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A primavera chegou: conheça pessoas que não vivem sem a energia das flores

Celebramos a chegada da primavera com histórias de pessoas que mudaram as vidas graças às plantas

Renata Rusky
postado em 30/09/2018 08:00
Bruna Pelegio (e) fechou parceria com Sâmia Silveira: flores e decoração de mãos dadas
Embora seja um bioma rústico, o cerrado surpreende com a floração em meio a árvores tortuosas. A primavera começou oficialmente no último dia 23 e um olhar atencioso à capital é capaz de perceber as flores presentes por toda a cidade.

Sem estações do ano tão bem definidas, há até quem diga que, na capital, é primavera quase o ano todo. A professora Carmen Regina Mendes de Araújo Correia, do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), explica que, quando se fala na flora da capital, deve-se pensar nas plantas nativas do cerrado e nas plantadas, trazidas de fora. ;As nativas florescem durante a seca, a partir de maio, até novembro. As de fora costumam florir principalmente na primavera;, explica.

O botânico José Antônio Paschi explica que, a partir de maio, o ipê-roxo começa a florescer e dura até o fim de julho. Em agosto, é a vez do amarelo, cuja floração vai até outubro. Enquanto o último segue decorando as paisagens brasilienses por mais tempo, duas outras cores aparecem e vão embora: a do ipê-branco, que acaba em setembro e dá lugar ao ipê-rosa, que desaparece em outubro com o amarelo.

Embora os ipês sejam alguns dos grandes símbolos da capital, não são os únicos. E o fim da floração deles não significa ausência total de flores. Em outubro, eles dão lugar à floração de flamboyant, que deixa Brasília mais alaranjada. Com a chegada das chuvas fortes, no fim do ano, as flores, então, dão uma brecha para voltar com tudo a embelezar a cidade no ano seguinte.

E, se aqui há flores o ano inteiro, há quem faça da própria vida uma primavera constante, sempre cercado por flores, cuidando das plantas e tentando alegrar os outros por meio delas. A Revista mostra histórias de quem tem uma relação especial com a flora, não abre mão da energia boa de tê-las em casa e também de quem ainda está descobrindo aos poucos esse universo.


Carreiras desabrochadas

Há cerca de quatro anos, a florista Bruna Maria Pelegio, 31 anos, transformou a própria vida, trocando de carreira. Formada em contabilidade, com um emprego bem técnico e no qual sentia que não usava criatividade para nada, acabou trabalhando com flores meio por acaso. ;Era um ambiente muito formal, tradicional, machista;, reclama.

Uma amiga casaria no cartório, e Bruna se comprometeu a presenteá-la com um buquê. ;Quando viram o resultado, foi uma comoção, porque acharam lindo. Então, ela pediu pra eu fazer o da cerimônia religiosa também.;

O que era para ser só uma demonstração de carinho para uma amiga, rendeu-lhe encomendas. ;Muita gente sabia que eu estava insatisfeita com o emprego. Acharam que eu estava fazendo buquês profissionalmente e começaram a passar meu contato. Fui aceitando os pedidos;, conta. Tornou-se ;a moça do buquê;.

Mais do que uma mudança de carreira, para Bruna, foi uma transformação no estilo de vida. ;Trabalhar com flores, conversar com as noivas, ser criativa: tudo isso é energizante;, justifica. Bruna sempre gostou de plantas e teve muito contato com elas. Ela se recorda de que a avó se gabava de que as flores dela desabrochavam duas vezes por ano.

Parceria

Nascida na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, os avós plantavam quase tudo o que a família comia. ;Na época da abóbora, comíamos abóbora. No inverno, ficávamos cheios de compota. Eu aprendi muita coisa com eles.; Mesmo assim, ela não se contentou com o ensino adquirido dos parentes e estudou muito, fez muitos cursos. ;Como me sentia insegura por estar numa nova carreira, eu me esforcei ainda mais.;

No processo de trocar de trabalho, Bruna percebeu que era muito mais inventiva do que pensava. Até os 26 anos, tinha certeza de que criatividade era uma habilidade com a qual não havia nascido, portanto, começar a trabalhar com flores foi também uma experiência de autoconhecimento.

Um dos maiores desafios para Bruna foi quando as noivas começaram a pedir que ela fizesse não só os buquês, mas toda a decoração das cerimônias. Ficou com receio: ;Não era mais só flor. Exigiria mais;. Foi quando decidiu que precisava de alguém com quem dividir as responsabilidades, que tivesse essa parte do expertise.

Por coincidência, a mulher de um amigo de infância do marido de Bruna estava decidida a se dedicar a decorações de festa. E comentou despretensiosamente em um jantar dos dois casais. Arquiteta, Sâmia Ferreira Silveira, 33, era quem Bruna procurava. Ela não tinha o conhecimento das flores, mas tinha de decoração. As duas se uniram e mais uma ;moça do buquê; entrava em cena.

Sâmia conta que, desde que começou a trabalhar com flores, passou a se conectar mais com a natureza. ;Meu olhar mudou. Aonde eu vou, reparo nas plantas, nas flores. Hoje, nenhuma viagem é como antigamente. No meu percurso para casa, eu presto atenção em toda flor. É um estudo constante.;

Além disso, ela percebe que não tem comparação trabalhar em um ambiente cercado de plantas, como é o ateliê delas, e em um escritório. ;Tanto na arquitetura quanto em eventos, as plantas humanizam, oxigenam, transformam a energia do lugar;, afirma Sâmia.

Mas nem tudo são flores. O trabalho é pesado. Ficam em pé durante muito tempo, carregam peso pra lá e pra cá. ;É claro que tem o glamour da flor, símbolo de beleza, de fertilidade, e é uma bênção trabalhar com elas, mas não deixa de ser um trabalho;, admite Bruna.
Roxane Ayres escolheu vender flores
As flores também mudaram a carreira de Roxane Ayres, 37. Psicóloga de formação, mudou-se de Fortaleza para Brasília por conta do marido, funcionário do governo. Ambos sempre pensaram em abrir um negócio. Decidiram, então, trazer uma franquia da floricultura Luxo Natural para a capital do país. Para Roxane, fazia sentido trabalhar com algo de que sempre gostou: flores.

Ela relembra que, quando era criança, o pai tinha um catálogo de fotos com flores de Holambra. ;Eu pegava aquele livro e ficava admirando, tentando aprender um pouco mais sobre cada flor;, conta. Quando saía para comprar pão, o pai também sempre voltava com um ramo de flor resedá para lhe dar. ;Ele pedia a uma mulher, em uma casa no caminho;, conta.

Por influência do pai, passou a ter um carinho especial pelas flores. A casa dela, inclusive, estava sempre florida, mesmo antes de ser dona da floricultura. Talvez, também por conta da influência do patriarca, ela tenta desmistificar a ideia de que só mulheres devem ganhar flores. Os presentes que dava a amigas e amigos todo mundo já sabia antecipadamente: flores. Ela garante que sempre surpreendia por conta da variedade de espécies, dos arranjos diferentes.

A loja de Roxane trabalha com arranjos que vêm acompanhados de alguma mensagem, que pode ser personalizada. ;Vender flores é um desafio, porque precisamos entender o que aquela pessoa quer dizer para quem vai ser presenteado;, afirma Roxane.

Bruna Pelegio (e) fechou parceria com Sâmia Silveira: flores e decoração de mãos dadas

Primavera particular

Gláucia Pires, uma apaixonada por plantas


Gláucia Pires morava em apartamento e se mudou para uma casa há cerca de 30 anos. Mais que uma mudança física, a aposentada ganhou a oportunidade de ter mais de 50 espécies de plantas no jardim. Ela estima que, só de bromélias, tenha cerca de 30 espécies diferentes.

Quem visita Gláucia gosta de admirar as flores e as plantas do quintal. ;Foi quando me mudei para cá que comecei um curso de ikebana (leia box) e aprendi como faz bem ter plantas pertinho da gente;, conta.

Às vezes, quando viaja, tenta trazer flores de fora. Há 20 anos, Gláucia desembarcou na cidade com uma camélia da região Sul. Faz 20 anos que ela troca a planta de lugar. ;Ela gosta de frio, então, eu vou trocando pra ver se as flores vingam;, conta. Ainda não deu certo, mas ela não desiste. A pequena árvore está cheia de botões, mas não abrem. Alguns chegam a ficar rosas, mas a maioria seca.

Uma das melhores histórias de suas flores é a de um amaryllis, que Gláucia faz questão de contar. O pai dela sempre dava flores às filhas e à mulher no Dia dos Namorados. ;Aquela amaryllis foi a última flor que ele me deu. Desde então, ela sempre floresce em datas comemorativas. Neste ano, floresceu no Dia das Mães e no meu aniversário;, relembra.

A relação de Gláucia com as flores vai desde o plantio no quintal à montagem de arranjos. Para ela, preparar uma mesa de chá com um arranjo bonito é uma forma de receber pessoas com dedicação e amor. A casa dela tem diversos espaços para receber visitas e ela faz questão de enfeitar com flores cada canto. ;É uma forma de se doar. Esses dias, vi o vídeo de um menininho que foi a um asilo entregar flores aos idosos. É muito emocionante. A flor é algo muito especial mesmo;, afirma.

Uma das coisas de que Gláucia gosta em Brasília é o fato de que, apesar da ;seca horrorosa;, a cidade mantém uma floração que ela considera maravilhosa. ;É impossível olhar um ipê, um bougainvíllea, um flamboyant e não se admirar, não ficar mais feliz.;

Arte milenar

A ikebana é a arte tradicional japonesa de montar arranjos florais. Com o conceito de que arranjos florais podem ser criados por qualquer um, em qualquer lugar e com qualquer material, a ikebana tem regras, técnicas e fundamentos com o objetivo de destacar a beleza das flores. Enquanto os arranjos ocidentais são cheios de flores juntas, com muita informação, pode-se dizer que os arranjos da ikebana são mais minimalistas.

A professora Zilá da Costa Raymundo, representante da escola Sogetsu em Brasília, explica que os arranjos de ikebana são considerados uma escultura viva. Ela começou a fazer o curso por lazer, há 30 anos, até que começou também a ensinar. ;Nós temos na ikebana também a ideia de que o processo é tão importante quanto o resultado. Você exercita paciência, disciplina, organização em vários aspectos;, explica.

Há mais de 30 anos, a escola organiza uma exposição de ikebana. Neste ano, ela ocorreu no shopping CasaPark no fim de semana passado, quando a primavera começou oficialmente.

Depois da aposentadoria, arranjos
A ikebana ajuda Bruno Pagnoccheschi a preencher os dias de aposentado

Flores e arranjos não são ;coisa de mulher;. E Bruno Pagnoccheschi, 68 anos, é a prova disso. Engenheiro civil aposentado, antes de parar de trabalhar, ele tinha uma preocupação: encontrar uma ocupação prazerosa quando o trabalho não fosse mais uma das obrigações da rotina. ;O início da aposentadoria pode ser traumático, e o trabalho com as flores tem me ajudado;, comemora.

No ano passado, já aposentado, visitou a mostra de ikebana da escola Sogetsu, que ocorre todos os anos. Lá, conheceu professores e outras pessoas envolvidas com a arte de montar arranjos japoneses. Bruno encontrou a atividade que procurava. Uma vez por semana, passou a ter aula de como montar os arranjos. Mas o trabalho com as flores não se limita aos momentos da aula. Em casa, ele também pratica. ;Sempre simpatizei com a cultura japonesa, com o budismo, então, foi muito bom.;

Para ele, é uma terapia. ;Eu exercito a observação, a introspecção e aprendo sobre a flora do cerrado, que sempre admirei por ser muito rica e apaixonante.; Desde que começou a fazer ikebana, só presenteia os parentes e os amigos com seus arranjos.

"O início da aposentadoria pode ser traumático, e o trabalho com as flores tem me ajudado"
Bruno Pagnoccheschi

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