Ailim Cabral enviada especial
postado em 15/04/2018 07:00
No centro de convivência e moradia de idosos localizado no Sudoeste, joga dominó, dança, faz atividades de leitura e escrita e ainda auxilia os idosos que não têm a mesma lucidez que ele. Seu Afonso conhece todos pelo nome ; toda vez que chega algum novato, repete o nome dele até decorar, e afirma que isso também é um exercício de memória. ;A gente não se exercita só na atividade, tem que ser no dia a dia.;
Com atividades durante toda a tarde, de segunda a sexta, seu Afonso conta que há cerca de seis meses, antes de conhecer o espaço de convivência, passava as tardes sozinho, assistindo à televisão, e começou a perceber que o raciocínio já não era o mesmo. Sem estímulos, passou a sentir os efeitos do declínio mental ; movimento comum a todo ser humano e que se acentua quando o cérebro ;se acomoda; e não é forçado a pensar e a trabalhar.
Na terceira idade, é comum que aconteça o declínio mental, mesmo para aquelas pessoas que não têm nenhum tipo de patologia. Com o aumento da longevidade, cada vez mais idosos se deparam com dificuldades de raciocínio, problemas de memória e desafios na socialização. No entanto, existem exercícios que ajudam a retardar esse declínio.
Foi essa a solução que a geriatra encontrou para seu Afonso. ;Em consultas de rotina, ela disse que não era bom ficar muito tempo à toa em casa, só assistindo à tevê a tarde inteira. Ela disse que eu perderia funções cognitivas e que isso não era saudável para o cérebro;, lembra. Foi aí que o aposentado resolveu investir no centro-dia. Simpático, logo se tornou muito querido por todos os funcionários e moradores do local. Conversador, é descrito como uma pessoa paciente, que exercita a mente ensinando e ajudando os outros.
Depois de alguns meses, seu Afonso notou a melhora. A memória voltou a funcionar de forma mais eficiente e a rapidez de raciocínio de manteve mais constante. Ele se tornou mais independente: vai e volta sozinho do espaço, usa Uber e não depende do filho ou da nora para se locomover.
A experiência dele, assim como a dos outros idosos com os quais a reportagem conversou, mostra a importância da estimulação cognitiva na terceira idade. Assim tem ocorrido um aumento nos cuidados com a saúde física e se tem vivido mais anos com qualidade de vida, é importante também investir na saúde mental.
Estímulo constante
Uma pesquisa realizada pela farmacêutica Bayer em todas as regiões do Brasil aponta que 22,8% dos idosos nunca leem ou praticam atividades que desafiem o cérebro. Em Brasília, a porcentagem de pessoas com mais de 60 anos que se descuida no que diz respeito à estimulação intelectual e cognitiva e nunca exercita a mente é levemente menor: 22,5%. Apenas 18,1% da população idosa brasileira faz esse exercício diariamente ; no DF, o índice é ainda mais baixo: 14%.
Em outra pesquisa, feita pela farmacêutica Pzifer em todas as regiões do Brasil, sobre como os brasileiros encaram o envelhecimento, apenas 28% dos idosos ressaltaram a importância do cuidado com a mente quando perguntados sobre o que acham que contribui para chegar bem à maturidade. Tais cuidados, incluindo pensamentos positivos e cuidado psicológico, ficaram em quarto lugar nas respostas, sendo precedidos por cuidar da saúde de forma preventiva, ter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos.
Os dados são preocupantes no que se refere à qualidade de vida nos quesitos lucidez e independência das pessoas com mais de 60 anos. Com foco nesse cuidado, diversos estudos mostram os efeitos benéficos da estimulação contínua do cérebro. Como consequência, a quantidade de pessoas que buscam orientação e serviços que os auxiliem em exercícios mentais tem aumentado.
Em Brasília, é possível encontrar o serviço em clínicas especializadas. Muitos dos centros de cuidados e de moradia de idosos também investem em programações que buscam a constante atividade mental e a independência dos idosos. Médicos e terapeutas ressaltam, porém, que esses locais oferecem diretrizes e que também é possível que o idoso faça o trabalho de estimulação em casa.
Fazer palavras-cruzadas e sudoko, ler, manter-se atualizado pelos noticiários, pintar, brincar com jogos que exigem raciocínio, como dominó, jogo da memória, damas, xadrez, entre outros, são algumas das atividades que auxiliam e que podem ser feitas em casa, com familiares e amigos. Além de exercitar a mente, são prazerosos.
Longevidade
Quantas vezes por semana você lê um livro ou faz alguma atividade desafiando seu cérebro
Brasília
32% ; Um ou dois dias na semana
22,5% ; Nunca
19,5% ; Três a quatro dias
14% ; Todos os dias
12% ; Cinco a seis dias
Brasil
24,4% ; Um ou dois dias na semana
22,8% ; Nunca
20,5% ; Três a quatro dias
18,1% ; Todos os dias
14,2% ; Cinco a seis dias
Na sua opinião, quais são os segredos da longevidade?
Brasília
20,3% dos idosos responderam ;permanecer ativo;
19,3% praticar atividades físicas
Fonte: Pesquisa Bayer sobre a longevidade
Atividades diárias
As psicopedagogas Vânia Rios e Maria Francisca Rios comandam uma empresa de acompanhamento pedagógico infantil e, recentemente, após fazer cursos de especialização, perceberam a importância de estender serviços de estimulação cognitiva aos idosos. A iniciativa busca estimular a independência e a autonomia das pessoas acima de 65 anos a partir do exercício constante da mente, mantendo-a sempre desperta e aguçada.
Com exercícios de escrita e memória, além de jogos que exigem raciocínio lógico e concentração, as profissionais montam aulas personalizadas de acordo com a necessidade do idoso. Além de pessoas que querem apenas evitar a perda cognitiva, o serviço é oferecido a pacientes com diagnósticos precoces de Alzheimer e outras doenças degenerativas. ;Quando o trabalho é iniciado imediatamente após o diagnóstico, é possível retardar o prejuízo causado pela doença. O cérebro, mais estimulado e criando novas sinapses constantemente, apresenta os sintomas mais lentamente, permitindo mais tempo de lucidez;, explica Vânia.
Além de manter as funções cognitivas, a iniciativa busca estimular a independência das pessoas mais velhas. ;Com a diminuição das sinapses cerebrais e a falta de estimulação, os idosos encontram dificuldades em coisas simples do dia a dia, como em lembrar a senha do banco e manter um diálogo. Isso os deixa mais vulneráveis a diversas situações de risco, além do isolamento e da depressão;, alerta Francisca.
Com a ausência de estimulação, as chamadas ausências ; quando a pessoa fica alheia ao que acontece ao seu redor ; tornam-se cada vez mais frequentes. As psicopedagogas ressaltam a importância de participar de aulas ou de atividades estimulantes, mas acrescentam que funções diárias simples também são fundamentais no quesito cognitivo.
Continuar gerindo a casa, cozinhando quando é prazeroso, realizando serviços diários, como ler o jornal, se corresponder, responder a mensagens, fazer listas de compras e estar ciente do que ocorre ao seu redor de uma forma geral são maneiras de manter a mente ativa, explicam as profissionais.
Raílda também não gosta de outra pessoa cuidando de sua casa. Lava, cozinha e passa roupas. De 15 em 15 dias, tem uma faxineira para ajudá-la com os serviços mais pesados, mas afirma que, em suas panelas apenas ela pode mexer.
Apesar da vida ativa, começou a experimentar algumas dificuldades de memória e, por isso, optou por começar a fazer aulas na Intelecto, o centro de desenvolvimento de Vânia e Francisca. ;Comecei a esquecer algumas besteirinhas e acho que, estudando, estimulando meu raciocínio, vou conseguir manter minha memória melhor;, acredita.
Fugindo do ócio e da solidão
Amigas de seu Afonso, o idoso cuja história contamos no início desta reportagem, Girlene Lins de Goes, 68 anos, e Maria Conceição Machado Guimarães, 80, são moradoras do centro de convivência Longevitá.
As atividades com as quais mais se identifica são o dominó, a pintura e a culinária. Seu Afonso costuma ajudá-la quando apresenta dificuldades. A aposentada lembra que, quando ficava em casa, passava as tardes vendo televisão e apreendia muito pouco do que estava assistindo. Hoje, além de estudar, faz aulas de dança e costuma cantar enquanto pinta ou cozinha.
Giovanna Macedo Braga Jucá, terapeuta ocupacional da clínica, observa que a mudança de humor em dona Girlene também foi significativa. A estimulação mental, além de trabalhar o aspecto cognitivo, promove mais autonomia e uma melhora no humor. ;Quando chegou aqui, ela vivia muito triste, sentia-se só e chorava quase todos os dias. Hoje, além de passar o dia todo sorrindo, ela teve uma melhora na parte intelectual.;
A terapeuta ressalta que a convivência com outros idosos, com os quais têm assuntos em comum e experiências a compartilhar, é um fator essencial para manter a mente sã. E, mesmo com as pessoas que vivem no espaço, há um trabalho de autonomia constante. ;Os que têm condições se vestem sozinhos, se arrumam para os passeios que fazemos, circulam livremente pelo centro. E isso também pode ser trabalhado dentro de casa. Enquanto escolhe uma roupa, cozinha, faz pequenas tarefas diárias, ocorre a estimulação mental;, explica.
Entre as atividades que trabalham o cognitivo, prefere o artesanato. Além de estimular as conexões cerebrais, sempre conhece novas técnicas e produz objetos que guarda para si ou usa para presentear familiares e amigos. Para ela, a principal diferença foi sentida na memória. ;Eu melhorei muito. A leitura também ajuda bastante. Acho que precisamos manter o cérebro sempre ativo, senão a gente se acomoda e vai se perdendo. Eu gosto muito de aprender, e isso não tem nada a ver com a idade. Sempre é tempo de aprender;, completa.
Agradecimentos:
- Intelecto ; Centro de Desenvolvimento Humano
- Espaço Longevitá Método Supera