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Pobreza atrapalha o desempenho cerebral. Você ainda tem dúvida?

Pesquisa recém-publicada pela revista Neurology mostra que mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza

*Por Dr. Ricardo Teixeira
postado em 02/10/2018 11:33

Grupo de crianças faz brincadeiras para a câmera

A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores que contribuem para o número de pessoas com retardo mental ao redor o mundo. Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5/1.000 indivíduos, enquanto em países pobres encontramos uma prevalência que chega a ser cinco vezes maior. A pobreza está por trás de dois dos principais fatores de risco para o retardo mental: deficiência nutricional e de estímulo cerebral. O problema deve ser visto como uma epidemia neurológica escondida. Do ponto de vista de saúde pública, a pobreza tem um impacto sobre o estado neurológico muito maior que a grande maioria das doenças neurológicas com suas organizadas sociedades médicas e associações de pacientes, e com seus medicamentos que movem o business da saúde.

Uma pesquisa recém-publicada pela revista Neurology mostra que mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza. Assim como qualquer outro sistema do nosso corpo, o cérebro envelhece e os resultados da presente pesquisa evidenciam um envelhecimento mais rápido entre os pobres.

O estudo incluiu cerca de 20 mil adultos de 16 diferentes países europeus. Para avaliar o perfil socioeconômico na infância, eles usaram um método que incluía questões como o número de quartos e pessoas que viviam na casa e o número aproximado de livros. A análise apontou que 4% dos participantes viveram adversidade socioeconômica na infância. Estes tinham menor grau de educação formal, eram menos empregados, apresentavam mais sintomas de depressão e menos hábitos saudáveis. Mesmo após correção para esses fatores negativos, esses 4% tiveram uma perda mais acelerada da capacidade cognitiva com o envelhecimento. Outras pesquisas já haviam demonstrado que pobreza na infância está associada a uma redução do volume da substancia branca e cinzenta do cérebro.

Atacar de frente a pobreza vai além da questão de humanismo e de direitos humanos. O Banco Mundial reconhece que, entre todas as intervenções em saúde, o controle da desnutrição pode ser considerado a que apresenta melhor custo-benefício. E os primeiros anos de vida de uma criança são os mais vulneráveis para o cérebro, começando a contar desde o primeiro dia da concepção, na barriga da mãe. A mãe precisa comer bem. Todo mundo tem que comer bem. E uma coisa puxa a outra. Crianças desnutridas têm menor chance de chegar à escola e, quando chegam, têm maior chance de evasão.

Pense nisso na hora de votar. Um país com cérebros que não atingem o pleno potencial não vai para frente.


*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

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