Tatiana Sócrates - Especial para o Correio
postado em 01/04/2018 07:00
;Flores para quando tu chegares, flores para quando tu chorares. Uma dinâmica botânica de cores para tu dispores.; Os versos da música de Zélia Duncan ilustram bem como essa obra-prima da natureza é apreciada e festejada nas mais diversas ocasiões. Alegram corações, decoram casamentos, servem como pedido de perdão, selam uniões e, na Páscoa, são usadas como símbolo de renascimento.
Cultivá-las ou transformá-las em lindos arranjos tem se tornado um hobby para muita gente. A servidora pública aposentada Lilian Manzur é uma dessas pessoas que encontrou nas flores uma atividade prazerosa. ;Sempre gostei de ter flores naturais na decoração da casa. Busquei aprimoramento em cursos para aprender a fazer arranjos para celebrações, retiros e eucaristias da minha paróquia.;
A aposentada descobriu que, para manusear e criar arranjos florais, a sensibilidade e o amor são imprescindíveis. ;Aprendi a educar o olhar no sentido de que, com folhagens do cerrado ou plantas que estão em nosso jardim, é possível criar belíssimas peças florais rústicas;, ensina.
Márcia Rosely de Carvalho, uma das fundadoras da Associação Central Flores, na Ceasa, reforça que, em Brasília, há uma boa diversidade de flores tropicais e temperadas. ;Entre as tropicais mais comuns, temos heliconias, alpinias, bastão do imperador e strelitzias. Já entre as temperadas, destacamos as gérberas, os girassóis, as hortênsias, asflores do campo, as lisianthus e a áster.;
Apaixonada pela arte floral, Márcia faz parte da Academia Brasileira de Artistas Florais (Abaf) e, ao lado do irmão Francisco Jakuwoski (presidente da associação), tem uma floricultura. ;Sempre fomos produtores rurais, nossos pais são pioneiros nessa área no Distrito Federal. Moramos na mesma chácara há quase meio século, mas nossa dedicação às flores foi a partir de 1992;, relembra.
Jakuwoski, conhecido como Kiko, conta que em Brasília há muitos produtores florais. A Associação, segundo ele, conta com 28 associados que cultivam várias espécies. Eles ficam localizados em Luziânia, Brazlândia, Sobradinho, Vargem Bonita e Planaltina.
Márcia lembra que sua relação com as flores vem desde pequena, pois sempre gostou de plantas e sementes. ;Acho mágico o poder da germinação e do crescimento. Nasci no meio rural, nunca morei na cidade e isso sempre me fez ficar em contato com a natureza e me encantar por ela;, assume. ;Costumo dizer que Deus foi muito caprichoso nos detalhes ao nos presentear com tamanha diversidade em formas, cores e texturas de flores e plantas;, derrete-se.
Serenidade
Márcia Cristina é outra apaixonada pela arte floral. Para ela, esse amor tem tudo a ver com admiração e contemplação. ;Lidar com elas me acalma e me deixa serena. É uma terapia;, resume. A afirmação da aposentada faz todo o sentido. Muitos psicólogos confirmam que ter contato com a natureza, fazer trabalhos manuais com flores, como a Ikebana (leia quadro), alivia o estresse, ajuda na concentração e produz sensação de relaxamento.
Há estudos, principalmente na Inglaterra, que mostram que as plantas e as flores geram uma condição de melhoria do bem-estar, que remete às origens primitivas do ser humano. ;Observá-las causa uma sensação boa, gera um efeito positivo;, indica a bióloga Dayane May, professora do curso de ciências biológicas da Universidade Positivo (UP) do Paraná.
Sempre lindas
Confira algumas dicas da produtora Márcia Rosely de Carvalho para aumentar a durabilidade das flores.
Conservação
- Para conservar flores de corte há produtos especiais, mas uma receita caseira garante a durabilidade. Basta colocar uma colher de água sanitária para cada litro de água e manter os talos limpos e cortados na forma vertical.
Durabilidade
- O tempo de durabilidade dos arranjos varia conforme o tipo de flor. No caso das tropicais, duram entre oito e 12 dias, conforme o ambiente.
Profissão ou hobby, sempre com paixão
O crescente interesse do brasiliense pela arte floral tem disseminado vários cursos pela cidade. No mês passado, a capital recebeu um dos mais renomados floristas do mundo. O colombiano Ivan Moreno foi o responsável por decorar e florir todos os cantos por onde o papa Francisco passou quando visitou o país no ano passado.
A paixão de Ivan pelas flores é antiga. Menino de rua, ele trabalhou como office boy e passou por muita dificuldade até ser descoberto, aos 14 anos, um artista floral. Hoje, viaja o mundo todo dando cursos. ;Eu converso com as flores e me sinto responsável em dar continuidade à natureza por meio dos arranjos.;
Para Moreno, ser florista é uma arte e, graças à profissão, ele teve a chance de construir uma vida digna. ;Aos 8 anos, eu era menino de rua. Comecei a trabalhar em um restaurante ainda criança. Lá recebi roupa, comida e fui tratado como um filho pelos donos;, conta. ;O casal também tinha uma floricultura e foi em um Dia das Mães, quando a dona estava em apuros por conta das inúmeras encomendas, que eu disse: ;Eu posso te ajudar;;.
Naquele momento, começava a trajetória de Moreno. ;Sentei ao lado dela e fiz meu primeiro arranjo de flores. Quando terminei, ela chorou de emoção e falou: ;Você agora é o novo florista da loja;. Eu tinha apenas 14 anos.;
Moreno explica que, além do amor, é preciso ter técnica e concentração para confeccionar as peças florais. ;A forma decorativa é a mais fácil de expressar essa arte;, revela. De acordo com ele, são vários os estilos que podem ser usados, como o vegetativo puro, que representa a natureza como ela é. ;É transplantar a natureza para o arranjo, fazer a cópia fiel do meio ambiente, sem cortar ou modificar as plantas e as flores;, ensina.
Já o vegetativo decorativo pode ser mais mexido e ter apetrechos para complementar. ;Nesse estilo, fica claro que há interferência do homem, que usa a arte para mudar o natural. Pode-se cortar o ramo, tirar daqui, dali e enfeitar como a criatividade manda.;
Ikebana: uma arte milenar
Cláudia Arão, professora de ikebana há 20 anos, explica que o nome dessa prática é de origem japonesa e significa a arte de arranjar flores, ramos e galhos naturais numa composição em busca de estética e beleza. ;Representa uma forma de cultivar o bem por meio do belo. Praticar ikebana vai além de apenas montar um arranjo com flores e galhos.;
O estudo da Ikebana Sanguetsu, escola à qual Cláudia é filiada, busca uma forma de alegrar e fazer as pessoas felizes. ;Há um significado maior do que o aparente.; Ao dar vida às flores numa composição, ela ensina que é preciso sentir a energia que transcende aquele trabalho. ;A flor na composição da ikebana, vivificada com esse sentimento, pode transformar as pessoas. Para mim, é uma grande transformação espiritual. A ikebana mudou minha vida. Obtenho mais paz e alegria ao confeccionar os arranjos florais;, destaca.
A professora garante ainda que observa muitas mudanças nas pessoas que fazem ikebana. ;Principalmente transformações no comportamento. Elas se tornam mais felizes, calmas e alcançam um pouco de paz no meio do turbilhão do dia a dia.;
Nessa arte, explica, pode-se adotar qualquer tipo de flor. ;Procuramos usar as da estação vigente. Podem ser rosas, cravos, lírios, crisântemos, lisiantos, flores tropicais, dependendo da estação e da região;, diz. Cláudia ressalta que o ideal é que sejam flores naturais. ;Evitamos as flores tingidas ou artificiais, pois o nosso objetivo é traduzir o máximo possível a força da grande natureza.;