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Objetos compartilhados por gerações se tornam relíquias familiares

Conheça a história de pessoas que guardam %u2014 e usam %u2014 objetos herdados de pais, avós e até bisavós. Tudo com muito afeto envolvido

Ailim Cabral
postado em 11/11/2018 08:00

Os objetos, sejam eles peças de roupa ou de decoração, sejam itens de uso diário, como joias, óculos e relógios, são, para muita gente, formas de manter vivo o passado.

Filhos usam ternos que pertenceram aos pais, filhas costumam herdar joias de avós e mães, irmãos compartilham objetos que relembram a infância. Com a moda cíclica, muitos millennials resgatam antigas jaquetas e jeans usados pelos pais nos anos 1990, alguns se aventuram com peças dos anos 1980 e existem mesmo aqueles que apostam nas tendências de 50 anos atrás.

Além do estilo vintage em alta, têm o sentimento de compartilhar aquela vivência com quem amam, como se revivessem memórias. Objetos com histórias ganham relevância, e muitos jovens que não encontram o acervo em casa recorrem a brechós e bazares buscando itens que, além de charme, tenham também um legado a ser compartilhado.

A Revista resgatou algumas dessas histórias de amor e memória e compartilha nas próximas páginas.

Um relógio, quatro gerações

Há cerca de 60 anos, a bisavó da dentista Poanka Faleiro, 22 anos, comprou um relógio de prata. Na época, a mulher não imaginava que mais de seis décadas depois a joia seria usada por uma bisneta com a qual nunca tinha sonhado a existência.
Mulher mostra um relógio de pulso olhando para o lado e com a mão perto da boca
Geni Faleiro, avó paterna da moça, herdou o relógio da mãe e o usou durante muitos anos. Quando Geni morreu, cinco anos antes de Poanka nascer, Poank Faleiro de Morais, pai da dentista, guardou a peça pensando no dia em que poderia dá-la de presente aos próprios filhos.

Quando Poanka e a irmã mais velha, Enny Faleiro, 24, eram crianças, o pai se dedicava a contar histórias da família, aproximando as filhas das figuras da bisavó e da avó que elas não chegaram a conhecer. E o patriarca sempre mencionava o relógio, dizendo que, quando as filhas fossem mais velhas, ele daria a joia de presente.

;Ele dizia que ainda éramos muito novas, mas, assim que tivéssemos idade suficiente, poderíamos usar o relógio. Como era bem antigo, ele precisou passar por uma reforma. Meu pai fez questão de deixá-lo perfeito para nós;, lembra Poanka.

Poank, porém, morreu de câncer aos 50 anos, quando a caçula tinha apenas 12. A jovem lembra que a doença é comum na família e, como todos sempre foram muito unidos, as constantes lembranças fazem com que se sintam próximos mesmo de pessoas que não chegaram a conhecer. ;Como muitas pessoas na minha família acabam falecendo cedo, temos esse hábito de contar histórias sobre os que não estão mais aqui, é uma forma de mantê-los vivos.;

União

Os pais de Poanka se separaram quando as filhas eram ainda crianças, mas a mãe guardou o relógio e chegou a usá-lo. A peça, porém, acabou ficando esquecida por um tempo. Há cinco anos, Poanka e a irmã estavam mexendo em coisas antigas da família e acabaram reencontrando a peça. ;No dia em que vimos o relógio, todos esses sentimentos voltaram. Hoje, eu uso com o maior orgulho, não me lembra só do meu pai, mas de toda a minha família;, conta.

Emocionada, Poanka relembra a importância do pai em sua vida. Quanso ele e a mãe se separaram, ela viveu com o pai durante muitos anos. ;Éramos muito próximos. Ele me ensinou tudo sobre a vida e, como sempre teve a saúde frágil, me educou para viver independente;, lembra.

Poanka recorda ainda que o pai, mesmo tendo sido militar e vindo do interior de Goiás, sempre teve uma mente revolucionária. ;Ele nos criou para ter sempre girl power. Não foi um exemplo de homem e pai, mas de uma pessoa incrível;.

Como a irmã de Poanka é um pouco mais distraída, segundo a dentista, o relógio ficou para a caçula, que prefere usá-lo em ocasiões especiais para não correr o risco de estragar ou perder no dia a dia.

Duas alianças e o fruto de um amor

Isabella Barbosa usa as alianças de casamento da mãe, Bernadete: sempre perto dos pais

A estudante Isabella Barbosa Costa, 22 anos, é considerada um tesouro pelos pais. A filha tão esperada e planejada, única do casal, sempre foi para eles o fruto e a representação do amor que os une há 30 anos.

A devoção é tão contagiante que a jovem sempre mantém bem pertinho dois objetos especiais que a lembram diariamente desse sentimento. A estudante usa as antigas alianças de casamento dos pais, uma em cada mão. ;Não consigo sair de casa sem elas, são a minha marca. Se não estou usando, parece que falta alguma coisa em mim;, conta.

Quando os pais completaram 25 anos de casados, resolveram trocar as alianças. A servidora pública Bernadete Meyre Saraiva Barbosa Costa, 53 anos, conta que o anel fino começou a machucar os dedos do marido e que eles acharam a ocasião ideal para a troca. Assim que tirou a aliança, o pai de Isabella entregou a antiga joia para a filha. ;Foi bem natural. Ele tirou e pareceu óbvio entregar a Isabella. Eu passei a minha também e ela nunca mais deixou de usar.;

O orgulho pelo amor dos pais é palpável quando Isabella conta a história. ;São objetos que representam o amor entre eles e o amor por mim. Foi a partir desse sentimento que nasci, então eu amo ter algo que represente isso.;

A estudante nasceu depois de oito anos de união, e Bernadete lembra que a filha foi muito esperada. A relação entre os três é a melhor possível e eles buscam sempre estar juntos. Algumas vezes, a filha viaja sozinha e afirma que as alianças são o que permite que, mesmo longe, ela se sinta próxima dos pais.

A filha única comenta ainda nunca ter experimentado o sentimento de solidão que algumas pessoas que não têm irmãos relatam. ;Somos sempre nós três juntos, independentemente de qualquer coisa. São meu porto-seguro. Se estivermos juntos, está sempre tudo bem;, derrete-se Isabella.

Troca de colares

Bernadete, assim como a filha, guarda um objeto especial que pertenceu à mãe. Aos 20 anos, a servidora comprou um colar com um pingente de coração e gravou o nome dos pais de um lado e o dela do outro.

Quando mostrou para a mãe, ela se apaixonou e pediu o colar de presente. Bernadete, claro, acatou o desejo da matriarca, que, naquele momento, passou a usar o colar da filha todos os dias por 23 anos.

Quando a mãe morreu, a joia voltou para as mãos de Bernadete. ;Não é só um objeto, é algo que guarda toda uma história de amor, assim como as alianças da Isabella. Você carrega em si a marca de alguém que ama.;

Sempre unida à mãe

Há 24 anos, a maquiadora Laura Pereira de Magalhães Sanches, 48 anos, usa diariamente um anel que pertenceu à mãe. ;Não tiro para nada, está sempre aqui comigo.; Ela escolheu a peça entre as joias da mãe que dividiu com os irmãos quando Núbia Pereira de Magalhães Gomes morreu, aos 54 anos, em um acidente de carro.

O anel tinha sido um presente do pai, e a maquiadora sempre gostou da cor da pedra. Foi uma das formas que escolheu para sentir a mãe sempre por perto. Laura compartilha ainda um gosto parecido com o da matriarca: tem diversos itens de decoração herdados da antiga casa dos pais. Na hora de eleger o predileto, fica difícil. ;Todos são preferidos;, ri.
Mulher com a mão estendida, mostrando um anel com pedra rosa
Mas um conjunto de canecas e chaleira esmaltada acaba ganhando um carinho especial. ;Eu nem tenho coragem de usar. Ele fica apenas como um enfeite para não estragar ou quebrar.;

Quando Laura voltava tarde para casa, encontrava a cama pronta para se deitar e em cima sempre tinha um bilhete carinhoso da mãe, uma das lembranças que a maquiadora guarda. ;Ela era muito carinhosa. Quando fui morar fora para fazer faculdade, não tinha mais os bilhetinhos, mas ela me escrevia muitas cartas, que guardo como meus grandes tesouros.;

Os quadros e pequenos enfeites espalhados pela casa relembram Laura da relação especial que tinha com a mãe e dos ensinamentos e exemplos que a professora universitária deixou. ;Ela me guia como uma mulher batalhadora, que adorava estudar e aprender, que, do jeito que podia, estava presente na vida dos filhos. Tinha uma fé invejável e nunca abriu mão de ser o que queria profissionalmente. Isso me inspira muito;, completa.

Um presente para a vida toda

Aos 14 anos, Cláudia Cardoso de Sá, 44, ganhou da avó uma pulseira e um colar que se tornaram um dos conjuntos preferidos da produtora de eventos, que ela só usa em ocasiões especiais.

Adir Vieira de Sá sempre mostrava as peças à neta e dizia que seriam o seu presente assim que ela completasse 15 anos. A avó vivia no Rio de Janeira, e Cláudia, em Brasília, mas sempre passavam as férias juntas, fosse em Brasília ou na capital fluminense.

;Sempre que ia visitá-la ou que ela vinha para cá, ela dizia que ia me dar o conjunto de presente de aniversário. Eu era menina e não ligava tanto, mas hoje é muito significativo;, emociona-se Cláudia.

Quando os 15 anos da produtora de eventos se aproximou, o avô de Cláudia ficou doente e Adir teve medo de não estar presente na festa da neta. ;Eu fui passar umas férias lá e ela resolveu me entregar um pouco antes, caso não pudesse estar comigo no meu aniversário;, conta.
Cláudia Cardoso herdou o conjunto de colar e pulseira  da avó quando estava prestes a fazer 15 anos
O avô de Cláudia acabou morrendo antes e a avó esteve com ela no aniversário. A produtora conta que, depois que perdeu a avó, há 13 anos, o conjunto se tornou ainda mais valioso a seus olhos.

Mesmo nunca tendo morado na mesma cidade, a vida de Cláudia é marcada por lembranças dos momentos compartilhados em família, que passava todas as férias reunida. ;Ela era muito doce e nunca me negava nada, até para a rua soltar pipa comigo ela ia;, recorda-se.

O conjunto, segundo Cláudia, tem destino certo. ;A tendência é que passe para minha única filha, mas confesso que não tinha pensado muito nisso, pois não estou pensando em morrer tão cedo;, brinca.

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