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Elas ganharam a Copa!

Mulheres contam como foi se aventurar no Mundial da Rússia, um ambiente de predominância masculina, em um país conhecido pelo machismo

Juliana Andrade, Renata Rusky
postado em 15/07/2018 07:00

Mariana Neme assistiu de pertinho o Brasil jogar nas quartas de final e nas oitavas
O hexa não foi desta vez. Mas, a cada quatro anos, o brasileiro volta a acreditar nele e o futebol movimenta a vida de todos. Há, claro, os que acompanham o esporte o ano inteiro, mas só durante a Copa do Mundo tanta gente se engaja na torcida. E, se as mulheres ainda não são maioria entre os fãs da bola, aos poucos, elas estimulam umas às outras a curtirem a competição.

O ambiente do futebol ainda é bem masculino. A maioria dos comentaristas são homens, a seleção feminina é heptacampeã da Copa América, mas quase ninguém sabe ou se importa. Profissionais mulheres ligadas à modalidade têm dificuldade para trabalhar. Para completar, na Copa deste ano, que hoje chega ao fim, na Rússia, foram expostos diversos casos de assédio ; cometidos por brasileiros e estrangeiros.

Mas, na contramão de tudo isso, apesar do ambiente algumas vezes hostil para o sexo feminino, muitas mulheres se organizaram para assistir ao Mundial de perto, participar da festa russa, se divertir e voltar ao Brasil sãs, salvas e cheias de histórias boas para contar. A união entre elas as mantêm seguras para experiências impensáveis.

Discrepância
Em abril deste ano, a seleção brasileira de futebol feminino tornou-se heptacampeã da Copa América, com uma campanha invicta. Com o resultado, o time garantiu uma vaga para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020, e para a Copa do Mundo, em 2019. Mas a discrepância de valor dado às equipes femininas e masculinas não é exclusividade do Brasil. Estudo publicado pelo Sporting Intelligence mostrou que o salário pago pelo PSG a Neymar equivale ao de 1.693 jogadoras de sete ligas de destaque na modalidade ; França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Austrália e México.

A união faz a força
A bancária Mariana Neme, 38, ficou arrasada com a eliminação do Brasil pela Bélgica. Assistiu ao jogo de pertinho e se emocionou com a derrota. Tinha ingresso para a semifinal e acreditava que o Brasil estaria em campo, mas acabou assistindo à partida França x Bélgica. Dessa vez, levou a melhor: torceu para a França ;porque o filho pediu;, e as boas vibrações fizeram efeito. Hoje, final da Copa, os franceses jogam contra os croatas.

Palmeirense na infância e são-paulina desde a adolescência, ela assistiu aos jogos do Brasil nas quartas de final e nas oitavas. Ainda participou de muita festa e conheceu diversas cidades da Rússia. ;É uma energia muito boa.; Ir ao campeonato uniu duas das coisas de que Mariana mais gosta: futebol e viagem. ;Eu sou mochileira. A Rússia é o 29; país que visito;, calcula.

Mas a decisão de ir não foi vista com bons olhos por todos ; nem apoiada. Ela conta que muita gente lhe dizia coisas como: ;Você está louca?;; ;Nada a ver;; ;Só pra assistir a futebol? Mulher não gosta de futebol;. ;Rolava um bullying;, relembra. Independentemente do que diziam, ela foi.

;Eu sabia que teria que tomar cuidado. Mas era um ótimo momento, porque a Rússia é, em si, um país mais complicado de visitar, por causa da língua, da distância e por ser mais machista. Então, pensei: é até melhor conhecê-lo na Copa, que vai ter mais turista e o país estará mais preparado para nos receber;, ponderou.

Mariana foi com mais uma amiga, mas não se limitou a ela. Antes de embarcar, começou a visitar vários grupos nas redes sociais de brasileiros que iriam à Copa. Compostos principalmente por homens, as mulheres resolveram criar o delas, o Elas na Copa (leia box). Nas quartas de final, Mariana encontrou mais seis amigas virtuais e ficaram todas juntas. Para ela, em um grupo de mulheres, a viagem foi mais tranquila.

Em grupo

Ela reconhece que o evento é bem masculino, mas comemora uma mudança. ;Nós estamos ocupando nosso espaço.; Além disso, elas se apoiaram em torcidas predominantemente masculinas para se sentirem mais seguras. ;A gente fica acuada com a quantidade de homem, mas todos foram fantásticos. Fizemos uma parceria com o Movimento Verde e Amarelo e a Torcida Canarinho. Nós os encontramos aqui e foram nossos aliados. Gostaram da nossa iniciativa, porque reconhecem que é difícil pra gente.;

Mariana garante que ninguém chegou a ser desrespeitoso com elas. Pelo contrário, tanto russos quanto russas são receptivos e acolhedores. ;Encontravam a gente na rua e já nos davam lembrancinhas, como botons, ímãs. No dia em que chegamos, conhecemos um casal que se prontificou a nos ajudar a chegar a Moscou, foram até a estação com a gente. Nosso queixo caiu, porque achávamos que as pessoas seriam mais frias, fechadas. Conhecemos uma família em Samara que ama o Brasil e a criança fala um monte de palavras em português e é campeã de capoeira. A dona da casa onde estávamos nos levou para jantar e não deixou a gente pagar. É uma hospitalidade incrível;, agradece.

Dicas da Mariana
; Planeje-se: una-se a pessoas. ;Não pode ser qualquer um, devem ser bacanas, que integrem, não tenham preconceito com a mulher;, afirma.
; Conheça grupos em redes sociais antes de ir. Isso ajuda muito.
; Guarde dinheiro. ;É caro, mas, na hora que entra num estádio daquele e começa o hino nacional, é de tirar o coração da boca.;
; Reforce a saúde. ;A gente dormia três horas por noite, porque aqui amanhece muito cedo e escurece muito tarde. A gente perde a noção da hora.;

Lugar de mulher? É no mundo!
Luiza na Copa da Russia
Viajar sozinha nunca foi um problema para ela. Para quem já se aventurou em vários locais, como Itália, Tailândia e Caribe, Rússia poderia ser apenas mais um lugar a ser visitado, porém a viagem deste ano teve um gostinho diferente. A coach Luiza Janeri, 37 anos, não apenas embarcava para conhecer o país europeu, mas estava indo torcer pela Seleção de pertinho.

E quem diria que seria o futebol a levar a coach para Moscou? Luiza confessa que nunca foi muito fã da modalidade nem acompanha os jogos dos times brasileiros, mas o Mundial no Brasil foi como uma espécie de cupido que despertou sua paixão pela bola no pé. ;Em 2014, eu era do time das pessoas revoltadas com a Copa do Mundo, com o tanto de dinheiro que foi gasto. Até os jogos começarem, eu estava pensando que as coisas iam dar errado, mas eu ganhei um ingresso, fui e me apaixonei;, conta.

Isso mesmo! Bastou Luiza ficar cara a cara com os jogos no Mané Garrincha para se tornar uma torcedora de carteirinha. Porém, se o Brasil não foi palco do hexa, a Rússia poderia vir a ser o cenário perfeito. E a coach não poderia ficar fora dessa. ;A experiência com a Copa do Brasil foi tão fascinante. Poder festejar com as pessoas, ter contato com outras culturas foi maravilhoso. Então, eu quis viver isso novamente. É muito mais pela experiência, pelo torcer pela Seleção do que especificamente pelo futebol;, destaca.

;Experiência de vida;

A sensação de assistir ao time de Tite de pertinho no estádio se misturou à alegria de ver os torcedores que acreditavam, de fato, no hexa. A sexta estrela, infelizmente, não veio, mas para Luiza, torcida não faltou. ;Todo brasileiro que a gente encontrava era como se fosse amigo de infância, porque estava todo mundo com o mesmo ideal de conseguir trazer essa taça. Foi uma sensação indescritível;, conta.

Quanto às mulheres que ainda têm receio de encarar um estádio de futebol ou uma viagem para assistir aos jogos da Copa, Luiza afirma que sua experiência foi maravilhosa e que outras mulheres também merecem viver isso. ;O lugar de vocês é no mundo. Na verdade, não só para elas, mas para todas as pessoas que queiram viajar, que queiram ver uma Copa ou uma olimpíada, tem de ir. Isso é experiência de vida, ninguém pode fazer isso por você;, aconselha.

Dicas da Luiza
; Pesquise sobre o lugar e a cultura do país.
; Conheça mais sobre o comportamento das pessoas daquele país.
; Capriche no inglês, mas também aprenda um pouco do idioma local, principalmente os cumprimentos, os números e as direções.

Olhar feminino
Sem dúvidas, as mulheres provaram que lugar de mulher é onde elas quiserem, inclusive na Copa. Um grupo formado por 45 torcedoras não só mostrou isso como se uniu para se apoiar na aventura do Mundial. A consultora Lorena Neves, 30, é uma delas e conta que a iniciativa surgiu a partir de um grupo no WhatsApp. ;Algumas meninas começaram a perceber que tinham muito mais homens nos grupos do que mulheres. Então criamos um só para a gente, para facilitar a comunicação e se ajudar mesmo;, explica.

A ideia acabou ganhando a internet e as páginas de jornais e se tornando inspiração para outras mulheres que planejavam acompanhar os jogos de perto. ;Tomou uma proporção que nós nem esperávamos no começo, mas que deu muito certo. Muitos começaram a ver a gente como um canal de dúvidas e dicas;, frisa.

A consultora destaca que seguiu todos os conselhos das garotas, principalmente daquelas que foram no início, já que ela só embarcou para a Rússia na segunda fase da Copa. As dicas foram desde hospedagens e passeios e ao que fazer e o que não fazer no país europeu.

"Algumas meninas começaram a perceber que tinham muito mais homens nos grupos do que mulheres. Então criamos um só para a gente, para facilitar a comunicação e se ajudar mesmo;
Lorena Neves, consultora

Para nunca mais esquecer
Maryane com as lembrancinhas que trouxe da Rússia.
Maryane Machado pode até ter voltado para casa sem presenciar o hexa, mas embarcou para Brasília com muitas histórias para contar. Na bagagem, lembranças da Rússia e um carinho imenso pelos torcedores do país europeu. A funcionária pública, de 30 anos, é uma das centenas de mulheres que vestiram a camisa verde-amarela e foram ver a Seleção jogar no Mundial.

A jovem viajou com mais quatro amigas e um colega. A viagem nem precisou de muito tempo para ser planejada. Em menos de um mês, Maryane já tinha hospedagens e passagens reservadas. ;Começamos a planejar após o carnaval. Já tínhamos vontade de ir, mas só depois que voltamos de Salvador resolvemos colocar no papel;, lembra.

Maryane conta que nunca tinha feito uma viagem internacional para assistir a jogos de futebol, mas, pela Seleção, ela decidiu ir além dos estádios brasileiros e dos jogos na televisão. Assim, a Rússia nem parecia mais tão longe. ;É incrível torcer de pertinho, sentir a energia, cantar junto, agregar torcedores. É sensacional;, ressalta.

E o país europeu não deixou mesmo a desejar e surpreendeu a funcionária pública com uma ótima recepção, além da animação, que passou a ser regra no local. ;É uma coisa surreal, fora de série. Os russos são uma gracinha, eles torciam por nós. No jogo contra o México, encontrei um garoto de 7 anos e eu lhe dei meu boné do Brasil. Ele, por sua vez, me deu uma bandeira da Rússia e a gente torceu junto;, recorda-se.

Quanto às cenas de assédio, Maryane diz que, de fato, isso era comum. Mas ela acredita que poderia acontecer em qualquer lugar, não só na Rússia e durante Copa. ;O assédio é uma coisa ridícula. Quando eles veem um grupo que só tem mulher, aproveitam;, lamenta.

Porém, ela enfatiza que as mulheres não devem abandonar os estádios de futebol por isso. Maryane mostrou que elas devem se impor e não se privar de viver momentos maravilhosos, como uma Copa do Mundo. ;Vão, mulheres! É maravilhoso! Sensação única;, garante.
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Dicas da Maryane
; Pesquise o local para onde você vai viajar (clima, cultura, meios de transporte).
; Garanta acesso à internet. Compre um chip local para usar pacotes de dados. O Google pode tirar algumas dúvidas, além de ajudar na hora de traduzir alguma palavra.
; Use e abuse da internet. Verifique a distância entre um lugar e outro e as avaliações dos pontos turísticos. Em sites, como o TripAdvisor, viajantes dão dicas sobre segurança, se vale a pena visitar e o que levar.
; Aprenda pelo menos o básico do inglês e algumas palavras do idioma local, como ;olá;, ;por favor;, ;farmácia; e ;restaurante;.
; Baixe pelo celular algum aplicativo de mapas que funcione off-line. Assim, perdido você não fica!
; Assim que a Fifa divulgar os estádios onde ocorrerão os jogos, procure reservar as hospedagens para não ficar em um local afastado ou de difícil acesso.
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