, alimentos fast food. Além de aumentar o colesterol ruim, têm o poder de reduzir o bom colesterol.

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