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Artes (das) guerreiras trazem benefícios além do corpo e da mente

Lutas marciais empoderam e ajudam mulheres a derrubar preconceitos e a vencer problemas, que variam de estresse e ansiedade a doenças como a hipertensão

Carolina Militão*
postado em 18/03/2018 07:00
As mulheres, definitivamente, descobriram o poder das artes marciais para o corpo e a mente. Se, por um lado, as modalidades esportivas que envolvem luta servem como defesa pessoal e ajudam na formação do caráter, por outro, tonificam os músculos, reduzem a gordura corporal, auxiliam na autoestima e no empoderamento feminino.

Shirley começou há cinco anos com o boxe e o muay thai e depois aderiu ao jiu-jitsu, judô e MMA: coleção de medalhasA professora Shirley de Jesus Bastos de Sousa, 31 anos, é adepta de cinco modalidades de artes marciais. Há cinco anos, pratica boxe e muay thai. Seis meses depois de mergulhar nessas duas modalidades, aderiu ao jiu-jitsu. Mais um ano, acrescentou o MMA e, em seguida, o judô. Ela começou a fazer essas aulas para perder peso e gordura, porém, com o tempo, acabou se apaixonando pela prática. O esporte, para ela, tornou-se um estilo de vida.

;Nessa trajetória, notei muitos benefícios no meu corpo. Melhorei meu condicionamento físico, minha qualidade de sono, perdi peso e ganhei massa muscular magra. O remédio que eu tomava para hipertensão foi eliminado da minha rotina. Hoje, com as artes marciais, ela é controlada;, conta Shirley.

Os exercícios também lhe renderam prêmios. Desde 2015, ela já participou de 15 competições de jiu-jitsu, conquistou 12 ouros, duas pratas e um bronze. ;Todos os campeonatos foram importantes, mas o que mais me marcou foi a Copa Fredon, porque lutei em outro estado, com outro clima e por ser a primeira competição em uma nova categoria ; adulto médio, em que tive que baixar 7kg.;

Também enfrentou preconceitos. ;Já ocorreu, no jiu-jitsu, de homens se recusarem a treinar comigo, por medo de me machucar ou, até mesmo, por achar que os exercícios não renderiam. O preconceito ainda existe, mas acredito que vem das pessoas que não praticam;, diz. As turmas de Shirley são mistas. Mas há modalidades que são mais difíceis para as mulheres.

No muay thai e no boxe, o grupo tem a mesma quantidade de homens e mulheres. Já no jiu-jitsu, no judô e no MMA, a maioria é masculina. ;Essas modalidades exigem que as mulheres abram mão de unhas grandes, por exemplo, e oferecem riscos de machucar as orelhas e calejar os dedos.;

No decorrer dos treinos, segundo Shirley, hematomas aparecem e os cabelos quebram, mas existem toucas para proteger. Não é fácil, porque é um esporte com muito contato. A maioria desiste, pois junta o preconceito e o assédio;, lamenta.

Cultura machista

Para o doutor em psicologia aplicada ao esporte da The Ohio State University Manoel Rodrigues Neto, o preconceito existe e é cultural. ;Historicamente, diante da cultura machista, mulheres são criadas para o lar. Já os homens são protetores e provedores. Há uma dificuldade de aceitação da sociedade, em geral, de as mulheres saberem lutar melhor que os homens e, até mesmo, ganharem um salário maior que o deles, porque isso é uma ameaça para o papel do sexo masculino na família.;

Em países desenvolvidos, como EUA, Canadá, Noruega e Alemanha, segundo Rodrigues Neto, esse preconceito é menor e fortemente combatido pelas comunidades locais. ;Nesses lugares, é comum ver os homens se envolverem com as tarefas de casa, com a chegada do primeiro filho, caso a mulher tenha mais perspectivas financeiras e profissionais. Ou seja, os papéis se invertem;, conta. ;E as mulheres praticantes de artes marciais são mais respeitadas e valorizadas.;

A prática esportiva por mulheres é associada a estereótipos relacionados à ;masculinização feminina;. Para Rodrigues Neto, no Brasil, muitas delas vivem sob a ditadura estética e desistem de praticar esporte na adolescência por temerem ficar com um corpo musculoso e menos gordura nas regiões do seio e quadril. ;Existe uma ambiguidade, pois é uma época em que se busca igualdade entre os sexos.;

Além disso, destaca Manoel, a prática de esportes tonifica os músculos e reduz gordura corporal. ;E ainda auxilia na autoestima e no empoderamento feminino, combate o estresse, a ansiedade, a inabilidade social, as fobias, a depressão, o sedentarismo e a obesidade;, acrescenta.

Benefícios coletivos

Jucifran pratica muay thai desde 2011: aposta na definição muscular e coordenação motoraA publicitária Jucifran dos Santos Nascimento, 35 anos, pratica muay thai desde junho de 2011. Ela sempre gostou de atividade física intensa e que trabalhe a coordenação motora. Definição muscular e bom condicionamento físico melhoraram seu corpo. Quando questionada sobre preconceito nas academias, ela diz que em nenhum momento passou por essa situação.

Os benefícios das diversas modalidades das artes marciais ; judô, karatê, MMA, jiu-jitsu, muay thai e taekwondo ; são coletivas. Para o professor da Universidade de Brasília e especialista em ciências da saúde Victor Lage, que ministra a disciplina metodologia das artes marciais e lutas, não há como individualizar as vantagens das modalidades, pois os benefícios são da prática de exercícios físicos.

;Redução dos níveis de ansiedade e depressão, aumento da autoestima e confiança, controle da agressividade, ganho de força muscular, flexibilidade, coordenação motora, redução de gordura corporal e hipertrofia muscular (quando aliados à orientação nutricional) são os benefícios coletivos das artes marciais;, esclarece Vitor.

Kallianna (D) se dedica ao taekwondo e ao tai chi chuan:  busca do conhecimento e do equilíbrio entre a mente e o corpoO taekwondo e o tai chi chuan estão presentes na vida da médica alagoana Kallianna Gameleira, 38 anos, para promover o equilíbrio entre a mente e o corpo, e o autoconhecimento. As atividades, para ela, proporcionam bem-estar, aliviam os sintomas da TPM e fortalecem a musculatura.

;As artes marciais ensinam técnicas de defesa pessoal, uma das características que me chamaram a atenção. Mas nem tudo são flores. As mulheres ainda são consideradas frágeis. Já ouvi várias vezes que ;luta não é para mulher;, coisas como ;você vai se machucar;, ou ainda, ;cuidado quando for lutar com ela;;, finaliza Kallianna.

Vitor esclarece que esses preconceitos estão diminuindo e que a prática para ambos os sexos tem sido incentivada. ;Outro detalhe importante é a melhora na qualificação dos professores e instrutores, que nas últimas décadas é proporcionada pelas instituições universitárias e federativas das modalidades;, explica.

Qualidade de vida

  • Estudos recentes apontam que lutas como o judô são benéficas na redução de quedas em idosos.
  • As artes marciais melhoram a densidade óssea em mulheres jovens e idosas, segundo pesquisas.
  • As lutas também melhoram a qualidade de vida na menopausa, influindo na qualidade do sono e nas alterações de humor.
  • A atividade ameniza dores advindas de patologias como artrite e reumatismo.

Quebra de monotonia

  • O perfil de mulheres que buscam as lutas, hoje, tem sido direcionado para defesa pessoal e participação em competições recreativas ou profissionais.
  • As lutas já oferecem exercícios mais interativos, que ajudam a superar a monotonia e a rotina das salas de musculação.
  • A musculação permite desenvolver mais a força e a hipertrofia muscular, mas isso não quer dizer que esses benefícios não ocorram na prática das lutas. Apenas são ganhos proporcionais diferentes, maiores para a musculação.
  • Outro benefício está relacionado ao contexto social, com formação e interação de laços socioafetivos, que permitem maior aderência ou permanência no programa de exercício, e mudanças para hábitos de vida saudáveis e combate ao sedentarismo.
Fonte: Victor Lage, professor da Universidade de Brasília e especialista em ciências da saúde

* Estagiária sob supervisão de Valéria de Velasco, especial para o Correio

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