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Conheça o lettering, a arte de desenhar letras que encanta com a delicadeza

Ele está na parede, em canecas, quadros e no que mais a imaginação mandar. O lettering, técnica que consiste em desenhar letras e mensagens, tem conquistado adeptos mundo afora

Amanda Ferreira - Especial para o Correio
postado em 08/07/2018 08:00

desenho cinza de letras formando a palavra

Em tempos em que a tecnologia reina absoluta, por que não transmitir uma mensagem por meio de traços simples? No sentido literal: com letra, palavra e pontuação. Na correria do dia a dia, parar um momento para apreciar a arte do lettering pode ser a calmaria necessária em meio a tanto movimento. Mais do que unir frases inteligentes a um design bonito, a técnica tem originalidade, criatividade e esbanja sentimento.

A ideia é brincar com diferentes formas e pesos e criar um texto que, no fim das contas, pareça uma ilustração ; é aí que entra o lettering, palavra em inglês sem tradução para o português, mas que tem sido muito usada por aqui. Consiste em desenhar letras e palavras, em vez de digitá-las burocraticamente em um computador ou escrevê-las de qualquer jeito em um pedaço de papel.

As frases podem ser bem-humoradas, românticas, reflexivas ou motivadoras. Depende do estilo de cada um. E o design delas pode se associar a ilustrações. A arte pode ser feita diretamente na parede, com tinta permanente ou com giz de quadro-negro em tinta específica, que imita lousa.

O uso massivo do lettering iniciou um movimento de valorizar o ;feito à mão;, como resume a designer gráfica Bruna Zanello. Além de canecas, quadros e diversos objetos decorativos, ela faz adesivos vinílicos que podem ser aplicados em qualquer superfície. Eles dão um toque mais pessoal ao ambiente, principalmente quando personalizados.

;Muitas empresas modificaram seu posicionamento para transmitir um caráter mais humanizado à marca, e o lettering é perfeito para isso. A imperfeição passou a ser buscada, com letras desenhadas à mão livre, com pincel, de maneira espontânea;, explica.

Arte que engrandece


;Para nós, todo o amor do mundo.; A frase, que estampava o primeiro mural de Raquel Câmara, 31 anos, define quase com totalidade o que ela tenta passar com seu trabalho ; delicadeza e carinho estão presentes não só em cada toque no papel ou planejamento feito, mas também no espaço que a designer usa para criar. Por todos os lados, algo que remeta ao lettering ou a alguma referência à caligrafia e à tipografia completam o pequeno e projetado apartamento.

Personagem Raquel Camara  posa em frente a um quadro com as expressões Lettering e Expressão

Compartilhar a arte e os encantos de um hobby que virou trabalho, para ela, é mais que um prazer. Quem conhece seu jeito e a escuta falar sabe que a moça se encontrou bem ali, no meio de canetas, tintas e pincéis. A curiosidade com a caligrafia começou em seu primeiro curso de faculdade: como estudava letras japonesas, as desenhava repetidas vezes para entender formatos e detalhes. ;Para decorar as palavras, estava sempre escrevendo. Foi aí que comecei a enxergar aquilo não só como uma escrita, mas também como uma imagem;, conta.

Foi pouco tempo depois, quando conheceu o marido, também designer, que soube o que era o lettering. ;Comecei a ter mais interesse, pesquisar e olhar o trabalho de outras pessoas.; Vídeos na internet e papel na mão acompanharam o início do aprendizado. Cursos com profissionais renomados também ajudaram a profissional a desenvolver gostos e estilos pessoais.

Antes de se especializar, porém, Raquel passou pelo curso de publicidade, na crença de que teria mais habilidade visual e com certos programas. ;Enquanto fazia o curso de comunicação, já estava totalmente imersa no mundo do design. Queria trabalhar com uma área que entendesse as letras, a questão da tipografia e da caligrafia. Por isso, quando saí dele, tratei de ingressar em projetos específicos;, lembra. Desde 2011, ela trabalha com lettering e ilustrações de forma profissional, com projetos de pequenos ou grandes formatos.

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;Para mim, o lettering é deixar de somente ler algo e apreciar nuances, cores, formas e tudo o que o artista entregou ali. Eu mergulho no que faço e passo muito do meu sentimento e humor;, conta. Ver a artista trabalhar é realmente entender o quão delicada é a técnica ; rigorosa e perfeccionista, o olhar é atento em cada traço, que passa tanta sensibilidade. ;Acho que é um resgate da época em que as coisas eram feitas com todo esse cuidado. Hoje, com uma vida tão acelerada, as pessoas desejam esse contato.;

Pensando nisso, a designer oferece, há dois anos, cursos de workshops de lettering e expressão em giz, letras cursivas e decorativas. E já tem outros projetos na manga. ;Eu amo compartilhar conhecimento com as pessoas, é onde eu realmente me encontro. Sou feliz no que faço;, diz. Ela garante que não é necessário ter o talento: basta vontade de aprender. ;Tenho alunos de todas as profissões, inclusive pessoas que nunca tiveram contato com isso. Com o tempo, as coisas vão fluindo.;

Durante a entrevista, era notável a gratidão de Raquel por todas as conquistas profissionais. ;Trabalhava em uma empresa e estou há um ano como freelancer. Tem sido muito iluminador.; Para o futuro, ela acredita que, com seu trabalho, pode ajudar projetos sociais e trabalhar questões como empoderamento feminino.

Sentimento em letras


Caneta na mão e lá se vão horas desligada da correria da rotina, em um momento de encontro e reflexão. Apaixonada pelo mundo do desenho desde pequena, a intimidade com o lettering apareceu de forma natural para Natália Carneiro, 27. Bastou um primeiro contato com o assunto em um curso na cidade para que o encanto acontecesse. Desde 2016, a designer trabalha com murais e desenhos de grande e pequeno portes.
Natália Carneiro, sorrindo, segura duas canecas cheias de canetas que usa no lettering
Ao entrar no cantinho reservado para o trabalho, a atmosfera faz parecer que estamos em outro ambiente. Diferentes texturas e quadros com referências refletem a personalidade da moça. Por todos os cantos, gavetas e canecas com incontáveis canetas e caixas de hidrocor, de todas as cores e estilos.

;Sentia falta dessa questão manual, então o lettering me completou;, conta ela, que começou a faculdade em um curso de artes plásticas, parou um tempo para decidir o que faria e se encontrou no curso de design. ;É uma terapia estudar a letra, pegar a caneta e fluir. Poucos sabem, mas é um processo minucioso.; Desde que começou, nem nas férias Natália tem descanso: usa o tempo livre para viajar para diferentes lugares e apostar em novos cursos, com técnicas de diversos profissionais da área.

Em busca do sonho

;Pedi demissão da agência em que trabalhava, em maio deste ano, para viver só disso, então estou trabalhando exclusivamente com algo de que gosto. A demanda de pedidos estava muito alta e sentia falta de estudar e me dedicar;, conta.

Há poucos dias, ela realizou seu primeiro workshop e, ao comentar sobre, não conseguia conter a emoção. ;Há muito tempo que recebia várias mensagens e não me sentia preparada para ensinar. Achava que tinha que estudar mais uns 20 anos;, brinca. Mesmo assim, em um minuto de coragem, abriu duas turmas que lotaram rapidamente em menos de horas.

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;Acho que tudo que é feito à mão tem uma carga emocional muito forte. É diferente ver uma parede que foi toda adesivada, por exemplo, e algo que uma pessoa esteve ali por horas intermináveis, fazendo à mão, com todo o cuidado.;

Para os grandes painéis, a profissional faz rascunhos proporcionais em folhas A4 e depois transfere apenas no olhômetro. ;Gosto de pensar no lettering, da forma que faço, como uma solução de problemas. Uma coisa leve que torna tudo mais aconchegante, positivo e especial. As letras expressam sentimentos apenas com seu formato;, completa.

Para transformar

André Aguiar mostra pedaço de giz e um apontador em primeiro plano e sorri
Quem vê o trabalho de André Aguiar, 24, também conhecido como André DuGiz, no Instagram quase não acredita que é possível fazer tudo aquilo apenas com algumas cores de giz. São letras e desenhos inacreditáveis em painéis de diferentes estilos. Para ele, a profissão é um desafio que se renova a cada projeto.

Tudo começou de forma inusitada. E com um pouquinho de influência da mãe, que costumava fazer caligrafia em convites de casamento. ;Quando pequeno, meu hobby era escrever naqueles cadernos de caligrafia, que todo mundo odiava;, lembra.

Hobby que o acompanhou a vida toda, mas era deixado de lado por conta do trabalho no comércio. Mas foi há dois anos, quando um amigo pediu que ele fizesse algo especial para a igreja que frequenta, que tudo começou. ;Não conhecia o lettering, mas sou uma pessoa que adoro desafios, então comecei a pesquisar sobre o assunto na internet. Eu me apaixonei quando percebi tudo o que ele envolvia.;

No embalo do projeto na igreja, André aproveitou para fazer algumas artes em homenagem ao Dia dos Namorados e postou nas redes sociais. Em poucos minutos, alguns amigos e conhecidos já estavam fazendo encomendas. ;Foi aí que surgiu o ;DuGiz;, porque o carro-chefe era o giz em painéis. Foi onde tudo começou. Hoje, uso outros materiais para acrescentar à arte, como tinta ou caneta permanente;, conta.

Transformação

A varanda de casa, em Sobradinho, virou um estúdio de arte. Por todos os lados, quadros e rascunhos. Enquanto desenhava, ele espalhava o giz com as mãos e, de longe, observava os retoques que faltavam. ;Às vezes, eu me sinto deslocado trabalhando em uma área com tanta gente experiente. Mas acho que é um desafio, uma motivação para que eu busque sempre ser o melhor.; Para ele, um bom lettering fala sobre o artista, ao mesmo tempo que atende as solicitações de determinado cliente.
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O resultado do projeto feito durante a entrevista foi a frase ;Faça mais o que te faz feliz;, que, segundo o artista independente, reflete a motivação que ele tenta passar com seu trabalho. ;O que eu deixaria para as pessoas é que elas busquem fazer o que gostam. Temos visto tantas coisas ruins à nossa volta e acredito que precisamos mudar a partir de nós, acreditar nos sonhos e no que gostamos de fazer. É uma transformação que, mesmo que pequena, vale a pena;, incentiva.

De Brasília à Espanha

A brasiliense Bruna Zanella, 28 anos, trocou a arquitetura pelo design há seis anos, quando se mudou da capital para estudar em Madri, no Instituto Europeu de Design (IED). ;Eu era a típica criança que sempre era escolhida para desenhar os cartazes ou escrever os trabalhos feitos à mão;, relembra. A intimidade com a caligrafia e o lettering veio como consequência da paixão pela tipografia, aprendida durante o curso.

Depois de algum tempo de experiência em agências de publicidade como diretora de arte, decidiu se lançar em uma nova aventura e começou a carreira como freelancer. ;Adoro trabalhar com identidade visual, caligrafia, lettering e ilustração. Em 2016, abri meu estúdio, onde tenho o meu mundinho até hoje.;
Bruna segura canetas de lettering em primeiro plano
O trabalho da designer, além de expressar sensibilidade e sentimento, é referência para muitos artistas dentro e fora do Brasil. Inclusive os que estão começando. E acumula histórias interessantes. Em uma delas, enquanto fazia caligrafia em envelopes para um cliente, se emocionou ao lembrar do passado.

;Quando era pequena, admirava os convites de casamento. Passava horas observando a caligrafia e imaginando como se construía cada traço, o movimento do bico de pena/pincel e como eu adoraria fazer aquilo. Foi quando eu percebi que estava fazendo o que eu imaginava que gostaria de fazer;, emociona-se.

Repassando a arte


Na Espanha, segundo Bruna, é mais do que comum ver murais e vitrines pintadas com tinta. Ela acredita que a internet tem contribuído muito para difundir a técnica. Para os que estão começando, dicas não faltam: entender de onde vem a arte é a principal delas. ;Não existe segredo, é prática, prática e prática. Horas de treino, sem desistir ou desanimar, é o que nos leva a conseguir resultados lindos. O importante é não desistir e nunca deixar de estudar;, recomenda.

As dicas e experiência da profissional estão reunidas nos diversos workshops que, vez ou outra, ela também dá aqui pelo Brasil ; desde o ano passado, Bruna compartilha técnicas, ferramentas e referências. ;Foi uma repercussão muito positiva e surpreendente. O melhor de tudo é que dar aula nunca foi uma ideia que eu tive em mente, mas a experiência ganhou meu coração.; Até hoje já foram oito edições (em Brasília, São Paulo e Madri) e mais de 200 alunos.

Calma no traço

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;O lettering, para mim, é contar histórias de um jeito diferente. A frase, com desenhos ou do jeito que a gente escreve, tem bastante impacto. Conseguimos passar a mensagem de forma forte;, resume Ana Paula Costa, 27, que não imaginava ver um hobby virando profissão. Era época de final de faculdade, estresse e muita pressão quando ela viu, pela primeira vez, o lettering em uma página de Instagram. Encantada, mas muito ocupada, resolveu deixar para lá.

;Quando me formei, comecei a estudar para concurso. Mas, nas aulas, só queria saber de desenhar;, lembra. Foi aí que o lettering apareceu na vida da arquiteta e hoje artista. Assim, de forma natural, como um escape do estresse do dia a dia.

;Fazia porque gostava, pois nem pensava em trabalhar com isso. Comecei a postar alguns projetos em uma rede social pessoal, mas achei que deveria fazer algo mais específico.; E foi assim que surgiu o que hoje é o Letters of Joy. Aos poucos, a arte de Ana foi ficando mais conhecida e seus projetos passaram a ser solicitados por amigos. ;Meu primeiro trabalho foi um painel de festas e, aos poucos, foram aparecendo coisas novas. Foi aí que notei que meu hobby tinha se tornado um trabalho que tanto amava;, conta.

O aprendizado veio de canais do YouTube, livros e cursos mais específicos, como do desenho em giz. Segundo ela, quando se gosta de algo e se tem muita vontade de aprender, tudo é possível. ;Nunca tive facilidade para desenho, mas sim para a escrita. Sempre gostei de fazer coisas à mão e acho que foi tudo muito natural;, conta. Em 2016, as coisas começaram, de fato, a fluir.

Haja criatividade!

No quarto, não cabiam mais tantas demandas. A solução, então, foi mudar o ambiente de escritório para um lugarzinho só dela, onde pudesse criar certa rotina. ;Ter o nosso canto ajuda muito no trabalho com a criatividade;, garante.
Ana paula sentada em meio a canetas e giz, joga canetas para cima e sorri
Hoje, Ana trabalha com um pouco de tudo: estampas de canecas, topo de bolo, planners, quadros de bebê para acompanhamento mês a mês, painéis para fotos em festas e o que mais se imaginar. ;Traga a sua ideia e vamos conversar! Até no meu carro escrevo coisas, vez ou outra. Acho que podemos deixar tudo mais bonito.;

Quando vê seus primeiros trabalhos, a artista deixa escapar uma risada. ;Brinco que eles precisam de ajustes. Com o tempo, vemos alguns erros e vamos melhorando.; Saber quando usar letras maiúsculas ou minúsculas, observar traços e algumas posições, para ela, são o segredo de um trabalho cada vez melhor.

Confira o trabalho deles nas redes sociais!

Ana Paula Costa em @lettersofjoy
André Aguiar em @andredugiz
Bruna Zanella em @brunazanella
Natália Carneiro em @letrasdanat
Raquel Câmara em @quel_camara

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