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O lazer como forma de exercício e treinamento para o cérebro

Repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e que sua presença está associada a um menor risco do indivíduo desenvolver demência

*Por Dr. Ricardo Teixeira
postado em 01/08/2018 12:28
Um conceito fundamental para entendermos melhor como investir bem em nosso cérebro é o de Reserva Cerebral. Se o cérebro tem uma tendência natural a perder um pouco de sua performance em idades mais avançadas, quanto mais conexões formarmos no decorrer da vida, quanto mais aumentarmos nosso repertório, menor a chance de que pequenas perdas estruturais tenham repercussão funcional. E o que dirá quando o indivíduo apresenta doença cerebral como a doença de Alzheimer? Maiores reservas fazem com que mais tempo de doença seja necessário para que ela se manifeste clinicamente. Ou seja, quanto maior a reserva, mais tempo o cérebro mantém seu funcionamento normal, mesmo que ele esteja doente.

O status socioeconômico e educacional é sem sombra de dúvidas um dos pilares mais fortes de nossa Reserva Cerebral, sendo que, quanto maior esse status, maior reserva temos. Até mesmo a época em que nascemos faz diferença, sendo que indivíduos que nasceram e cresceram em períodos mais recentes apresentam melhor desempenho cognitivo do que suas gerações anteriores. Um dos estudos que bem ilustra esse efeito é o Nun Study, que analisou o repertório linguístico do diário de freiras quando jovens. As anotações que receberam maior pontuação foram as de freiras que apresentaram melhor performance em testes cognitivos quando idosas e eram também mais longevas e com menor risco de demência.

Estudos recentes demonstram que, ao ser treinado, o cérebro do idoso responde com melhora de desempenho nas habilidades treinadas. Tais treinamentos foram realizados com exercícios para estimulação da memória, resolução de problemas, velocidade de processamento, alguns deles por meio de sofisticados softwares. Entretanto, parece que atitudes mais instintivas e artesanais podem ter efeito também bastante significativo: a atividade de lazer é um exemplo.

Repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e que sua presença está associada a um menor risco do indivíduo desenvolver demência. A explicação reside no fato de que o lazer também é capaz de treinar nossos cérebros, aumentando nossa Reserva Cerebral. O interessante é que algumas atividades parecem ser mais positivas do que outras. Estudos realizados na cidade de Nova York revelaram que as atividades mais ;protetoras; foram leitura, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro, passeios turísticos, visitas a amigos e parentes, idas ao cinema, restaurante ou a evento esportivo, tocar instrumento musical.

Talvez isso tudo tenha mais efeito do que treinamentos no computador por meio de jogos que são comercializados com a promessa de promover a atividade cognitiva. Uma pesquisa publicada este mês pela Universidade de Western Ontário mostrou que o treinamento nesse tipo de jogo melhora o desempenho no jogo em que a pessoa foi treinada, mas os resultados não são estendidos para outros jogos que usam estratégias cerebrais semelhantes.

Bastante provocador foi o resultado de um estudo realizado na China, confirmando que leitura e jogos de tabuleiro estavam associados a menor declínio cerebral após os 55 anos de idade. Entretanto, indivíduos com mais horas dedicadas à televisão apresentaram mais chance de declínio cognitivo e menor dedicação a outras atividades de lazer. Discute-se o fato de que muito daquilo que o indivíduo vê na TV demanda pouco da atividade cognitiva. Isso não quer dizer que um maior tempo de TV causa declínio cognitivo, mas pode ser a consequência de um estado pré-clínico de deficit cognitivo com redução do interesse por outras atividades.

De qualquer forma, precisamos estar atentos em estimular os nossos jovens a desenvolver um repertório amplo de atividades de lazer ;inteligentes;, pois os hábitos são mais fáceis de serem adquiridos quando iniciados em fases mais precoces da vida. Quanto aos nossos idosos, atenção redobrada. Podemos começar por melhor conhecer e demandar aquilo que está escrito no Estatuto do Idoso, em vigor em nosso país desde 2003:

Art. 3;. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 21; . O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

Art. 24; . Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento.

Os Titãs não estavam falando em luxo com: ;a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte;.

* Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

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